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Futebol e política no Brasil, uma história interligada

João Pedro Sampaio 19 de junho de 2020

Nos últimos dias, fomos surpreendidos com as manifestações a favor da democracia, organizadas por torcidas organizadas consideradas antifascistas. Para uma grande parte da população, essa ala do futebol representa a violência e a marginalização, no sentido amplo da palavra, e se estranha a ligação destas com movimentos políticos, muitos ressaltando que “não se sentem representados como torcedor por esses grupos”. Contudo, a história nos ensina que esse ciclo de defesa aberta da democracia pelos torcedores não é atual, em especial em se tratando da Democracia Corinthiana.

O futebol é taxado por muitos como “pão e circo”, uma distração para a população, seu ópio, afim de que não se preocupem com temas de maior importância da sociedade. Porém, ele está diretamente ligado com a política, podendo ser usado como instrumento de propaganda, visto no Brasil no período da Ditadura Militar, com o objetivo de consolidar uma imagem populista e implantar um sentimento popular, com o slogan “Pra frente, Brasil, salve a Seleção”.

A Copa do Mundo de 1970 consolidou essa mistura entre o governo ditatorial de Médici com a seleção, visto que este tinha uma relação intrínseca com a Confederação Brasileira de Desportes, possuindo muita influência, dando palpites nas convocações, o que irritou o saudoso treinador João Saldanha na época, que não abaixou a cabeça para a Ditadura Militar na época, e provocou: “Ele escala o ministério dele, que a seleção escalo eu”. Apesar de praticamente montar o time vencedor de 1970, com a base tendo sua assinatura, Saldanha perdeu o cargo por não se omitir, em um ato de retaliação de Médici, como um aviso de que não aceitaria ser contrariado.

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João Saldanha durante campeonato carioca, em jogo do Botafogo contra o Flamengo no Maracanã, em 1958. Foto: Reprodução.

A CBD se aproveitou do sucesso da Copa do Mundo de 70 para implementar um campeonato nacional no Brasil no ano seguinte, oficializando o então Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Para conseguir assumir o controle, João Havelange, então presidente da Confederação na época, usou de sua influência, junto com diversos outros presidentes das Federações Estaduais, os quais eram militares com carreira política, para uma unificação nacional do campeonato. Nos anos seguintes, teríamos uma expansão exagerada do campeonato para agradar todas as Federações, ainda mais quando o regime ditatorial se via enfraquecido, surgindo o bordão: “Onde a ARENA vai mal, um time no nacional”. Nesse mesmo período, pudemos observar a construção do governo de diversos estádios Brasil a fora, com capacidade acima de 40 mil pessoas, em mais um ato de aproximação do governo com o futebol na época.

A relação do futebol com a política no Brasil foi totalmente tomada pelo regime ditatorial, assumindo as rédeas das tomadas de decisões do campeonato nacional e sua expansão, porém o movimento contrário surgiu pelos próprios atletas e torcedores dos clubes. O movimento da Democracia Corinthiana é um capítulo marcante da história do Brasil, iniciada pelos próprios jogadores do clube na época, tendo a imagem de Sócrates associada a esta, com sua clássica comemoração com o punho cerrado para o alto, um ato de resistência. Aliás, resistência é a melhor definição do que foi a Democracia Corinthiana, visto que, em pleno período de ditadura, teve a coragem de estampar em sua camisa a mensagem pedindo a volta da democracia no país, aplicando a tomada de decisões de modo democrático no próprio clube, do roupeiro ao presidente.

Diversos outros movimentos foram tomados pelo Brasil a fora como ato de resistência, desde a criação da Coligay, torcida LGBT gremista, que peitou o preconceito e a discriminação em pleno período de ditadura, até a Fla-Diretas, movimento formado por torcedores do Flamengo que foi pioneiro no canto pela volta das diretas nas arquibancadas brasileiras. O futebol torna-se neste momento um espaço de inflame popular, e a ida às ruas pedindo a volta da democracia se torna um caminho sem volta pela própria população, influenciada por seus ídolos ou em virtude de uma própria mobilização das torcidas. O futebol pede a democracia, e a Democracia Corinthiana volta a dar as caras em faixas de protestos anti-fascistas em 2020. Não é uma coincidência, vivemos um período de saudosismo pela volta do período mais obscuros da história do Brasil, e nunca foi tão necessário defender a democracia como neste momento.

Viver no Brasil em 2020 é a todo momento se deparar com o flerte ao totalitarismo, ao obscurantismo, ao que há de mais podre na nossa sociedade, e a busca pela defesa da democracia parte do futebol, assim como defendeu Márcio Braga nas eleições rubro-negras de 1976, “a democracia começará pelo Flamengo”, e assim foi, derrotando o candidato de Médici. A luta antifascista pelo futebol torna-se um importante meio de defesa dos meios democráticos, uma prova viva que o futebol sempre será político, pois se trata do esporte mais popular do planeta, e a política se vive todos os dias com os nossos atos. Que a mensagem de Sócrates e seus companheiros não seja esquecida: ganhar ou perder, mas sempre com democracia.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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João Pedro Sampaio

Bacharel em direito pela PUC-Rio, apaixonado por futebol, na busca constante de um olhar mais crítico e um maior conhecimento do esporte que mexe com os mais diversos sentimentos de uma pessoa.

Como citar

SAMPAIO, João Pedro. Futebol e política no Brasil, uma história interligada. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 44, 2020.
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