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Futebol e Política: Os fascistas querem a bola

Victor de Leonardo Figols 6 de abril de 2016

Futebol e política sempre andaram de mãos dadas. Aliás, o próprio nascimento do esporte que conhecemos hoje foi fruto de uma vontade política e econômica. Ainda no século XIX, o futebol foi usado pelos britânicos como ferramenta imperialista. É bem verdade que o futebol não era um produto comercializado pelos ingleses, mas também é verdade que toda a dominação passa por submissão cultural. Assim, junto com outras práticas, o futebol ganhou o mundo como um exemplo de uma sociedade civilizada. O colonizador repetia as suas práticas em territórios colonizados, enquanto o colonizado o copiava, e por que não dizer, adaptava o jogo trazido da terra da rainha. O futebol era praticado pelos colonizadores e pelas elites locais nas escolas e universidades, concomitantemente, nos portos e próximos às linhas férreas, dezenas de trabalhadores locais e estrangeiros jogavam futebol.

Tão logo o futebol começou a se popularizar, setores mais conservadores viram no futebol uma ótima ferramenta para conter, controlar e até manipular as massas. Foi assim na Espanha, na Itália, na Alemanha, no Brasil, na Argentina e em centenas de países.

Na Espanha, o ditador Primo de Rivera criou inúmeros mecanismos para controlar o futebol e mostrou o caminho para Francisco Franco. Da Federação Espanhola de Futebol, passando pelos clubes, cada entidade esportiva espanhola tinha um representante do general. A estrutura democrática dos clubes foi completamente dissolvida, e os representantes do general eram nomeados para os cargos de conselheiro, e até mesmo para o de presidente do clube. Ainda nos primeiros anos da ditadura, antes de cada partida era possível ver a saudação fascista, feita pelos jogadores (e por parte da torcida) para homenagear o ditador. Até mesmo as negociações de jogadores passavam pelo crivo do ditador, o maior exemplo foi o argentino Di Stefano, que fora contratado pelo FC Barcelona, mas acabou indo jogar pelo Real Madrid.

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Di Stefano em ação pelo Real Madrid. Foto: El Gráfico magazine / Domínio público.

Durante franquismo também foi muito comum a mudança dos nomes de clubes e de competições. Dentro do projeto nacionalista, Franco buscou castelhanizar tudo aquilo que era possível, por exemplo, o Football Club Barcelona, além da substituição da bandeira catalã no escudo pela bandeira espanhola, também foi alterado o nome de Football Club para Club de Fútbol. Já a Copa del Rey se tornou a Copa del Generalísimo, para homenageá-lo. Por fim, Franco também tinha a ideia de mudar o nome do próprio esporte, de fútbol para a versão em castelhano, balompié.

As ações de Franco no futebol não se resumiram apenas nos bastidores do esporte, o general usou o futebol, mas especificamente o Real Madrid, para se promover na Europa, em outras palavras, o futebol foi usado como propaganda de governo tanto na Europa como na própria Espanha. Para se ter uma ideia, a criação da Copa de Europa, foi capitaneada pelo Real Madrid, o clube mais beneficiado durante o período franquista. Mas, Franco também era um grande apreciador do jogo em si, costumava fazer apostas e frequentava estádios, e como torcedor do Real Madrid tinha um camarote no Estádio Chamartín (atualmente Estádio Santiago Bernabéu), estádio para mais de 75 mil pessoas que foi erguido – em meio a II Guerra Mundial – em apenas um ano, graças ao governo espanhol.

Talvez a Espanha tenha o caso mais emblemático de como o futebol foi usado por ditadores para promover o seu governo, mas o caso da Itália, também é bastante interessante. A Itália de Mussolini utilizou o futebol, para enaltecer o nacionalismo italiano, diferentemente do caso espanhol, Benito Mussolini não usou um clube, mas sim a Seleção da Itália como representante do seu governo fascista. A Copa do Mundo de 1934, realizada na Itália, foi usada para mostrar para o mundo a força e a grandiosidade da Itália fascista erguida por Mussolini. Seguindo essa lógica, o título conquistado pela Seleção Italiana em 1934, era só a confirmação do projeto fascista de Mussolini. O ditador também tentou criar um clube que congregasse o ideal fascista, a Associazione Sportiva Roma nasceu como parte de projeto de usar o futebol, mas como veremos no próximo texto da série, a história da Roma tomou outros caminhos.

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Lance da partida entre Alemanha 1 x 0 Dinamarca realizada em Hamburgo em 1940. Foto: The Museum of Danish Resistance / Domínio Público.

Na Alemanha Nazista, Adolf Hitler usou o esporte de maneira geral para mostrar ao mundo a ideologia nazista. Os Jogos Olímpicos de 1936, realizados em Berlim, foram usados dessa forma. A beleza dos corpos atléticos, o vigor físico e a juventude eram atributos que se esperava de um ariano perfeito. Os melhores exemplares de um ariano perfeito representaram a Alemanha de Hitler naqueles Jogos. Mesmo provendo a prática de esportes de maneira geral, Hitler não era um entusiasta do jogo com a bola, mas ainda assim, teve um papel importante no jogo entre Áustria e Peru, nas Olímpiadas de 1936. Apesar da vitória de 9 a 0 sobre Luxemburgo na primeira fase, a Alemanha Nazista foi derrotada pela Noruega por 2 a 0, e acabou sendo eliminada da competição. Por outro lado, a Áustria, país de origem do ditador nazista, permanecia na competição após uma vitória de 3 a 1 sobre o Egito. Na segunda fase, os austríacos enfrentaram a Seleção do Peru, uma das melhores seleções daquela competição. Após um jogo complicado no tempo normal, e com o placar de 2 a 2, o jogo foi para a prorrogação, onde os peruanos fizeram mais dois gols, eliminando definitivamente os austríacos. Entretanto, a Áustria pediu o cancelamento da partida alegando que torcedores peruanos invadiram o campo impedindo a conclusão da prorrogação. A denúncia foi levada à FIFA, e aparentemente passou pelas mãos de Hitler, que ordenou que uma nova partida, entretanto, os peruanos se recusaram a disputá-la. A Áustria chegou a final, e perdeu para a Itália de Mussolini. Hitler também se aproximou do Schalke 04, um clube fundado por trabalhadores das minas de carvão, e um dos clubes mais populares da Alemanha. Durante o período nazista, o Schalke conquistou seis títulos nacionais.

Mais próximos da realidade brasileira, temos o caso da Seleção Brasileira de 1970, que foi usada como uma máquina para promover a Ditadura Militar, implantada no Golpe de 1964. A música “Pra frente Brasil!” não virou apenas a trilha sonora da campanha vencedora daquela Seleção, mas também música extraoficial do governo durante o Milagre Econômico (mais tarde se tornaria uma grande farsa). O título ainda foi embalado pelos lemas “Brasil, ame-o ou deixe-o” e “Ninguém segura esse Brasil”, a essa altura, a propagada do regime se confundia facilmente com o apoio a Seleção Brasileira, e vice-versa. Enquanto isso, a Ditadura Militar entrava na fase mais repressiva do período, sob o comando de Emílio Garrastazu Médici a tortura havia virado política oficial do governo. A “pátria da chuteiras” vestia coturno.

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A Seleção Brasileira antes do jogo contra o Peru na Copa de 1970. Os mesmos jogadores atuariam na decisão, contra a Itália. Em pé, da esquerda para a direita: Carlos Alberto, Brito, Piazza, Félix, Clodoaldo e Everaldo; agachados: Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivelino. Foto: El Gráfico magazine #2646 / Domínio público.

Oito anos depois, na Copa do Mundo de 1978 na Argentina, o ditador Jorge Rafael Videla usou da Seleção Argentina, e do próprio mundial para fazer propaganda do seu regime, e fortalecê-lo. Em meio a inúmeras denúncias de violação dos Direitos Humanos e sofrendo ameaça de boicote por parte de alguns países, e até mesmo de jogadores (Johan Cruyff foi um desses jogadores que se recusou a fazer parte do Mundial de 1978), Videla usava o lema “Somos direitos e humanos” para prover o Mundial, e principalmente, o governo. Aliás, toda organização do mundial teve amplo apoio do presidente da FIFA, João Havelange. Na abertura do Mundial, no Estádio Monumental de Núñez, Videla condecorou Havelange, e a poucos quarteirões do estádio, no centro de tortura e extermínio de presos políticos, os gritos de dor e sofrimento eram abafados pelos gritos da torcida.

Videla era um grande apreciador do futebol, ou pelo menos sabia como usá-lo para promover o seu governo. Durante todos os jogos o ditador frequentou o vestiário da Seleção Argentina, e no emblemático jogo entre Argentina e Peru, até militares foram vistos no vestiário, só que dessa vez do lado dos peruanos, coagindo-os a perder. Depois da goleada questionável sobre o Peru (6 a 0), a Argentina chegou a final e venceu por 3 a 1 a Holanda. O primeiro título da Seleção Argentina também condecorou a ditadura.

Há uma estranha relação entre futebol e ditaduras, a impressão que dá é que esses ditadores não tiveram uma bola para chutar na infância, e quando chegam ao poder querem a bola só para si. Além dos casos citados, temos o general Augusto Pinochet que se fez presidente do Colo-Colo, um dos clubes mais populares do Chile. Na Bolívia, o general García Mesa seguiu os passos de Pinochet, e se fez presidente do Wilstermann. Também tivemos o caso da Ditadura no Uruguai, que tentou usar o Mundialito de 1980 para se promover. E há tantos outros exemplos em que ditadores sedentos por poderes enxergaram na bola, ou melhor, no futebol uma alternativa para se promover.

O futebol em si também está na mão de ditadores, os ditadores da bola. Em 1904, a FIFA foi criada após uma disputa política com a English Football Association, a querela entre as duas entidades estava no controle do futebol, naquela época se pensava apenas em padronizar as regras entre os diferentes futebóis que eram praticados, principalmente em território Europeu. Em 1974, com a chegada de Havelange, que subiu ao poder graças as suas habilidades políticas de fazer barganha e chantagem, o futebol virou uma máquina de fazer dinheiro. O jogo mais popular do mundo foi vendido e virou um grande negócio, quem exerce poder político hoje na FIFA, controla grandes quantidades em dinheiro.

Mas nem só de ditadores e fascista que se faz política no futebol, pelo contrário, há inúmeros exemplos de resistência e luta, por parte de torcedores, de clube, principalmente de jogadores. Mas esse assunto fica para a segunda parte da série.

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Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. Futebol e Política: Os fascistas querem a bola. Ludopédio, São Paulo, v. 82, n. 3, 2016.
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