Sou branquelo e nasci na preta quebrada
Devo tudo a ela, que sempre me deveu nada
Da branquitude hagiográfica herdei São Judas Tadeu
Um punhado de frases maliciosas
Dribles curtos, gírias e fraseadas
De menino vi irmão botando fogo em irmão
Boleiros na maldade, batucadas, biritas batizadas
Em campo a Tobias maquinava, cercando, rondando
Colorindo o caderno em preto e branco do extermínio
Pavor dos moleques soltos nos morros feito arquibancadas
Clássicos no radinho e discursos cientificistas
Minha casa era meio cristã, meio kardecista
Meio distraída com felicidades miúdas
Grotões abertos cuspiam gente esmigalhada
Tudo diante dos óculos empoeirados grudados na vista
Na missa, católicos brancos e alguns pretos
Nas ruas, crentes pretos e alguns brancos
Para desfrutar da televisão colorida do vizinho
Pulando o muro um centroavante despontava
Para ver que o gramado era, de fato, verdinho
Raça era raçudo em chuteiras improvisadas
Que faziam da bola companheira da poeira e da ventania
Mistura fina que curava frieiras dos dedões
Tudo respirava garrinchias
Quem haveria de se importar com a cor dos Joões?
Em diplomas brancos me fiz aprendiz
Temperando samba, futebol e assombrados
Deslizava naquela geleia geral
Nada aperreado, fiz o que fiz
Lendo na cartilha dos ressabiados
De tropeços, declives e divididas
Bolas espremidas entre pés e sarjetas
O entusiasmo nacionalista era a diretriz
À direita e à esquerda, a tática era tatear
Estátuas só tombam porque não sabem mentir, nem driblar
De longe, agora assisto a vitória dos emponderados
Veterano das pelejas e dos trens de subúrbio
Já não faço do meu corpo um bólido chacoalhado
Mas para viver assim de saco cheio
Ainda sonho que chuto latas e solto pipas, pendurado em telhados