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Futebol Feminino e a dúvida do amanhã

Suellen dos Santos Ramos 1 de fevereiro de 2016

No dia 9 de dezembro de 2015, Marta Vieira da Silva, entrou mais uma vez para a história do futebol feminino mundial. Na primeira partida do Torneio Internacional de Natal, contra a equipe de Trinidad e Tobago, a atacante anotou cinco gols e tornou-se a maior artilheira da seleção nacional com 98 gols, ultrapassando nada mais nada menos do que Pelé, que mantém a marca de 95 gols. Além deste feito, a Rainha Marta foi eleita cinco vezes a melhor jogadora do mundo e ainda é a maior artilheira da história das Copas do Mundo de Futebol Feminino, com 15 gols no total.

Esta história incontestável deixa uma dúvida que paira no ar: Quem será nossa próxima Marta? Quem será a próxima brasileira a deixar seu nome na história do futebol? Cristiane, com talento inegável, assim como Marta, está próxima de pendurar as chuteiras. Deixou também um legado, com duas medalhas olímpicas, ambas de prata (2004 e 2008), além de duas medalhas de ouro dos Jogos Pan-Americanos (2007 e 2015).

Mas e o futuro? Quando não houver mais Marta e Cristiane.

Natal - RN - 16/12/2015 - COPA CAIXA 2015 - ESPORTES - Partida entre as Seleções do Brasil x México no torneio internacional de futebol feminino “Copa Caixa 2015”, na Arena das Dunas, em Natal, RN; O torneio conta com quatro seleções Brasil, Mexico, Trinidade e Tobago e Canadá. Foto: Vlademir Alexandre / ALLSPORTS
Marta em ação no Torneio Internacional de futebol feminino disputado em Natal em 2015. Foto: Vlademir Alexandre / ALLSPORTS.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) criou em março de 2013 a categoria sub-15, que até então não existia. Conta ainda com as categorias sub-17 e sub-20. Estas duas últimas dispõem de competições internacionais, a Copa do Mundo de Futebol Feminino sub-20, que ocorre desde 2002 e a Copa do Mundo de Futebol Feminino sub-17, iniciada em 2008. Ambas organizadas pela FIFA, acontecendo em anos pares.

Este investimento nas categorias de base, vindo do maior órgão de futebol do país, incentiva os clubes a criarem estes planteis em seus departamentos, o que estimula o surgimento de novas craques. Meninas jovens que jogam futebol no Brasil sempre existiram, mas muitas gerações foram perdidas devido à falta de investimento e visibilidade.

O Campeonato Brasileiro sub-17 já está no calendário da CBF e acontecerá no primeiro semestre de 2016. Mas muitos destes jovens talentos já mostram habilidade no Campeonato Brasileiro adulto, iniciado no dia 20 de janeiro deste ano. A competição conta com a participação de vinte equipes e algumas destas possuem categorias de base no clube. Temos hoje no Brasil meninas de 16 anos competindo com mulheres de 30, e este fato não se deve ao excesso de habilidade da mais nova e sim pela falta de campeonatos nacionais que priorizem as categorias de base, fazendo com que estas meninas pulem as etapas de treinamento necessárias para formação de uma atleta. A esperança é que os clubes de camisa que disputarão o Campeonato Brasileiro em 2016 (América – MG, Corinthians – SP, Flamengo – RJ, Santos – SP e Vasco da Gama – RJ) não se preocupem somente com a equipe adulta.

O Club de Regatas Vasco da Gama é um dos times que mais investe na base e possui tradição em revelar talentos. É responsável pelo surgimento da Rainha Marta para o mundo futebolístico. Foi no clube cruzmaltino que Marta ganhou seus primeiros títulos nacionais e a oportunidade de defender a Seleção Brasileira pela primeira vez. Além dela, outros nomes de destaques foram revelados pelo time carioca: Pretinha, Meg e Fanta, que também serviram a Seleção. Atualmente o clube mantém, além da categoria adulta, as categorias sub-20, sub-17, sub-15 e sub-13.

Rio de Janeiro - RJ - 26/01/2016 - BRASILEIRÃO CAIXA 2016 - ESPORTES - Jogo 11 (Segunda Rodada) do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino “Brasileirão Caixa 2016” entre, C.R. Vasco da Gama X Adeco, realizado no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro,RJ; válido pelo grupo 02 do Brasileirão feminino 2016. Foto: TASSO MARCELO / ALLSPORTS
Lance da partida entre Vasco e Adeco (vermelho) pelo Brasileirão Caixa 2016. Foto: TASSO MARCELO / ALLSPORTS.

Algumas equipes do interior de São Paulo, como São José dos Campos e Centro Olímpico, assim como o extinto Kindermann, também têm tradição na formação de atletas. Centenas de meninas migram para São Paulo em busca do sonho de se tornar uma jogadora de futebol, pois é na região sudeste que se encontram as equipes com melhor estrutura do país. Mas não imaginem, nem comparem com a estrutura disponível no futebol jogado por homens.

A equipe do Kindermann, uma das pioneiras do futebol feminino brasileiro e celeiro de jogadoras revelações, encerrou suas atividades no dia 14 de dezembro de 2015, após uma triste tragédia ocorrida com o treinador Josué Kaercher. O clube catarinense é o atual campeão da Copa do Brasil e disputaria no ano de 2016 a Copa Libertadores da América. A Sociedade Esportiva Kindemann sempre investiu nas categorias de base, desde sua criação em 2004. Além da equipe adulta, contava com as categoria sub-20 e sub-17, que disputavam campeonatos de futebol de campo e de futsal. O fechamento de uma das equipes mais antigas do futebol feminino deixa em evidência as inconstâncias vividas pela modalidade no Brasil.

SC - CACADOR - BRASILEIRAO FEMININO CAIXA 2015 - ESPORTES - Quarta rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, Brasileirao Caixa 2015, Jogo 27; Grupo 2, Kindermann/SC X Portuguesa/SP, realizado no estadio Carlos A.C. Neves, em Cacador, SC. 20/09/2015
Jogadoras do Kindermann/SC comemoram gol em partida contra a Portuguesa/SP pelo Brasileirão Caixa 2015. Foto: Jandyr Nascimento / ALLSPORTS.

Andressa Machry, mais conhecida como Andressinha, após ser revelada pela equipe do Pelotas/RS, migrou para o Kindermann com 15 anos de idade. Caminho este que muitas meninas da região Sul seguiram, visto que no estado não existe uma perspectiva de crescimento dentro do futebol feminino. Hoje é volante da Seleção Brasileira Permanente, defende a camiseta canarinho desde a categoria sub-17, passou pela categoria sub-20, em ambas disputou Campeonato Sul-Americano e Mundial, e atualmente é um dos destaques da equipe principal. Passou por todas as etapas de treinamento e é um exemplo de que investir na base dá certo e de que não precisamos contar somente com milagres para descobrir uma nova craque para o Brasil. Será ela a sucessora de Marta? As ferramentas ela têm.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Suellen dos Santos Ramos

Mestranda em Ciência do Movimento Humano (UFRGS). Graduada em Educação Física (UFRGS). Jogadora e amante de futsal e futebol.

Como citar

RAMOS, Suellen dos Santos. Futebol Feminino e a dúvida do amanhã. Ludopédio, São Paulo, v. 80, n. 1, 2016.
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