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Futebol feminino: uma história de resistência e luta

Introdução

A prática do futebol pelas mulheres é, sem dúvida, mais uma conquista que elas conseguiram com muita luta e resistência. Pois, na sociedade brasileira, muitas coisas foram negadas ao sexo feminino que, há algumas décadas, se quer tinha o direito de exercer a sua cidadania por meio do ato de votar e escolher os seus governantes, quem dirá jogar futebol.

Poderíamos tecer um rosário de coisas que foram e continuam sendo negadas às mulheres, todavia, no presente trabalho, dissertamos acerca do quanto difícil foi e continua sendo a presença da mulher no universo do futebol brasileiro.

Basta olhar a indagação feita por Hollanda Loyola em 1940: “Pode a mulher praticar o futebol?”, essa questão que foi proferida há mais de 80 anos, em alguns momentos, segue sendo atual. Silvana Vilodre Goellner, em seu texto que foi intitulado com essa pergunta feita por Hollanda, salienta que:

Por certo, são os preconceitos historicamente construídos pela e na nossa cultura, alguns dos elementos que fazem com que essa questão, vez por outra, apareça na atualidade. Preconceitos relacionados a representações de masculinidade e feminilidade. Isto é, daquilo que cabe a um e a outro sexo na vida em sociedade. (GOELLNER, 2000, p. 80).

Portanto, os estereótipos e os padrões de comportamentos almejados e padronizados pela sociedade, que muitas vezes são criados e impostos de maneira excludente e preconceituosa, contribuem para a falta de reconhecimento e valorização da mulher esportista. Se por um lado, o futebol praticado por homens segue em constante evolução e continua sendo apontado como a paixão do povo brasileiro, e que para muitas pessoas ainda somos “A pátria de chuteiras” como o saudoso Nelson Rodrigues intitulou o seu clássico livro, por outro, o futebol de mulheres continua parado no tempo e, mergulhado na precariedade.

Futebol feminino
Brasil 5 x 1 Suécia – Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Foto: Ricardo Stuckert/CBF.

O futebol de mulheres no Brasil: ou como Alice não encontrou o seu país das maravilhas

A presença da mulher no futebol brasileiro, não é de hoje. Quer seja como torcedora nos estádios, quer seja debatendo com familiares e amigos(as), quer seja trabalhando na imprensa futebolística, etc. Afinal, quem não se lembra do grande contingente feminino no fatídico “Maracanaço” de 1950 que, inclusive, neste período, a prática do futebol pelas mulheres seguia vetada pelo Decreto-Lei n° 3. 1999 de 14 de abril de 1941. O qual destacou em seu Art. 54. “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.” (BRASIL, 1941 e CASTELLANI FILHO, 1988).

Sendo assim, mesmo a sua prática sendo proibida por decreto, a mulher continuava por manifestar a sua paixão pelo futebol. E como aponta Silvana Vilodre Goellner em “Mulheres e futebol no Brasil: descontinuidades, resistências e resiliências”:

“(…) a constatação de que a presença das mulheres nas mais diferentes ocupações e manifestações do futebol resulta de sua insistência em permanecer em um espaço que não é representado, incentivado e reconhecido como seu.” (GOELLNER, 2021, p. 12).

Por meio do excerto de Goellner (2021), podemos evidenciar que as mulheres existem neste universo que é de hegemonia masculina, por conta da sua insistência em resistir e existir.

Embora as mulheres tenham conquistado mais espaço no universo do futebol brasileiro, como futebolista ou trabalhando nas diversas áreas relacionadas ao jornalismo esportivo, tais como: repórter, comentarista e narradora, ainda existe uma discrepância de contingente em relação ao masculino e ao feminino neste universo. Se o futebol praticado por homens é hegemônico e mobiliza a sociedade brasileira, como podemos observar no apontamento do antropólogo Roberto DaMatta em seu livro A bola corre mais que os homens, que, segundo o autor: “No Brasil, “assistimos missa”, “vemos filme”, participamos de comícios e “ouvimos aula”. Mas quando se trata de futebol e de seleção, torcemos.” (DAMATTA, 2006, p. 112). Esse prestígio que o futebol masculino recebe da sociedade brasileira, não se aplica ao futebol de mulheres, que carece de prestígio, incentivo, visibilidade, investimentos, melhores condições de trabalho, melhor remuneração salarial e reconhecimento.

Pois em um país que a prática do futebol já foi vetada as mulheres, fica evidenciado que Alice não encontrou o seu país das maravilhas. Entretanto, nós, amantes do futebol, seja o futebol de homens ou de mulheres, temos a sorte de contar com MULHERES guerreiras que transgrediram e continuam transgredindo as inúmeras barreiras que se apresentaram e continuam se apresentando a elas, ou seja, não aceitam que ninguém decida por elas. Ô sorte!

Considerações finais           

Após dissertarmos acerca da luta das mulheres para existirem e resistirem no universo do futebol brasileiro, seguimos esperançosos que, um dia, possamos evoluir como sociedade, e que o futebol de mulheres, seja tão bem-visto e valorizado quanto o futebol masculino. E que possamos construir um novo universo do futebol brasileiro, desta vez, com a presença das mulheres, e com o devido reconhecimento e as devidas igualdades. Enquanto isso não acontece, continuaremos incentivando e apresentando o futebol feminino para as novas gerações, pois é por meio delas que mudaremos os rumos da nação e da sociedade.

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Desportos. Decreto-Lei n°. 3199. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1941.

CASTELLANI FILHO, Lino. Educação física no Brasil: a história que não se conta. Campinas, SP: Papirus, 1988.

DAMATTA, Roberto. A bola corre mais que os homens: duas copas, treze crônicas e três ensaios sobre futebol. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

GOELLNER, Silvana Vilodre. Pode a mulher praticar o futebol?. In: Carrano, Paulo Cesar Rodrigues (Org.). Futebol: paixão e política. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

_________________________. Mulheres e futebol no Brasil: descontinuidades, resistências e resiliênciasMovimento. Porto Alegre, v. 27, 2021. Acesso em: 10 jan. 2023.

LOYOLA, Hollanda. Pode a mulher praticar o futebol? Revista Educação Physica. n. 46, set. 1940, p. 18-20.

RODRIGUES, Nelson. A pátria de chuteiras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Elizaldo Inaldo da Silva

Licenciado em Educação Física pela Universidade Guarulhos (UNG) (2014-2016). Pós-graduado em Educação Física na Escola pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2019-2020). Atualmente é docente de Educação Física na rede estadual de São Paulo e na rede particular de ensino em Guarulhos/SP.

Peterson Amaro da Silva

Mestre em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduado (lato sensu) em Ensino Lúdico pelo Centro Universitário Barão Mauá, Educação Física Escolar pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), Docência no Ensino Superior pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Formado em Pedagogia pela Universidade Camilo Castelo Branco (UNICASTELO). Formado em Educação Física (licenciatura) pela Faculdade Brasília de São Paulo (FABRASP). Foi Professor contratado de Educação Física na rede estadual de Educação de São Paulo entre os anos de 2009 a 2011 e efetivo na mesma rede de 2012 a 2020. Atualmente é docente de Educação Física Escolar na rede Municipal de São Paulo/SP desde 2014 e em Santo André.

Marcos Marques dos Santos Júnior

Paraibano de Campina Grande-PB. Professor de Educação Física no ensino público de São Bernardo do Campo-SP: na prefeitura atuando do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e no estado lecionando no ensino médio.

Como citar

SILVA, Elizaldo Inaldo da; SILVA, Peterson Amaro da; SANTOS JúNIOR, Marcos Marques dos; OLIVEIRA, Leandro Pedro de. Futebol feminino: uma história de resistência e luta. Ludopédio, São Paulo, v. 164, n. 29, 2023.
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