147.9

Futebol, política, resistências

Vez ou outra alguém me pergunta se política e futebol se misturam.

Eu acho curiosa a pergunta, porque ela não se sustenta nem enquanto questionamento. Porque perguntar se futebol e política se misturam é considerar a hipótese de que são dois elementos diferentes que eventualmente podem – ou não podem – estar juntos.

Mas… viver é um ato político. As palavras que utilizamos – dentre tantas outras possíveis – são atos políticos. Vestir-se com uma ou outra camisa é também um ato político, é marcar posição. O lazer e o ócio, igualmente, são atos políticos. O futebol, óbvio, também é.

A política é parte constituinte da vida. Não é dissociável de nada que esteja em nosso entorno.

Aliás, se vocês querem mesmo saber, tentar convencer as coletividades de que futebol e política não se misturam é também um ato político. Tentar calar as multidões é um ato político de golpistas de extrema direita que hoje, infelizmente, estão à frente do país.

A quem interessa, afinal, o silenciamento? A apatia? O fim do debate?

Eu vou dizer a verdade. Eu tinha muitos outros temas a escrever por aqui. Nem sei se esse está no escopo do que é em regra produzido no Ludopédio.

Mas calhou que a minha vez de voltar a escrever por aqui caiu bem em 7 de setembro, o dia da suposta independência brasileira, a data em que um presidente da República convoca aliados para questionar a democracia, desrespeitar a constituição, paquerar com um golpe de estado.

Não poderia me calar, portanto.

Fora Bolsonaro
Fora Bolsonaro em Campinas 29.05.2021. Foto: Wikipédia

A nascente democracia brasileira nunca esteve tão em risco. Ao menos desde que ela foi retomada, no finalzinho da década de 1980.

Já não é exagero afirmar que o presidente vai tentar dar um golpe. Isso, me parece, é fato consumado. Resta saber se vai dar certo, se vai ter os apoios necessários, observar quem estará de um lado e de outro nesse momento limítrofe de nossa história.

E, se haverá uma tentativa de golpe, eu estarei na resistência torcedora. Em defesa da democracia e em defesa de um futebol popular, acessível a todas as classes sociais.

Torcer, afinal, também é um ato político.

Chamar de Amigão o estádio de Campina Grande, na Paraíba, que oficialmente tem nome de governador golpista dos tempos da Ditadura Militar, é um ato político.

Estadio Governador Ernani Sátiro - O Amigão
Estádio Governador Ernani Sátiro – O Amigão. Foto: Wikipédia

Relegar às notas de rodapé os nomes oficiais dos estádios, e privilegiar os nomes populares, dar voz ao povo e ao torcedor de arquibancada, é um ato político que gosto de praticar.

Cantar, sofrer, chorar numa Série C de Campeonato Brasileiro são atos políticos.

São exemplos, apenas. O que importa aqui é apenas um apelo.

Resistamos!

É tudo o que posso pedir num dia como hoje.

E sim… resistir, acima de tudo, é um ato político dos mais importantes em nossas vidas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Phelipe Caldas

Doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba, graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela UFPB. É escritor e cronista, com quatro livros já publicados. Integra o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade (LELuS/UFSCar) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnografias Urbanas (Guetu/UFPB). É membro-fundador da Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esporte (ReNEme).

Como citar

CALDAS, Phelipe. Futebol, política, resistências. Ludopédio, São Paulo, v. 147, n. 9, 2021.
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