Ir ao cinema no Brasil dos anos 1960 até a década de 1990 era um “programão”. Além de assistir a grandes clássicos, como O Poderoso Chefão, Laranja Mecânica e Pulp Fiction, a plateia dos telões era premiada com um aquecimento para o longa principal da sessão: um cinejornal recheado de imagens do que melhor e mais importante acontecia nos estádios de futebol e no país inteiro. Este era o famoso Canal 100. Porém, por trás daquele show de imagens existiam fortes interesses políticos…
Carlinhos Niemeyer era primo de segundo grau do arquiteto Oscar Niemeyer e começou sua vida bem distante das câmeras. Levava uma vida boêmia na juventude, sendo um dos membros do chamado Clube dos Cafajestes, uma espécie de reduto de bad boys festeiros das décadas de 1940 e 1950, que viviam no Rio de Janeiro. Antes de se tornar produtor cinematográfico, o fundador do Canal 100 arriscou-se em ofícios que pouco tinham a ver com a sétima arte. No começo, foi motorista do dramaturgo e cronista esportivo Nelson Rodrigues e ainda atuou na Força Aérea Brasileira (FAB). Posteriormente, largou a aviação militar para trabalhar como piloto no setor comercial. Durante mais de 15 anos, ele sobrevoou o país de ponta a ponta. E foi num desses voos que o carioca conheceu Jean Manzon, cineasta franco-brasileiro que lhe apresentou o mundo do cinema. Depois de largar a aviação de vez e começar a produzir suas primeiras imagens em documentários com Manzon, o ex-piloto decidiu, em 1959, criar um cinejornal semanário com o objetivo de atualizar o espectador num noticiário de curta duração. E qual seria o carro chefe do projeto? A paixão nacional que se consolidava cada vez mais e caía nas graças do povo: o F-U-T-E-B-O-L.
As produções de Carlinhos ganharam notabilidade por narrar poeticamente os grandes feitos e o brilhantismo dos craques brasileiros dentro das quatro linhas, sem ocultar o que se passava nas arquibancadas. Os acontecimentos mais importantes do país também mereciam um espaço especial, como as coberturas da inauguração de Brasília em 1960, da visita do Papa João Paulo II em 1980 e da primeira edição do Rock in Rio, em 1985. Para isso, eram produzidos três cinejornais por semana: o Canal 100 Revista, o Canal 100 Atualidades e o Canal 100 Jornal. O que era relevante para o Brasil não escapava das lentes dos cinegrafistas do periódico.
Você pode (ou talvez deve) estar se perguntando: mas por que Canal 100? De onde será que vem esse nome? A filha de Carlos, Carla Niemeyer, em entrevista ao programa Arte do Artista da TV Brasil, explica a razão da alcunha: “Naquela época, os canais de TV eram poucos e só chegavam até 13. Então, a brincadeira era esta: só no cinema poderia haver um canal 100, um canal que nunca seria superado”. Ela seguiu os passos do pai e trabalha até hoje com a distribuição e produção de filmes no Rio de Janeiro.
Momentos eternizados
Para os amantes do futebol, a proposta de Carlinhos era ainda mais singular. Numa época em que a TV não era tão popular que nem hoje, em poucos minutos, gols, malabarismos e uma explosão de sentimentos eram eternizados em preto e branco num primeiro momento e, mais tarde, “ganharam cores”. Nas películas, cada detalhe que cercava a partida era tido como elemento fundamental do espetáculo. Desde o cadarço desamarrado da chuteira de Garrincha no meio de um drible, até a feição de alegria do torcedor “geraldino” botafoguense, após um gol do Anjo das Pernas Tortas. Nada ficava desapercebido nas gravações.
As emotivas narrações de Fiori Giglioti, José Carlos Araújo, Osmar Santos e José Silvério davam lugar à locução na voz de Cid Moreira. As imagens das transmissões da TV Globo e da Band eram substituídas pelos enquadramentos e tomadas únicas captadas pela notória equipe de cinegrafistas, que contava com Fernando Torturra, Liercy Oliveira e João Rocha. E como trilha sonora, a clássica canção “Na Cadência do Samba”, do pernambucano Luiz Bandeira, com o marcante verso “Que bonito é”. Com um show de imagens, o Canal 100 provocou uma verdadeira revolução na produção audiovisual do esporte brasileiro das massas.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Estudante de Comunicação Social - Jornalismo (UFSM), apaixonado por histórias de dentro e fora da cancha. Membro do Ponta de Lança, integrante do projeto Radar Esportivo, da Rádio Universidade e UniFM, emissoras da UFSM.
Como citar
SANTOS, Rubens Guilherme. Futebol, ufanismo e política no telão. Ludopédio, São Paulo, v. 125, n. 6, 2019.
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Rubens Guilherme Santos
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