Gênero, raça, pessoas com deficiências e o campo esportivo: o que o Ludopédio tem com isso?
A produção textual mensal para o Ludopédio possui uma série de significados e produz um misto de sensações e sentimentos plurais. Além disso, faz com que eu fique mais atento ao mundo esportivo e é um convite inquietante para a reflexão e para o exercício do pensamento. Nesse bojo, o texto de novembro ganhou um outro significado, pois há exatamente 12 meses, fui escalado para esse time e, de alguma forma, tento contribuir para o debate e para o caldo da discussão. Disso extraio duas conclusões: é um grande prazer e privilégio fazer parte desse elenco; o tempo está passando loucamente rápido.
Em 2019 o Ludopédio completou 10 anos de uma vida de atleta. Algumas lesões, períodos de treinamento intenso, alguns bancos e muitas vitórias. Desde o início da sua carreira assumiu o compromisso de falar sobre futebol em outras linguagens para além da estrutura científica, mas sem perder a seriedade e o rigor. Um bando de maluco resolveu publicizar suas maluquices. A brincadeira ficou séria e hoje o Ludopédio é o maior portal acadêmico de futebol da América Latina. Sensível e atento à estrutura esportiva como um lugar produtor de lógicas próprias, mas também reprodutor de alguns discursos sociais, a equipe técnica do Ludopédio realizou algumas alterações, modificou o seu esquema tático, mas não se furtou a nenhum debate. Pelo contrário, jogo para ser jogado precisa da presença, a ausência gera W.O.
Diante desse preâmbulo, estava convicto que escreveria sobre a militarização dos atletas e os possíveis efeitos desse movimento que, atualmente, desmembra-se para a sociedade de modo geral. O esporte, mais uma vez, se apresenta como uma vitrine para demonstrar o êxito e o sucesso desse projeto. Contudo, me deparei com algumas notícias incômodas e declarações inoportunas. Titubeei em alterar, mas acabei optando pela mudança e recai na seguinte indagação: o que o Ludopédio tem com tudo isso?
Após a derrota para o Flamengo de 5×0 o técnico do Grêmio, Renato Gaúcho, proferiu a seguinte afirmação: “Tomamos cinco gols em cinco falhas nossas. Jogamos muito abaixo do que a gente sabe e pode. Se bobear, uma mulher grávida faria gol no Grêmio hoje”. Dias depois a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará, divulgou os dados referentes aos crimes sexuais e constatou que até então os números nunca tinham sido tão altos. Entre janeiro e setembro deste ano foram denunciados 1478 casos. Em 2018 foram 1376 e em 2017, 1328 denúncias. Quando analisamos, isoladamente, o mês de setembro deste ano foram notificados 198 casos em todo o estado. Outro fator preocupante é que a Universidade Federal do Ceará (UFC) há tempos figura-se como um dos lugares que ocorrem esses crimes sexuais. É importante salientar que esses dados são oficiais, ou seja, quando a denúncia é realizada. Talvez estejamos diante somente da parte visível do iceberg.
Muitas medidas estão sendo realizadas em diversos âmbitos, como o trabalho constante dos setores especializados, a ampliação dos canais de comunicação e as campanhas de incentivo à denúncia. Além disso, temos o crescente protagonismo feminino, as pautas e as contundentes demandas dos grupos feministas nessa esfera. Contudo, na prática das ações públicas, percebo um certo paradoxo em que a mulher fala e denuncia, mas não é ouvida. Como ilustração desse paradoxo, em 2017 um grande jornal do estado divulgou um aumento dos casos de crimes sexuais. Em 2018 e no início de 2019, tivemos uma baixa, mas já retomamos com um novo aumento. O que ocorreu?
Retomo a declaração do Renato Gaúcho para ratificar que o coletivo feminista do Grêmio: Elis Vive já se pronunciou e repudiou o comentário. Todavia, percebemos que tais comportamentos com determinados grupos são recorrentes e, de certa forma, normalizados no contexto esportivo. O antigo técnico da seleção brasileira de mulheres afirmou: “Às vezes é um pouco mais difícil acalmar as mulheres naqueles momentos do que os homens, que é um pouco mais fácil”. Em 2017 o técnico do Internacional também protagonizou e proferiu uma fala machista ao responder uma repórter. Recentemente, um comentarista foi demitido da Jovem Pan após dizer que: “mulher deve tomar conta da casa”.
O uso da linguagem não é neutro. O caráter redutor e depreciativo flerta com a misoginia, objetifica o corpo da mulher, simplifica e produz conclusões com pretensões totalizantes e universais. Além disso, endossa um lugar de silêncio e impotência atrelado e justificado pelo sexo e visa preservar os papéis tradicionais vigentes. O uso proposital de um biologicismo tacanho e declaradamente ideologizado dita máximas, como “gosta de futebol só para agradar os homens”; “Mulher ou namorada minha não vai ao estádio”; “Mulher que bebe e gosta de futebol não é para casar”. Uma associação direta, estanque e problemática que reduz e afirma, de forma contundente, o dever ser da mulher e, ao mesmo tempo, constrói uma ideia de masculinidade, vigorosamente, gloriosa que dada a sua altivez é inatingível e doentia.
E o que o Ludopédio tem com isso? Qual seria a função, finalidade, objetivo e até a intenção desse site com essas temáticas? Isso é objeto para adentrar nas produções do site? Curioso e inquieto com todas essas questões, resolvi fazer uma busca e vasculhar as produções sobre essa problemática. Tive uma grata e orgulhosa surpresa!
O Ludopédio se coloca como um lugar progressista e sensível à causa das minorias políticas. Dentro desse contexto, defende a reflexão, põe os holofotes e valoriza tais temáticas. O protagonismo das mulheres, a representatividade de pessoas com deficiência e as questões raciais protagonizam textos no portal e fomentam discussões no campo esportivo de forma geral. Penso que dinamizar, questionar e convidar o leitor para ver o objeto sob outras óticas é uma das funções dos autores, pesquisadores e intelectuais que se debruçam sobre o campo esportivo. Penso que o Ludopédio, nesses dez anos, tem feito a tarefa de casa, de pular o muro da universidade para pegar a bola e se permitir jogar a pelada na rua, com o golzinho de chinelo, sem desconsiderar os grandes eventos e o futebol de alto rendimento. Um lugar de debate franco e aberto. Um local para se pensar e perspectivar o futebol, os demais esportes e as práticas corporais de maneira ampla.
Como forma de materializar e expressar a minha surpresa supracitada, abaixo seguem os títulos e os links dos textos publicados na Arquibancada e na coluna Para além do futebol que versaram sobre as questões de gênero, raça e das pessoas com deficiência. Fatalmente algum texto pode ter passado despercebido, mas ainda assim é possível perceber o volume da produção. Dessa forma, penso que consigo responder a indagação anunciada no início: O que o Ludopédio tem com isso?
Bicha! A homofobia no futebol como legado da Copa
Justin Fashanu: jogador profissional de futebol, negro e gay!
Jogos da Diversidade de São Paulo
Duro golpe no esporte praticado por atletas LGBT
Dia Mundial contra a Homofobia (no esporte e na vida)
“Armários de Gelo”: (homo)sexualidade nos Jogos de Inverno
Dos Jogos de Inverno e outras invisibilidades
Skate queer em Berlim
A era dos invisíveis no esporte
Minorias no esporte?
Tom Waddell e a diversidade sexual no esporte
O que esperar dos Gay Games em 2018?
Homofobia institucionalizada na Copa da Rússia
David Kopay: o ‘ícone gay’ do futebol americano
Esporte Gay ou Esporte LGBT? Eis uma questão!
EuroGames: jogos esportivos europeus da diversidade sexual
Agenda Trans para o Esporte
“Beijos Olímpicos Gays” e o que dizem sobre gênero no esporte?
A Champions LiGay e a colonização do futebol
Diego Hypolito e seu ato de bravura!
Atletas intersexo em competições esportivas
Em defesa do direito de pessoas transgênero à prática esportiva
Deixem a Tifanny jogar!
A sexualidade determina o modo de torcer?
O dia em que conheci Stella Walsh
Luta livre de mulheres: G.L.O.W. e anos 1980
A patinação artística no mundo (machista) do esporte
Brincadeiras sexuais e intolerâncias no futebol: o caso dos jogadores gaúchos
Althea Gibson e a questão racial no esporte
Seleção feminina – Dos talentos negros ao embranquecimento
O racismo e a participação do negro no esporte
Futebol, penteados e preconceitos
Só preconceito, não. Discriminação, pelo menos! Por que não se discute o racismo no futebol brasileiro?
Dois grandes cidadãos na luta antirracista
Say no to hypocrisy: a FIFA e seu inócuo combate ao racismo no futebol
“Eu sou a prova de que há racismo porque eu estou aqui”: o importante e necessário testemunho de Roger Machado na elite do futebol brasileiro
Um campeão contra o racismo
Correção histórica: Mario Filho, “O negro no foot-ball brasileiro” e a quantidade de exemplares em circulação em 1947
Jogos Mundiais Indígenas e as políticas de representatividade
Passa anel e as relações de gênero na infância
O tênis na trajetória de Renée Richards
“Eu só queria jogar futebol”
A metáfora é bicolor na aquarela brasileira: há Damares em nós?
Lutando para existir: Madge Syers e a patinação artística
Tempos de resistência!
No mundo das chuteiras rosas
A Copa, muitas mulheres, outro futebol
A ginástica e a mulher moderna
Quando o valor ao juízo escancara o juízo de valor
Jogo falado: a hegemonia do falo em campo
Investimento em mulheres e o futuro do esporte
Abusos sexuais no mundo esportivo
Aos machos torcedores de futebol, um coito interrompido!
Marta, futebol de mulheres e outras pitadas a mais…
A dimensão trágica do futebol e a violência contra a mulher
Para além da violência física contra as mulheres no futebol
Devaneios de uma mulher que ama demais futebol: Estádio Centenário
Sobre o que pensam as mulheres? Notas sobre futebol, mulheres e pesquisa
Mulheres no futebol
Narração de futebol e mulheres: a mudança em curso
Mulheres futebolistas: Marta e as pioneiras de 1980
Aqui já foi uma tentativa de concatenar produções acerca do futebol de mulheres
Ciclismo em Tandem: prática esportiva e de sociabilidade
Guias-corredores no atletismo
Goalball do Brasil na trilha do sucesso!
Torneio de Futevôlei para Amputados: esporte, ludicidade, inclusão
71 anos de história do esporte de pessoas com deficiência
Conversas com:
https://www.sspds.ce.gov.br/estatisticas-2/