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Goiânia Esporte Clube, as cores da História

Djalma Oliveira de Souza 30 de dezembro de 2020

As cores de um clube, muitas vezes representadas através de seus uniformes, podem apresentar traços históricos de uma época e até mesmo a personalidade de um time, de uma instituição ou de um indivíduo. Dessa forma, acreditamos que, buscando explicações socioculturais sobre a preferência das cores alvinegra para a composição dos uniformes e objetos do Goiânia Esporte Clube, abrimos caminhos não antes trilhados na busca de explicação sobre a razão de o clube ter optado pelas cores, preta e branca, em seus uniformes – de jogos e de treinos – nas bandeiras e nos objetos fabricados no decorrer das oito décadas de sua existência. Cremos que o que está em jogo não é simplesmente relatar o que foi dito ou escrito, mas sim compreender as lógicas dotadas de significados em cada escolha. (SAHLINS, 2004)

O historiador Hilário Franco Júnior, ao tratar das cores de uniformes em sua obra A dança dos Deuses, descreve o seguinte sobre as cores preta e branca e de sua disposição nas camisas formando listras.

“Nos primeiros tempos, por exemplo, décadas finais do século XIX e iniciais do XX, apenas duas cores eram consideradas moralmente aceitáveis para todos os personagens dos jogos. Tudo que tocava o corpo deveria ser puro, quer dizer, branco, tudo que recobria externamente deveria ser digno, isto é, escuro. […] Baseada em determinação bíblica (Levítico, 19:19), a sociedade cristã ocidental, pelos menos entre os séculos XII e XVIII, tinha considerado tecidos listrados uma marca diabólica. A partir do século XIX, porém, as mudanças sociais e culturais inverteram essa apreciação e atribuíram às listas e suas variantes, valor positivo”. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.231-232)

Ao considerarmos a explicação sobre o uso de camisas alvinegras pelos times do Brasil, levando em conta o viés religioso – é importante considerar que a cultura religiosa predominante no Brasil é o Cristianismo –, principalmente por tratar-se das décadas finais do século XIX e os decanatos correspondentes da primeira metade do século XX, período em que grande parte dos clubes tradicionais brasileiros teria sido fundada, podemos supor que, relativamente, pode ter havido algum tipo de influência. Porém, não podemos afirmar categoricamente sobre o assunto, com base somente na exposição numérica, usando a perspectiva de maior incidência de cristãos no ocidente. Evidentemente, essa primeira impressão não se firma e nem tampouco se consolida, se partirmos para uma análise mais acurada que é o que exige o trabalho científico. Porém, como apêndice e intermediado por outras fontes, pode ser reveladora de outras histórias.

No caso, para alcançar uma razoável compreensão a respeito do tema, religião/cores, seria necessário aprofundar a pesquisa relacionando a mesma à religiosidade dos fundadores, que até poderia evidentemente resultar num fecundo debate conceitual sobre o papel sociocultural dos indivíduos que se envolveram na fundação dos clubes brasileiros.

Para explicar o porquê do Goiânia Esporte Clube ter escolhido as cores alvinegras para compor o uniforme de seu clube, recorremos à leitura do livro FOOTBALLMANIA, de Leonardo Afonso de Miranda Pereira (2000), que faz uma abordagem sobre o tema, afirmando que a escolha das cores de parte dos times cariocas teria sido feita dentro de um viés elitista, pois,

“Essa sofisticação aparecia, ainda, na dependência material que esses clubes passam a manter com seus produtos importados diretamente da Inglaterra. Excetuando-se o Bangu […] todos os outros clubes futebolísticos do período traziam da Inglaterra o material necessário à prática do jogo. Era o caso do Botafogo, cuja diretoria decidira, em julho de 1905, mandar vir da Europa o equipamento de que precisava. Justificando a atitude por ser muito mais caro comprar esses artigos no Brasil, o clube encomenda a uma casa comercial inglesa todo material, como bolas, uniformes e paletós para seus sócios. […] essa mesma preferência pelos uniformes ingleses chegara mesmo, dois anos antes, a definir a mudança das cores da camisa do Fluminense: sem localizar o tecido cinza que compunha o antigo uniforme nas diversas casas de artigos esportivos que visitara na Inglaterra, onde se achava em viagem, Oscar Cox manda uma carta à diretoria do clube sugerindo a adoção do vermelho, verde e branco. […] a importação dos uniformes explicitava ainda mais claramente a sofisticação que os defensores do futebol tentavam atribuir ao jogo – sendo os clubes constantemente elogiados nos jornais pelo garbo de seus teams.” (PEREIRA, 2000, p.39-40)

O Goiânia Esporte Clube, considerado o time “chapa branca” (GOMES, 2015, p. 38); (TITO, 2008, p.89); (OLIVEIRA, 1999, p.43) pelo meio acadêmico e confirmado por alguns entrevistados, ganhou esse apelido pela influência de seus principais dirigentes junto aos gestores estaduais e municipais de Goiânia e, por isso, pode vir a ser chamado e/ou confundido também como time da elite Goiana.

Se olharmos o objeto (GEC) pelo viés elitista, diante de um quadro em que havia o Vila Nova Futebol Clube, considerado time das “massas” (OLIVEIRA, 1999, p.78) e outros clubes fundados na capital , extintos possivelmente por falta de recursos financeiros e/ou má gestão, há razões de se supor que o Goiânia Esporte Clube teria sido mesmo um time elitizado. Contudo, o que observamos é que apesar da influência e poderio financeiro dos seus dirigentes o time passou também por dificuldades financeiras, fato relatado na série de revistas “Goiânia 70”, números 01,02 e 03.

Desprovidos de qualquer tipo de pesquisa ou trabalhos científicos para que pudéssemos nos ancorar em uma possível assertiva quanto ao fato supracitado, o que, de fato, fica subtendido através das entrevistas que fizemos é que teria havido no quadro de torcedores do clube pessoas de todas as classes sociais, da mesma forma que ocorria no Atlético , Goiás, Vila Nova e demais equipes da Capital .

Dessa forma, acreditamos que a escolha dos uniformes do clube não tenha tido um caráter baseado na possibilidade de exclusão das pessoas que não estivessem enquadradas no provável perfil elitista do time. Diferentemente de alguns times cariocas faziam, já que era costume inviabilizar a participação de pessoas que não tinham condições financeiras, impedindo-os de participar dos quadros dos clubes (sócios), ao que indica os dados, o GEC não demonstrava esse glamour capaz de afastar as minorias de seu ambiente esportivo.

Outro caminho possível de explicação sobre a preferência pelas cores preta e branca do GEC pode estar relacionado ao fato dos dirigentes Alvinegros terem tido algum tipo de inspiração externa, ou seja, teriam sido influenciados por outras equipes fundadas anteriormente. Fato relativamente possível se pegarmos, por exemplo, os times goianos como o Atlético e Goiás.

O Dragão Campineiro (Atlético Clube Goianiense), segundo Horieste Gomes a escolha das cores do time procedeu da seguinte forma: “o uniforme escolhido recaiu nas cores do Flamengo, já o escudo foi inspirado no do São Paulo” (2015, p.71), enquanto que o Goiás segundo Leal (2014, p.34), “no dia 20 de junho, o time sem recursos, utilizou camisas (verdes com listras horizontais brancas) doadas pelo América Mineiro”. Porém, existia uma tendência do Goiás em usar o verde e branco em seus uniformes pelo fato de que seus fundadores (família Barsi) serem descendentes de italianos e torcedores do Palmeiras paulista. Neste ponto, cabe ressaltar, inclusive, que o Goiás Esporte Clube, naquela ocasião de sua fundação, ano de 1943, iria ser batizado com o nome “Palestra Itália” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.84). Dessa forma, é possível afirmar que a inspiração não iria resultar apenas na escolha das cores do clube, mas também, iria se impor na escolha do nome do time.

Na capital e no interior de Goiás, surgiram diversas equipes que se inspiraram em outras agremiações copiando destas as cores, os nomes e escudos. Foram muito influentes, por exemplo, times como o São Paulo, o Botafogo e o Flamengo, por conta de seus títulos e ídolos, influenciando as agremiações goianas a usarem nomes e uniformes desses clubes.

Jornal Folha de Goiaz, dia 20/03/53 (IHGG).

Ainda nesse viés, para entender as razões por que, por inspiração ou por influência, o time do Goiânia teria adotado as cores alvinegras, conversamos com o filho de um dos principais fundadores do GEC, o Dr. Paulo César da Veiga Jardim. O entrevistado informou-nos o seguinte: que seu pai Joaquim da Veiga Jardim, goiano da Cidade de Goiás, era torcedor do Goiânia Esporte Clube e também do Alvinegro carioca, o time do Botafogo. Disse também que seu primo em segundo grau, o mineiro José Henrique da Veiga Jardim , Zezé da Veiga, que morava na cidade de Goiânia e que também foi um dos principais fundadores do clube, torcia exclusivamente para o Galo Carijó.

Outra informação relevante foi obtida do radialista Rupert Nickerson, cujo avô, seu homônimo e de mesma profissão, teria sido um dos fundadores do Galo. Em entrevista, Nickerson informou-nos que seu avô nutria paixão pelo Botafogo do Rio e pelo Corinthians Paulista.

Entrevistamos também a filha de Nicanor Brasil Gordo , Dona Maria Alice Cruvinel Gordo (5/10/1942), que informou sobre seu pai, afirmando que o mesmo, além de ser torcedor do GEC, torcia também para o Fluminense do Rio e para o tricolor Paulista (São Paulo).

No dia 14 de janeiro de 2019, entrevistamos o senhor Paulo Roberto Fleury (Bob), nascido em 11 de junho de 1942, filho de Paulo Fleury da Silva e Souza, juiz de direito do trabalho e assessor de Pedro Ludovico Teixeira. Paulo Fleury (pai) foi um dos fundadores e dirigente do GEC. Sobre o pai, que viveu entre 1911 e 1990, o filho afirma que o mesmo era torcedor do Goiânia e do Cruzeiro de Minas Gerais. Acrescenta ainda que “ele não teve influência nessa escolha”.

O empresário e publicitário Jaime Câmara (16/07/1909-29/10/1989), também entusiasta e fundador do GEC, segundo seu filho João Câmara (presidente das Organizações Jaime Câmara), torcia para Goiânia e para o Santos.

Aládio Teixeira Álvares Junior, filho de Aládio Teixeira, que, na década de 30, também teria feito parte do grupo de fundadores do Goiânia, informou-nos de que o seu pai era torcedor do Galo e do América do Rio.

Encontramos em três documentos evidências de quando foi escolhido e confeccionado o primeiro uniforme do Goiânia Esporte Clube. Segundo o jornalista João Batista Alves Filho, no livro Arquivos do Futebol Goiano, de 1982, o fato foi procedido da seguinte forma:

Ainda na mesma reunião (30 de julho de 1936) foram escolhidos as cores preta e branca e o uniforme do quadro de futebol ganhou logo uma definição: camisas pretas, com golas brancas, trazendo ao peito o mapa do Estado de Goiás. Os calções seriam brancos, com meias pretas. (FILHO, João Batista Alves. Arquivos do Futebol Goiano. Goiânia: p. 119. Gráfica O Popular, 1982.)

Em outra fonte, desta vez no jornal Folha de Goiaz do dia 25 de janeiro de 1945, o fato é descrito da seguinte forma:

“Um dos primeiros uniformes do Goiânia foi este: calção branco, camiseta preta com punhos e gola branca e com um pequeno mapa do Brasil em cor branca à guisa de distintivo. Isto foi nos anos em que Zezé da Veiga e outros se esqueciam até de comer e dormir para manter de pé o clube aqui fundado em 1936, antes, portanto da mudança da capital.” (Jornal Folha de Goiaz, 25/01/45, Arquivo Estadual de Goiás)

Complementando a visualização desse tema (cores) encontramos também uma sucinta descrição de como foi o uniforme do Corintians Goiano Futebol Clube dada da seguinte maneira: “O Corintians tinha camisas em listas verticais e o distintivo passou a ser um círculo, onde estavam inscritas as suas iniciais.” (Revista Goiânia 70, 1970, p.11).

Representação dos uniformes do GEC. Montagem baseada a partir da leitura das respectivas fontes: João Batista Alves Filho. Arquivos do Futebol Goiano, Goiânia: p. 119. Gráfica O Popular, 1982, Jornal Folha de Goiaz, 25/01/45; Arquivo Estadual de Goiás, Revista Goiânia 70, 1970, p.11.
Fontes das representações dos modelos de emblemas do GEC de 1940 a 2019. Ordem da esquerda para direita; Jornal Esporte ilustrado; 10 de abril de 1941, nº 157 p. 28, Jogadores: Sebinha (cabeça baixa) e Batistinha. Revista Futebol Milionário, n. 3, sem data, p. 85, reprodução, Djalma Oliveira de Souza. Fotografia de camiseta pertencente ao torcedor, Visaldo Rosa. Fotografia, Djalma Oliveira de Souza. (2018)

Constatamos que, de acordo com a variedade de possibilidades descritivas dos uniformes do Galo, é possível que tenha havido, na escolha das cores do clube, o peso da influência por parte de seus fundadores, resultado das paixões de cada membro por seus respectivos clubes fora do estado de Goiás, com destaque para times dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Em um manuscrito, que se encontra sob a guarda da neta de Zezé da Veiga, foi possível confirmar essa nossa hipótese sobre os motivos pelo qual o GEC escolheu as cores em preto e branco para laurear seus uniformes. O manuscrito escrito por Zezé da Veiga não tem data e descreve da seguinte forma a escolha: “as cores alvinegras, foram escolhidas pelo inesquecível companheiro de várias jornadas, Zupeli, fanático torcedor botafoguense e corintiano do Estado de São Paulo.”

Fotografia Djalma Oliveira de Souza. Arquivo pessoal Dª Márcia da Veiga Jardim. Bloco de anotações escrita por José H. da Veiga Jardim. (sem data) foto colorida.

Ao apresentar esse manuscrito, acreditamos que o assunto, embora não se encerre de maneira definitiva, o que é próprio da natureza dos estudos históricos, (SCHAFF, 1995) ganhe bom termo para a presente dissertação, tendo em vista que, por tudo que pesquisamos até o presente momento, é razoável considerar que as cores do GEC teriam sido adotadas por conta de uma alguma influência da parte de seus fundadores e principais dirigentes.

Referências

FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Dança dos deuses: futebol, sociedade, cultura. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

GOMES, Horieste. A Saga Do Atlético Clube Goianiense (1937-2012),1.ed. Goiânia. Ed. do autor. 2014.

OLIVEIRA SOBRINHO, J. B. O livro do Boni. 2.ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.

PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro – 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2000.

SAHLINS, Marshall. Cultura na prática. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.

TITO, Keith Valéria. Memória e Identidade de um Bairro: Campinas Sob as Lentes de Hélio de Oliveira. Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2008.


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Djalma Oliveira

Professor da Rede Estadual em Goiás.Graduado e Mestre em História.Área de interesse; Futebol/Fotografia/Jornalismo/ Gênero/ Memórias/História de Goiás/Cinema

Como citar

SOUZA, Djalma Oliveira de. Goiânia Esporte Clube, as cores da História. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 56, 2020.
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