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Gripe Espanhola e Futebol no Brasil (Parte 6): Santa Maria/RS

Tamandaré FC, campeão de Santa Maria/RS de 1918. Foto: Reprodução/Vida Sportiva (RJ), 25 jan. 1919 p.9.

Nos textos anteriores vimos como os esportes foram impactados pela gripe espanhola nas seguintes capitais: Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Mas como será que a gripe espanhola afetou os esportes e o lazer em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, conhecida como Santa Maria? É isso que veremos nas próximas linhas.

Como citado no último texto escrito por Tassiane Freitas, o porto de Rio Grande foi a porta de entrada da influenza espanhola no Estado do Rio Grande do Sul nos últimos meses do ano de 1918. Tão logo chegou em Santa Maria, na época com cerca de 50 mil habitantes, mudou o cotidiano da cidade, causando diversas internações e mortes.

A influenza “hespanhola” no Diário do Interior

Foto: Reprodução/Diário do Interior (RS), 10 out. 1918, p. 01.

A principal fonte consultada para perseguirmos os passos da gripe em Santa Maria no ano de 1918, foi o impresso “Diário do Interior” um dos principais jornais da cidade na época. As notícias sobre a gripe vão aumentando conforme o tempo, tendo seu primeiro comunicado em 10 de outubro de 1918 dando números dos infectadas na Europa e alguns poucos em Porto Alegre/RS.

A partir daí, o jornal abre uma sessão especial chamada “Epidemia” onde vão sendo informados diversos balanços sobre a doença, como: aconselhamentos médicos, cidades já infectadas e número de mortos, etc.

Até que em 25 de outubro de 1918 a gripe espanhola chega em Santa Maria e sendo a cidade um importante entroncamento ferroviário do estado, a principal preocupação é com a Viação Férrea. Então, nesse local, o poder público organiza uma limpeza para desinfectar todas as estações e os carros de passageiros de primeira e segunda classe, até mesmo os dormitórios, sendo essa tarefa noticiada no Diário do Interior. Segundo a historiadora Daiane Rossi o maior índice de infectados entre as profissões em Santa Maria, 19%, estavam entre os ferroviários.

O Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo foi o principal ponto para tratar os infectados. As próximas sessões de “Epidemia” vêm com mais balanços, especificando como a gripe espanhola vinha se espalhando pela cidade, citando alguns nomes de pacientes e como/onde eles haviam sido infectados.

O espaço do turfe em Santa Maria

Foto: Reprodução/Diário do Interior (RS), 27 out. 1918 p. 3

Como citado no primeiro artigo da nossa série “Na bancada”, o turfe (corridas de cavalos com apostas) dividia com o futebol os holofotes quanto ao cenário esportivo. E em Santa Maria podemos ver nas páginas do Diário do Interior um certo protagonismo do turfe em suas notícias.

Mesmo já tendo os primeiros infectados em Santa Maria e as prescrições de não aglomeração, estavam ocorrendo no período algumas corridas de turfe na cidade.

A partir de 30 de outubro de 1918 não se tem mais notícias sobre a vida esportiva de modo geral em Santa Maria, incluindo o turfe. Isto dá a entender que a partir dessa data o esporte tenha sido paralisado. Foi a partir daí, inclusive, que os casos aumentaram em Santa Maria e as aulas em algumas escolas foram suspensas.

Foto: Reprodução/Diário do Interior (RS), 3 dez. 1918 p. 4

Nos primeiros dias do mês de dezembro de 1918, as provas de turfe tentaram voltar ao normal. Foi isto o que noticiou o Diário do Interior: “após curto intervalo, durante o qual a S. Protecttora do Turf conservou fechado o Prado, devido á pandemia que assolou a nossa população, realiza ella, hoje, sua 9° corrida deste anno” (Diário do Interior, 1/12/1918, p. 4). Porém, por falta de competidores essa corrida marcada não aconteceu, provavelmente um rescaldo de receio da pandemia por parte dos atletas e espectadores.

Outros esportes e lazer em Santa Maria também são impactados pela gripe espanhola

Foto: Reprodução/Diário do Interior (RS), 30 nov. 1918 p. 3

Outras atividades de esporte e lazer são noticiadas nas páginas do Diário do Interior. Temos a notícia de uma pista de patinação que adiou sua inauguração oficial por conta da pandemia, porém informou que a mesma se encontrava à disposição de quem quisesse treinar no local.

Dois espaços de lazer da cidade, o Avenida Tênis Clube e o Coliseu Santa Maria (cinema) não anunciaram suas suspensões de atividades pelo Diário do Interior, porém suas reaberturas ganharam espaço nas páginas do jornal.

Mas e o futebol santamariense?

No recorte de temporalidade do Diário do Interior que foi pesquisado, agosto a dezembro de 1918, o futebol não tem um espaço relevante em suas colunas. Supomos que durante esse período a atividade tenha sido paralisada durante grande parte do tempo. Inclusive, não foi possível observar o momento exato da paralisação dos jogos de futebol em Santa Maria. Nem mesmo debates, como os que vêm ocorrendo atualmente com relação à Covid-19, sobre a volta ou não de jogos de futebol e outras atividade esportivas.

Foto: Reprodução/Diário do Interior (RS), 27 out. 1918 p. 4

Mas, assim como no turfe, mesmo com os primeiros infectados na cidade e os cuidados necessários que deveriam ser tomados segundo as páginas do próprio jornal, foi noticiada uma partida entre Tamandaré versus Rio-Grandense (dois times da cidade) no dia 27 de outubro de 1918.

Nesse trecho podemos notar que para chegar até o local do jogo, anteriormente, os clubes iriam se encontrar na praça Saldanha Marinho, no centro da cidade. Provavelmente, se juntariam a torcedores e torcedoras, para serem puxados até o lugar por uma banda de música. Podemos vislumbrar alguma aglomeração.

E essa aglomeração estava sendo realizada em uma cidade que, segundo a já citada Daiane Rossi, entre os dias 24 de outubro e 31 de dezembro de 1918 foram diagnosticadas 248 pessoas com a gripe espanhola. Destes, 42 óbitos, ou 16,9% de taxa de letalidade. Esse é um índice considerado alto, se comparado, com a capital Porto Alegre, em que cerca de 70 mil pessoas foram infectadas, falecendo 1.316. Um coeficiente menor que 2%. 

Dois dias antes do Diário do Interior informar que “felizmente, já podemos dizer estar quase extincta a terrivel epidemia que tantos males causou á humanidade e que na nossa cidade os seus malefícios effeitos se fizeram sentir durante quase dois mezes” (Diário do Interior, 15/12/1918, p. 2) as notícias sobre a vida esportiva, em específico o futebol, voltaram a aparecer nas páginas do jornal. Assim, no final do mês de dezembro as atividades do futebol começaram a se desenvolver normalmente na cidade.

Santa Maria, sendo uma cidade do interior, não possui grande parte de seus impressos antigos armazenados na Hemeroteca Digital Brasileira, por isso ficamos refém de apenas um jornal para percorrer os caminhos da gripe na cidade e seu efeito nos esportes, principalmente o futebol. Porém, outros impressos da época, se disponíveis digitalmente, poderiam nos dar melhores vislumbres sobre o tema.

Atualmente, em Santa Maria, os campeonatos de futebol de campo e futsal foram interrompidos por conta da pandemia do Covid-19. Até mesmo quadras e campos para prática de futebol amador fecharam suas portas. Porém, não é incomum o descumprimento de decretos como ocorreu no Ginásio do Guarani Atlântico, localizado na Vila Carolina, Bairro Salgado Filho, zona norte da cidade, em que aproximadamente 100 pessoas estavam presentes em uma partida de futebol.

Reabertura do Coliseu de Santa Maria pós pandemia. Foto: Reprodução/Diário do Interior (RS), 23 nov. 1918 p.1

Embora não tão documentada como nas grandes capitais, Santa Maria também foi alvo da gripe espanhola. Isto acabou afetando os esportes e sua paralisação no ano de 1918. Assim como nos outros textos, mais do que apresentar conclusões sobre o assunto nos locais pesquisados, levantamos reflexões e questionamentos sobre a prática do esporte mais amado do Brasil frente a pandemia.

Algumas federações pressionam clubes de futebol para que voltem aos seus treinamentos normais com cuidados necessários. Mas nem sempre são o bastante ou não atingem todas as partes envolvidas (como funcionários dos clubes). Questões econômicas que passam por patrocínios e pela mídia parecem interessar mais do que as medidas que a própria Organização Mundial da Saúde recomenda.

Não há dúvidas que todos os amantes de futebol sentem falta do grito de gol, de xingar os jogadores, de se irritar com o árbitro e de sofrer com seu time. Mas, no momento, somente os amantes de futebol sensatos entendem que se precisa obedecer, efetivamente, uma série de recomendações para que tudo volte ao normal logo, logo.

Referência:

ROSSI, Daiane Silveira. Um olhar sobre a Hespanhola: possibilidades de pesquisa no Hospital de Caridade de Santa Maria/RS. Anais eletrônicos da 3ª Jornada de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, 2015.  

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Taiane Anhanha Lima

Historiadora e torcedora do colorado. Atualmente mestranda no Programa de Pós-graduação em História (PPGH) da UFSM. Membro do Stadium (Grupo de Estudos de História do Esporte e das Práticas Lúdicas) e do GEPA (Grupos de Estudos sobre o pós-Abolição). Os interesses de pesquisa são: pós-Abolição, futebol e mulheres torcedoras.

Como citar

LIMA, Taiane Anhanha. Gripe Espanhola e Futebol no Brasil (Parte 6): Santa Maria/RS. Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 53, 2020.
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