Para encerrar a série Gripe Espanhola e Futebol no Brasil, subimos novamente para o Nordeste, mas, desta vez, vamos para a capital do reggae e o único lugar em que se dança esse ritmo juntinho. Estamos falando do Maranhão, especificamente da capital São Luís, que em 1918 igualmente sofreu com a “Hespanhola”.
Antes de tudo, a presente pesquisa teve um recorte inicial o período entre 25 de setembro e 09 de dezembro. Foram pesquisados os dois jornais da cidade de São Luís: o jornal “Pacotilha” e “O Jornal”. O jornal “Pacotilha” tinha uma peculiaridade, pois na primeira parte trazia notícias internacionais. As notícias abordavam da 1° Guerra Mundial até o fuzilamento da família do ex czar Nicolau II[1].
Conforme a colega Tassiane Freitas afirma (parte 5, sobre Porto Alegre), também eram anunciadas curas milagrosas para a Hespanhola, como xaropes e remédios.
Resultados das partidas nos periódicos, onde estão?
No decorrer da pesquisa, percebemos que existia uma grande lacuna na divulgação dos resultados nos meses seguintes a setembro. Pensamos em diferentes hipóteses, então fizemos um recorte maior, iniciando a pesquisa a partir de 1° de julho.
Reclamação sobre o futebol praticado por meninos nas ruas de São Luís. Foto: Reprodução O Jornal (MA), 10 de jul.1918, p.4
Em julho, os clubes estavam se preparando para o campeonato através de matchs treinos. O periódico “O Jornal”, que fez uma chamada para as sociedades esportivas divulgarem seus jogos e treinos para publicação, notificou que os jogos de domingo fossem enviados até sexta-feira à tarde para divulgação.
Nesse período, os jornais tinham uma importante função. Além de informar a população maranhense, faziam as chamadas para os atletas comparecerem aos treinos. As reuniões de sócios e até mesmo os jogos oficiais eram convocados pelos jornais. As notícias sobre futebol apareciam dentro de uma sessão do jornal cujo título era “Vida Sportiva” ou “Foot-ball”.
Curioso que ainda existia um discurso negativo sobre as práticas livres. Talvez fosse uma necessidade de controle do futebol, típico discurso da imprensa do período, amplamente ligada aos grandes clubes. Um exemplo foi uma reclamação realizada sobre o esporte, embora não tenha sido a única encontrada ao longo dessa pesquisa.
Brigas de torcida e jogadores
Foto: Reprodução O Jornal (MA), 12 de ago.1918,p.4
Na edição do dia 12 de agosto, o jornal repreendeu a briga de torcida generalizada nas arquibancadas que ocorreu no jogo entre o Clube Luzo Brasileiro x Football Athletic Club (F.A.C). O público estimado foi de 3.000 (três mil) pessoas. O Clube Luzo Brasileiro era o clube mais estruturado, bem como com maior torcida.
Ameaças dos periódicos para evitar brigas em campo
O jogo disputado no dia 07 de setembro foi patrocinado pela Amazonia – marca de manteiga. A partida foi intitulada “Bronze da Manteiga”. Nessa partida, foram distribuídas para o público amostras grátis do material. Aliás, o troféu para o vencedor teve o mesmo nome.
Como ainda não existia campeonato oficial, eram realizadas partidas amistosas. Todavia, essas partidas eram patrocinadas por empresas privadas. Algumas partidas valiam taças, com a finalidade de propagandear sua marca para o público.
Basicamente, o jornal destinava apenas pequenas colunas e trechos para a cobertura esportiva. O jornal “Pacotilha” escreveu uma extensa coluna, destacando a participação de bons times, sobretudo, os dois maiores times do Maranhão: o F.A.C vs Luzo-Brasileiro.
O jornal “Pacotilha” colocou em tom de ameaça. Declarou que caso houvesse brigas, o jornal não colocaria mais as notas e colunas sobre o futebol maranhense.
“(…) a imprensa espera que, de hoje, em diante, não mais se repetirão, nem nos grounds, nem nas arquibancadas reservadas ao público, coisas tais. Estando disposta a chegar ao extremo de não fornecer mais notas esportivas, se se repetirem. Deixando na indiferença expresso o seu julgamento. Muito embora dela possam prescindir os que acima dele se julgarem, sob qualquer fundamento” (Pacotilha, 06/09/1918, p.1)
A “Pacotilha” fala sobre os torcedores e jogadores brigões
O jornal alertou sobre os torcedores que, em dias de jogos, causavam confusões nas arquibancadas. Nesse sentido, podemos constatar que as brigas de torcedores não são novidades no futebol. A partir desse exemplo, sabemos que as brigas aconteciam corriqueiramente nos campos futebolísticos. Contudo, algumas mídias esportivas, de forma nostálgica e errônea, afirmam que “antigamente os torcedores eram cidadãos de bem”, não realizando atos de violência.
Na reportagem, o jornal relata as cenas de violência que aconteciam nos gramados maranhenses por parte dos jogadores. Muitas vezes brigando com a torcida nas arquibancadas. Foto: Reprodução/ Pacotilha (MA), 6 de set.1918,p.1
“exageram positivamente os partidários de um e outro clube o seu espírito de facção, pois vemos com frequência detestável, de parte a parte, surgirem, sob capa de TORCEDORES, açuladores que em vez de animarem inteligentemente os teams para a disputa leal e franca, dentro da honra e da linha cavalheiresca, os citam para a arruaça e a anarquia” (Pacotilha, 6 de set.1918,p.1)
Do mesmo modo, o jornal também alertou sobre a conduta dos jogadores, com um aviso para que não se repetissem cenas de brigas como em jogos anteriores. O jornal prezava pela cordialidade e, sobretudo, o cavalheirismo. Desejava que o futebol maranhense fosse parecido com o que chamava de “jogo inglês”. Logo, o “jogo inglês” era uma prática civilizada, sendo almejada pela mídia local.
Briga, Sangue e represália dos jornais maranhenses
No jogo realizado no dia 07 de setembro, vencido pelo F.A.C por 2 a 0, aconteceu o que os periódicos mais temiam: cenas de violência nas arquibancadas (novamente) e entre os jogadores.
No dia 9 de setembro, “O Jornal” fala sobre a briga que envolveu os jogadores e torcedores (o estádio estava completamente lotado). A partida, vencida pelo F.A.C, ficou em segundo plano:
“final da luta, as arruaças se reproduziram no campo, entre torcedores e jogadores. Sendo distribuídas pauladas e bofetadas em profusão o que fez com que as famílias, que faziam a assitencia, fugissem apavoradas. (O Jornal , 9 de set.1918,p.4)
Foto: Reprodução “O Jornal” (MA), 9 de set.1918,p.4
Dentro do campo, um jogador do Luzo caiu no gramado machucado após receber chutes no rosto enquanto estava no chão.
Fonte: Reprodução “Pacotillha” (MA) 9 de set.1918,p.4
O jornal “Pacotilha” condenou as cenas lamentáveis de violência. Provavelmente, se fosse hoje, a mídia esportiva acrescentaria o termo “vândalos transvestidos de torcedores” – fica para um próximo debate a problematização desse tema. O jornal afirma que vai deixar a indiferença pública para fazer justiça aos palavrões e pugilatos vulgares. Como resultado das cenas de violência, não falou sobre a partida:
Fonte: Reprodução “O Jornal” (MA) 10 de set.1918.p.4
Na edição do dia 10 de setembro, o jornal publica que o jogador do Luso Brasileiro ainda está acamado pelas pancadas que sofreu no último match.
No dia 13 de setembro, o Luzo Brasileiro faz uma “nota de repúdio” sobre os atos de violência, afirmando que não teve nada a ver com as arruaças e que esses elementos são estranhos ao Clube. Na mesma nota, o jornal “Pacotilha”, se mantem firme em seu pronunciamento, apesar da retratação do Luzo :
Na mesma nota o jornal afirma que irá manter o que tinha sido proposto. Não irá falar sobre a rotina dos clubes maranhense Fonte: Reprodução O Jornal” (MA) 10 de set. de 1918,p.4 “Luzo Brasileiro sente-se no dever de vir declarar que lhe não cabe nenhuma responsabilidade nos sucessos do dia 7. Arruaças estes provocados por elementos estranhos ao nosso clube. Contra as quais essa diretoria tomou antecipadamente todas as possíveis medidas preventivas, algumas das quais de caracter pouco favorável ao seu próprio caracter, tal como pedido de policiamento militar, feito em volta do field.” (O Jornal” (MA) 10 de set. de 1918,p.4)
Sobretudo, o que nos deixa intrigados é que no de 21 de setembro, o jornal “Pacotilha” traz como título de uma reportagem o Luzo Brasileiro. Noticiou sobre um jogo treino que aconteceu entre os clubes, como preparação ao campeonato intitulado de Companhia de Seguros do Pará. Algumas vezes é chamada de Taça Sociedade Comercial Paraense ou somente Taça Comercial. Entretanto, sabemos que não havia campeonato estadual. Essa foi a primeira edição do Campeonato Maranhense.
A Hespanhola e o futebol maranhense
Na segunda metade do mês de setembro, os jornais divulgaram as diversas mortes pela Influenza (assim chamada a Gripe Espanhola). Porém, o futebol maranhense ainda estava acontecendo.
Uma das manchetes do “Pacotilha” aponta que no Rio de Janeiro aconteceram 34 mortes, mas no final da coluna o médico Miguel Couto afirma “no meu ver, não se trata de influenza espanhola: o mal ainda é desconhecido ou não foi reconhecido”. Mesmo o periódico falando de outras mortes pela influenza, a sociedade maranhense, ou esse médico, ainda não acreditava que poderia ser a Gripe Espanhola.
O jornal mostrava que em setembro a cidade de São Luís não tinha parado, pois divulgava o circo da cidade e os treinos aconteciam para a disputa da Taça. Foi realizada a cobertura do jogo entre Phenix Foot ball Clube e o Rádio. Essa partida aconteceu no dia 28 de setembro, no campo do Marcílio Dias.
No dia 3 de outubro, foi divulgado um campeonato em homenagem ao governador Clodomir Cardoso. O torneio foi organizado pelo Luso Brasileiro, que iria acontecer no dia 6 de outubro. Portanto, apesar dos jornais noticiarem mortes, o futebol não sofria nenhuma parada.
Fonte: Reprodução “Pacotilha” (MA) 12 de out.1918,p.1
No dia 12 de outubro, saiu a tabela da Liga. No jornal não foi falado sobre a gripe nas arquibancadas. Os times que disputavam a Taça Comercial do Pará eram: o São Christovam, Brazil, Vasco da Gama, Luzo Brasileiro, Anilense e o Fenix (também aparece como Phenix). Os jogos foram realizados nos dias 12, 13, 20 de outubro, 3 novembro, bem como a final seria 10 do mesmo mês. O preço do ingresso das “geraes” era 1$000 e das arquibancadas 2$000 reis.
Todavia, os jornais não falam dos jogos que aconteceram no final de semana ou dos resultados. Somente no dia 19 de outubro, o jornal “Pacotilha” relatou sobre o campeonato. Posteriormente, no mês de novembro, da mesma forma, os dois jornais da cidade não comentaram sobre futebol ou sobre o campeonato disputado.
Os jornais noticiaram matérias sobre a Influenza, as profilaxias e sobre evitar aglomerações. No dia 01 de novembro, publicou que não houve romaria para a necrópole para evitar a “propagação do vírus”. Entretanto, divulgou o último encontro do Campeonato Maranhense na partida do dia 03 de novembro. O jogo foi realizado entre Luzo e Fenix, no campo da rua Passeio. Portanto, isso leva a pensar que o campeonato de futebol foi paralisado somente nessa data, um jogo antes da final.
Fonte: Reprodução “O jornal” (MA) 01 de nov.1918,p.4Fonte: Reprodução “O jornal” (MA) 01 de nov.1918,p.4
No dia 25 de novembro, a capa de “O Jornal”, afirmou que decresceu o número de casos e que em breve será extinta a epidemia. Trouxeram o debate da reabertura dos cinemas e teatros, porém não fala nada do futebol.
No dia 02 de dezembro, “O Jornal” afirmou que os treinos no Maranhão reiniciaram no dia 01 de dezembro. Lamenta a morte do único jogador dos times locais que morreu vítima da Gripe, João Rego, jogador do Luzo Brasileiro. Ainda assim, incentiva os jogadores voltarem ao treino, mas alertando para não ter recaída.
Fonte: Reprodução “O jornal” (MA) 02 de dez. 1918,p.1Fonte: Reprodução “O jornal” (MA) 02 de dez. 1918,p.1
A nossa principal hipótese, é que até dia 3 de novembro estava acontecendo o campeonato. Provavelmente ele foi paralisado após essa partida. Contudo, os jornais em novembro não trazem nenhuma matéria sobre futebol e a Gripe Espanhola no Maranhão. Não trazem informações sobre os torcedores, comissão técnica e diretoria dos clubes. Pode ser que devido aos atos de violência, os jornais não trouxeram a público o cotidiano do futebol.
Fonte: Reprodução “Pacotilha” (MA) 07 de dez.1918,p.1
A capa do jornal “Pacotilha” do dia 7 de dezembro noticiou o ultimo match entre Luzo Brasileiro x Phenix, realizado no dia 8 de dezembro. No dia 9 de dezembro, o jornal “Pacotilha”, informou que o vencedor da Taça Sociedade Comercial Paraense foi o Luzo Brasileiro, vencendo o Phenix por 3 a 0.
O jornal afirmou que “durante os jogos da taça da Sociedade Comercial não houve o menor deslize por parte dos jogadores de nenhum dos clubes disputantes, batendo-se todos com extremo valor e galhardia, em jogo lial que só merece aplauso”.
Na sua primeira edição, de 1918, o Luso Brasileiro foi o campeão. Posteriormente, foi campeão por mais 8 vezes nos anos de: 1919, 1922,1923,1924, 1925,1926 e 1927. Em 13 de agosto de 1929, o Luzo Brasileiro deixou de existir. Mas, acima de tudo, ficou marcado na memória dos maranhenses, tanto pelas grandes vitórias quanto pelas confusões nas arquibancadas de seus fiéis torcedores.
Enfim, a Taça Sociedade Comercial Paraense é considerada o primeiro campeonato estadual do Maranhão. As fontes dos primeiros campeões foram encontradas no Wikipedia. No site da Federação Maranhense de Futebol não foram encontrados os clubes campeões do estado.
Historiador, mestrando, pesquisador, sócio inadimplente, amor platônico por um time de bairro e apreciador de batidas de limão.
Participante do STADIUM (Grupo de Estudos de História do Esporte e Práticas Lúdicas) da Universidade Federal de Santa Maria/RS
Como citar
COSTA, Elias. Gripe Espanhola e Futebol no Brasil (Parte 7): São Luís/MA . Ludopédio, São Paulo, v. 132, n. 71, 2020.
O (não) torcer pela seleção brasileira: A falta de organização torcedora
Elias Costa
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