Terminei de ler o premiado Guardiola Confidencial, livro escrito pelo jornalista espanhol Marti Perarnau e editado no Brasil pela editora Grande Área. Dividido em vários curtos capítulos, a obra narra cronologicamente o cotidiano de Pep Guardiola em seu primeiro ano à frente do Bayern de Munique, com o seu autor percorrendo os passos do técnico desde a pré-temporada, na Itália, em 2013, até o título da Copa da Alemanha, em maio de 2014.
Na verdade, antes mesmo dos treinos em Trentino, Perarnau abre este livro-diário com uma curiosa conversa entre Guardiola e o enxadrista Garry Kasparov, em Nova York. O bate-papo, conduzido por duas pessoas com mentes fora dos padrões comuns de intelectualidade, é um prelúdio do que os leitores podem esperar: a apresentação de um Pep enigmático e a certeza de que o futebol é também um terreno para a produção de gênios.
Com um testemunho leve, preciso e aprofundado, o jornalista espanhol disseca Guardiola para além das habilidades como técnico. Como um grande repórter, não se limita a infiltrar-se nos bastidores da política do clube alemão, nas palestras que antecedem aos jogos e nos treinamentos diários; Perarnau também viaja pela mente do multicampeão treinador e volta de lá com registros claros e traduções daquilo que Guardiola interpreta e entende por futebol.
No que compete ao seu conteúdo, o livro consegue explicar e dimensionar que, entre uma ideia de jogo e a sua execução no campo, há um trajeto longo, trabalhoso e que muito se passa nessa preparação. E por estar presente e se posicionar justamente no meio destes caminhos, Perarnau subsidia os leitores com informações que fogem do lugar comum e que nem sempre são ouvidas em mesas redondas esportivas.
Aliás, dentre as inúmeras possibilidades de definições que podem ser dadas a Guardiola, uma delas talvez possa ser a de um homem que pousa e flutua entre a complexidade e a simplicidade que o futebol pode fornecer. Ao mesmo tempo que há um complexo Guardiola obcecado pela perfeição e pelo estilo de jogo de controle da posse de bola e de posicionamento, há também um treinador que simplesmente pede aos seus jogadores ofensivos que corram livremente.
Inclusive, não se trata de um resumo sobre o que Pep faz em campo e para o campo. Guardiola Confidencial também discute os desafios que o treinador precisou enfrentar quando teve que impor uma proposta de jogo que romperia com os modos bávaros de se jogar futebol. Faz questão também de avançar na importância do trabalho executado pela comissão técnica que acompanha Guardiola e, como um bom jornalista, se aproxima, ouve e conversa com muitos para tornar a narrativa rica de informações e detalhes.
Histórias curiosas também são encontradas no livro: o eureka de Guardiola quando encontrou uma formação tática que mudou o desempenho e os rumos do Bayern na temporada; a importância de jogadores como Lahm, Kroos e Thiago para os seus planejamentos táticos; e a revelação sobre a sua negação ao tika-taka e a dificuldade de descolar a sua imagem daquele que se tornou o nome-símbolo do seu vitorioso Barcelona.
Há também histórias preenchidas por momentos positivos, como o título da Bundesliga com um tempo de antecedência recorde; até as situações complicadas, tal como a derrota – uma das piores em sua carreira – para o Real Madri, em casa, por 4 a 0, na semifinal da Champions League.
Marti Perarnau consegue ser invasivo sem, de fato, sê-lo. Ouve, observa, pergunta, vive, e escreve de modo que, independente do interesse por Guardiola, Bayern de Munique ou futebol, consegue atrair um público a ponto de fazê-lo querer conhecer para além daquilo que os fatos e o tempo já nos informaram.
O jornalista espanhol realiza um belíssimo e competente trabalho à altura do privilégio que teve: poder estar ao lado de uma das figuras mais influentes, cobiçadas, vitoriosas e enigmáticas do futebol atual, e por mais de um ano, acompanhá-la de perto. De modo confidencial.