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Gurias da Bola: futebol e mulheres no Rio Grande do Sul

Suellen dos Santos Ramos 10 de setembro de 2017

O Rio Grande do Sul foi um dos pioneiros no fomento ao futebol de mulheres no Brasil. Um dos primeiros indícios documentados do futebol de mulheres no Estado é da década de 1950, quando surgiram em Pelotas duas equipes, O Vila Hilda F.C. e o Corinthians F.C. Esse episódio ocorreu em meio à Lei 3.199 de 1941, que proibia mulheres à prática do futebol, e outros esportes (RIGO et al, 2008)[1].

Uma lacuna é observada entre as décadas de 1950 e 1980 no que diz respeito à modalidade, tanto a nível nacional quanto a nível estadual. No ano de 1979 quando tal lei foi revogada o futebol de mulheres inicia a caminhada rumo ao desenvolvimento. Por intermédio da Federação Gaúcha de Futebol, no ano de 1983, surge a primeira edição do Campeonato Gaúcho de Futebol Feminino. Tal iniciativa se deu pelo fato de Sport Club Internacional e Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense criarem departamentos destinados ao incentivo do futebol de mulheres.

A equipe no S.C. Internacional fazia inclusive viagens para fora do Estado com o objetivo de disputar competições nacionais. Enfrentou, na praia de Copacabana, a equipe carioca do Esporte Clube Radar, plantel de destaque da modalidade na década de 1980. Surgiram nesse período também, duas protagonistas que impulsionaram a modalidade no Estado com sua habilidade, as gaúchas Duda e Bel, que serviram à Seleção Brasileira e ao Inter na década de 1990, auxiliaram na fomentação do futebol de mulheres. As pioneiras deram visibilidade ao estado que até então não era reconhecido na categoria.

Jogadoras do Sport Club Internacional e da Seleção Brasileira de Futebol.
Duda e Bel: Jogadoras do Sport Club Internacional e da Seleção Brasileira de Futebol. Fonte: Acervo pessoal de Eduarda Marranghello Luizelli.

O futebol de mulheres sofreu com as interrupções e as descontinuidades, características da modalidade. No Rio Grande do Sul, entre os anos de 1987 e 1996, assim como, de 2004 até 2008 o Campeonato Estadual não foi desenvolvido por nenhuma entidade. Bem como a inexistência de competições, os departamentos da dupla Grenal interromperam suas atividades nesses períodos. Após quatorze anos de estagnação, Inter e Grêmio retomaram suas atividades em 2017. Em virtude da classificação do plantel de homens no último Campeonato Brasileiro, as tricolores tiveram a oportunidade de disputar o Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino esse ano. A competição passou a ser disputada em duas séries (A1 e A2) e devido à disparidade técnica, assim, como, de investimento, o Grêmio foi rebaixado à série A2. Já o Inter vislumbra uma vaga na mesma competição para o ano que vem, mas a vaga depende da campanha no Campeonato Estadual.

Teve início no dia 6 de agosto o Campeonato Gaúcho de Futebol Feminino, categoria adulta. A competição conta com a presença de 13 equipes espalhadas pelo Estado. Na primeira fase, os times foram divididos em duas chaves de quatro equipes e uma chave de cinco equipes, classificam-se para a próxima fase duas equipes em cada chave, mais duas equipes melhores colocadas em terceiro lugar entre as três chaves. Os jogos classificatórios serão de turno e returno. Os clubes participantes são: Esporte Clube Guarani (Lajeado), Associação Esportiva João Emílio (Candiota), Sport Club Rio Grande (Rio Grande), Sport Club Internacional (Porto Alegre), Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense (Porto Alegre), Esporte Clube Black Show (Guaíba), Associação Esportiva Palestra (Carazinho), Esporte Clube Mundo Novo (Três Coroas), Esporte Clube Ijuí, (Ijuí), Esporte Clube Oriente (Canoas), Associação Esportiva Santaritense (Nova Santa Rita), Associação Esportiva de Futebol Estrela (Estrela), Sapucaiense (Sapucaia).

Em se tratando de competições estaduais o Rio Grande do Sul perde em números somente para o Estado de São Paulo, em que disputam 16 equipes pelo título do Campeonato Paulista[2]. Quando se trata da região sul do Brasil, Santa Catarina[3] mantém seu Campeonato Estadual com apenas quatro equipes. Já o Paranaense[4] não tem data para começar e nem o número exato de clubes participantes. Em outro estado com tradição no futebol de mulheres, o Rio de Janeiro, sete clubes integram o Campeonato Carioca[5].

Lance da partida entre Grêmio e Sport válida pelo Brasileirão Feminino 2017 A1. Foto: Jefferson Bernardes/ALLSPORTS.
Lance da partida entre Grêmio e Sport válida pelo Brasileirão Feminino 2017 A1. Foto: Jefferson Bernardes/ALLSPORTS.
Gurias Coloradas: Equipe do Sport Club Internacional de 2017. Fonte: Dkf Cominicações.
Gurias Coloradas: Equipe do Sport Club Internacional de 2017. Foto: DKF Comunicações.

O destaque que pretendo dar para essas informações é de que, todas estas competições supracitadas são organizadas pela entidade que rege o futebol nos respectivos Estados (Federação Paulista, Federação Catarinense, Federação Paranaense e Federação Carioca). Fato que não é observado no Estado do Rio Grande do Sul. Por aqui, o Campeonato Gaúcho é organizado pela Associação Gaúcha de Futebol Feminino[6], que tem a “chancela” da Federação Gaúcha para organizar a competição estadual. É boa a intenção da agremiação, visto que não haveria competição se não fosse por intermédio da Associação. Mas um ponto que necessita ser destacado é o descaso da Federação com relação ao futebol de mulheres. Talvez, com o investimento que está sendo feito pelos times de camisa[7], haja mudanças nesse cenário, pois o aporte da entidade máxima do futebol no estado facilitaria, e muito, a evolução da modalidade.

Mas se o Estado fica atrás somente de São Paulo em número de participantes no Campeonato Estadual, como as equipes não figuram no cenário nacional? Muitos talentos são desperdiçados ou migram para outros Estados por não haver uma perspectiva em se viver como uma jogadora de futebol por aqui atualmente. Falta de investimento financeiro, estruturas precárias, sub-valorização das jogadoras, entre outros aspectos. Ainda há um aspecto cultural muito forte que permeia o progresso da modalidade.

O Rio Grande do Sul já cedeu e ainda cede jogadoras para a Seleção Brasileira, atualmente, fazem parte do time de Emily Lima as gaúchas Monica Hickmann, Maurine Dorneles e Andressa Machry. A técnica lançou a ideia da Convocação Regional, que visa observar jogadoras de diversas localidades do Brasil, a fim de oportunizar a descoberta de novos talentos. A primeira Convocação Regional aconteceu em fevereiro com atletas do Sul e Sudeste, a última Convocação Regional ocorreu em agosto e reuniu jogadoras do Nordeste. Fica o convite à técnica para assistir algumas partidas do Campeonato Gaúcho de Futebol Feminino, já que o mesmo iniciou somente no segundo semestre de 2017. Há muitos talentos por aqui Emily.

 

[1] RIGO, Luiz Carlos et al. Notas acerca do futebol feminino pelotense em 1950: um estudo genealógico. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 29, n. 3, 2008.

[2] http://2016.futebolpaulista.com.br/Competi%C3%A7%C3%B5es/Organizadas+pela+FPF/Paulista+Feminino

[3] http://www.fcf.com.br/blog/2017/08/28/inicio-do-catarinense-feminino-2017-e-adiado/

[4] http://www.federacaopr.com.br/Paginas/Competicoes/Competicao.aspx?competicao_id=181

[5] http://www.fferj.com.br/Campeonatos?alias=13

[6]< http://www.agff.com.br/2017/05/08/congresso-tecnico-define-sorteio-de-equipes-do-campeonato-de-estadual-de-futebol-feminino-2017/>

[7] Equipes consideradas da elite do futebol de homens.

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Suellen dos Santos Ramos

Mestranda em Ciência do Movimento Humano (UFRGS). Graduada em Educação Física (UFRGS). Jogadora e amante de futsal e futebol.

Como citar

RAMOS, Suellen dos Santos. Gurias da Bola: futebol e mulheres no Rio Grande do Sul. Ludopédio, São Paulo, v. 99, n. 10, 2017.
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