Estive em Manaus a trabalho e a primeira coisa que fiz foi procurar no site da Arena Amazônia se haveria alguma partida naquela semana em que estaria por lá. Rapidamente no site oficial da Arena da Amazônia encontrei uma série de informações sobre o estádio, sua capacidade e sobre as condições para visitar o local. No entanto, ao final da página vinha a seguinte informação:

OBS.: AS VISITAS À ARENA DA AMAZÔNIA ESTÃO SUSPENSAS DE FORMA TEMPORÁRIA, POR CONTA DE AVALIAÇÃO TÉCNICA.

Ou seja, todas as informações sobre a visitação e horários estavam suspensas.

Como era a minha primeira vez na cidade, boa parte dos deslocamentos que fiz foi com o Uber. Logo no início da conversa me perguntavam de onde eu era e como parte do debate que ali se travava basicamente três temas surgiam: sobre o cenário político brasileiro e há quanto tempo trabalhavam com o aplicativo; sobre o clima de Manaus ter apenas duas estações muito bem definidas – uma de chuva e outra de calor, sim acredite, na semana de julho em que estive por Manaus a média da temperatura foi na casa dos 30 graus; o terceiro tema era sobre futebol. Perguntava sobre a Arena, sobre a possibilidade em conhecê-la bem e como ver alguma partida.

A resposta sobre a terceira pergunta vinha logo marcada pela expressão: “aquilo lá é um elefante branco”; “aqui em Manaus não tem futebol” e outras expressões que indicavam que havia sido feito um investimento equivocado na construção daquele espaço.

Fachada da Arena Amazônia e a Lua cheia. Foto: Sérgio Settani Giglio.

No local em que foi construída a Arena da Amazônia existia um outro estádio, o Vivaldo Lima, conhecido como Vivaldão. Inaugurado em 1970, o estádio tinha capacidade para 43 mil espectadores, mas em dias de jogos eram liberados 31 mil lugares. Duas pessoas com quem conversei apontavam que a Copa do Mundo deveria ter ido para Belém e não para Manaus. A presença de público em Belém é bem grande, especialmente, por causa de dois clubes tradicionais, o Remo e o Paysandu. Lá, afirmaram estas duas pessoas, que o investimento em algum estádio já existente não produziria o gasto desnecessário com a Arena em Manaus. O Vivaldão começou a ser demolido no dia 12 de julho de 2010.

Vivaldão. Foto: James Martins/Wikipédia.

De fato é preciso relativizar a ideia de que em Manaus não há futebol. Na cidade há aquele que é considerado o maior campeonato amador de futebol do mundo: o Peladão. Em uma das viagens de carro pela cidade a rádio informava que estavam abertas as inscrições para a competição deste ano e que ela se iniciará em agosto.

Além disto, há um time feminino local – Esporte Clube Iranduba da Amazônia – na sequência do texto falarei sobre este clube. E também há a presença do Manaus na Série D.

Na partida de ida o Manaus perdeu para o Caxias por 1 a 0 e no dia da minha volta, sábado dia 20/07, aconteceu o jogo de volta em Manaus na Arena Amazônia. Neste jogo de volta aconteceu um recorde de público, o maior, após a realização de partidas da Copa do Mundo de 2014 e naquele mesmo ano o jogo entre Nacional e Corinthians, pela Copa do Brasil, teve 35.733 pessoas. Após cinco anos, a Arena da Amazônia esteve lotada: 44.121 pessoas viram o Manaus vencer o Caxias e conquistar a classificação para a Série C. Após esta vitória, o Manaus enfrentou o Jacuipense e com um empate fora de casa e uma vitória por 1 a 0 em casa o Manaus vai disputar a final contra Brusque.

Como no site oficial da Arena Amazônia não havia nenhuma referência quanto a realização dos jogos das equipes locais eu resolvi consultar o site da CBF e ver, pela tabela do Campeonato Brasileiro feminino, se haveria alguma partida no período em que estaria na cidade.

Encontrei um jogo, a ser realizado no dia 17/07, uma quarta-feira à noite. A partida seria disputada pelo Iranduba, naquele momento nono colocado e o Santos, segundo colocado.

Tentei encontrar os locais para compra do ingresso e havia a indicação de algumas lojas no Shopping. Logo esta opção foi descartada e decidi comprar o ingresso na hora do jogo. O valor para o ingresso (20 reais a inteira e 10 a meia) poderia indicar a presença maior da que eu encontrei. Não tenho dados da quantidade de pessoas no jogo, pois a CBF não forneceu esta informação em seu site, mas o estádio estava bem vazio conforme pode ser visto na foto abaixo.

Vista geral da Arena da Amazônia durante a partida entre Iranduba e Santos. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Como não havia lugar marcado sentamos bem no meio do campo, atrás dos bancos de reservas. O Santos que havia tido problemas em sua chegada a Manaus não demorou para dominar a partida. Sobre o episódio que repercutiu com o descaso que a equipe santista passou, assim se posicionou a treinadora Emily Lima:

Essa é a organização do nosso futebol para mulheres no Brasil. Saímos de Santos às 3 horas da tarde, e a senhora CBF e a senhora Pallas, a empresa que faz toda nossa logística de viagem, não tinham voo para amanhã (terça-feira), mandaram a gente em um voo hoje (segunda), picado, com escala em Brasília. Nós chegamos ao hotel e não tem vaga para nós. Então, vamos dormir aqui hoje. Vamos dormir aqui na recepção do hotel, esbravejou a treinadora Emily sobre a condição dada do futebol feminino.

Veja o vídeo da Emily sobre a situação que enfrentaram:

https://www.youtube.com/watch?v=mWi1D8BCh7g

Esta não é uma condição facilmente vista com os times de futebol masculino. Este tipo de erro não acontece, mas houve um outro erro que não foi falado. Houve a alteração do horário do jogo. Marcado inicialmente para às 20h a CBF colocou a informação sobre a mudança para às 21h em seu site.

Quando chegamos ao estádio por volta das 20h10, eu e Nazareno, professor da UFPA, logo fomos abordados por cambistas e por uma pessoa que dizia que os amigos não viriam. Enquanto caminhávamos com a Arena já ao nosso lado dizíamos para eles que compraríamos os ingressos diretamente na bilheteria. Mas o desespero para nos vender era tanto que um deles, quando chegamos em frente ao ponto em que poderíamos entrar no estádio, nos ofereceu os 2 ingressos por 10 reais. Praticamente colocando os ingressos em nossas mãos indicava que não aceitava um “não” como resposta. Disse a ele que compraria desde que eu pudesse pagar após conseguir entrar. Como o ingresso não era falso pagamos os 10 reais pelas duas entradas.

Porém, ao entrar no estádio percebemos que o jogo já estava em andamento. Havia começado às 20h e não às 21h conforme o site da CBF indicava. Como aquelas pessoas sabiam do horário? Certamente porque não haviam consultado o site da CBF. Vale ressaltar que em relação ao horário de Brasília, a cidade de Manaus possui uma hora a menos. Era esta a informação que a CBF deveria pontuar: o horário do jogo indicado no site é pautado pelo horário de Brasília, mas esta informação não constava no site.

Daí eu pergunto para a Emily, se a CBF não consegue nem divulgar corretamente o horário da partida imagina querer que ela cuide com excelência do futebol feminino do qual ela, de fato, não parece estar muito interessada. Vale ressaltar que este tipo de erro não acontece com o futebol masculino.

Assistimos o Santos vencer o primeiro tempo sem grandes dificuldades. Destaca-se a grande presença de mulheres para assistir a partida.

Para o segundo tempo resolvemos caminhar um pouco dentro do estádio. Logo percebemos que não havia um bar para compra de bebidas. Havia apenas uma mulher com uma caixa de isopor que vendia as bebidas.

O “bar” da Arena Amazônia. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Nesta caminhada paramos atrás do gol que o Santos atacaria. E ali ficamos durante todo o segundo tempo e ainda vimos, de perto, mais três gols. A partida terminou com uma goleada do Santos sobre o Iranduba, 5 a 0.

O que nos chamou a atenção neste setor do estádio foi o acúmulo de detritos e de água no local. Vale destacar que durante os sete dias em Manaus não choveu, mas mesmo assim é possível identificar as marcas de água no concreto. Isto indica que deve ser algo permanente. O acúmulo de detritos é causado pelo pouco uso. Acredito que diante de um estádio vazio poucas pessoas queiram ver o jogo daquela posição. Fomos para lá para poder ouvir os sons da torcida e mesmo vê-las de outro lugar.

Neste espaço as grades que dividiam a arquibancada do campo não estavam presente. Qualquer pessoa poderia, sem nenhuma barreira, descer a escada e chegar ao campo de jogo. Embora havia a presença de policiais todos estavam bem distantes deste espaço. Ninguém invadiu o campo.

Vista atrás de um dos gols da Arena. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Ao final do jogo presenciamos uma rara situação, praticamente impossível de ver no futebol masculino. As jogadoras de ambas as equipes subiram até as arquibancadas para tirar fotos com a torcida. A própria Emily fez isto. Entre selfies e proximidade com as pessoas o futebol de mulheres se apresenta com vida, pulsante e mostra que é possível se aproximar dos torcedores e torcedoras.

Emily veio até a torcida para tirar fotos. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Para finalizar este texto volto a questão do ingresso: os preços praticados para esta partida deveriam ter atraído mais público. Porém, há que se ter uma campanha em prol do futebol feminino. Não basta ter ingressos baratos ou mesmo gratuitos, é preciso ter uma política pública voltada para o desenvolvimento da modalidade.

Não basta colocar o jogo em uma Arena que foi palco da Copa se não há divulgação e mobilização das pessoas que moram na cidade para acompanhar a partida. Mas tem gente que diga que esta deveria ser a função do clube, que o clube deveria fazer esta divulgação. Concordo, mas o suporte da CBF em termos financeiros seria essencial para que isto pudesse acontecer.

Enquanto isso não acontece o futebol feminino vai agonizando junto com boa parte das Arenas construídas para a Copa do Mundo de 2014. E ambos sem um plano de existência seguem tentando sobreviver a cada dia. E se há algo a comemorar neste duro cenário do futebol que vive longe dos holofotes é que o jogo não tem VAR!

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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. Há futebol em Manaus?. Ludopédio, São Paulo, v. 122, n. 5, 2019.
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