112.2

História de goleador

Leandro Marçal 2 de outubro de 2018

– Soube do meu gol no jogo de ontem?

– Mais ou menos, por alto…

– Perdeu.

– Ah, é? Como foi? Tive um compromisso, não deu pra ir.

– Rapaz, tava uma pressão desgraçada, partida difícil, equilibrada. Geral na área e fiquei mais afastado pra impedir um contra-ataque, né? Aí a zaga afastou, ela sobrou limpinha pra mim, veio devagarinho, tava pedindo, peguei na veia.

– Eita!

– Calma… foi no ângulo, o goleirão se esticou todo, eles ficaram com o olho todo arregalado, golaço. Do jeito que eu gosto. O juiz apitou poucos segundos depois, foi o gol da vitória. Acabou 4 a 3 pra nós. Fosse futebol profissional, meu bicho seria dobrado, sem dúvidas.

– Estranho.

– Foi estranho não, foi um golaço aço aço mesmo. Daqueles de ganhar placa, sair nos programas de gols históricos daqui a dez, quinze anos. Os caras tão me devendo, pode crer.

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Golaço no ângulo! Foto: Cassimano (CC BY-NC-SA 2.0).

– Não, pô. Estranho é que a galera falou de um jeito diferente.

– Como assim?

– O pessoal disse que não foi bem assim. Que acertou um chutão despretensioso, desengonçado. A bola desviou num zagueiro desavisado, o goleiro escorregou e só assim a bola foi pro gol. Não falaram tudo isso aí não, viu?.

– O povo gosta de diminuir, né? Pura inveja! Sempre assim, quem tava lá e viu comemorou como em Copa do Mundo.

– Mas quem comentou tava lá.

– Papinho. Tá mais que na cara, preciso ser titular pra mudar a cara do time, o que custa reconhecer isso?

– Olha, o pessoal andou dizendo que você amassou a bola o jogo todo. Não saiu porque não tinha ninguém no banco, tava todo mundo irritado e deu a sorte de a bola sobrar assim, por mero acaso.

– Esses caras não manjam nada de futebol, rapaz.

– Será? Não tem uns dois ou três caras do time que chegaram a jogar no profissional? Eles tavam reclamando…

– Besteira. Tem uma história de uma antiga namorada que um deles perdeu pra mim, rapaz. Você sabe que mando bem, mas não quis ir atrás dessa carreira porque preferi estudar.

– Entendi, entendi.

– Próximo jogo é semana que vem, vai me ver dar show?

– Não sei, preciso resolver umas coisas e…

– Rapaz, vê se aparece, vai valer a pena.

– É que eu tenho uns compromissos…

– Para, vai lá. Eu resolvo, vale a pena adiar teu compromisso aí.

– Tá bom, vou sim. Quero ver isso.

– Valeu, até o próximo jogo.

– Vai lá, craque, abraço!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Marçal Pereira

Escritor, careca e ansioso. Olha o futebol de fora das quadras e campos. Autor de dois livros: De Letra - O Futebol é só um Detalhe, crônicas com o esporte como pano de fundo publicado (Selo drible de letra); No caminho do nada, um romance sobre a busca de identidade (Kazuá). Dono do blog Tirei da Gaveta.

Como citar

MARçAL, Leandro. História de goleador. Ludopédio, São Paulo, v. 112, n. 2, 2018.
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