94.31

Hoje, Libertad, o terreiro é do Galo

Hoje, às 19h30, El Minero enfrenta o Libertad do Paraguai pelo “returno” da chave de grupos da Libertadores. Verdadeiramente, acredito que os mineiros vencerão. Caso contrário, eles correm sérios riscos de desclassificação, bem precoce para um time que tem jogadores do porte de Victor, Marcos Rocha, Léo Silva, Fábio Santos, Elias, Robinho e Fred, além de Gabriel, Carioca, Otero e Maicosuel. E ainda os suplentes: Giovanni, Carlos César, Felipe Santana, Adilson, Danilo, Cazares e Rafael Moura. Logo mais, todos estarão com certo espírito de revanche, devido ao tratamento pouco hospitaleiro recebido por parte dos paraguaios, que impediram que o atleticanos se aquecessem no gramado antes da partida.

Sem dúvida, a grande novidade é a volta de São Victor ao time. Neste ano, o goleiraço jogou pela primeira vez no último domingo contra a URT, de Patos de Minas, pelas semifinais do Mineiro. O Galo enfiou sonoros 3 a 0. A atuação do time foi bem acima da dos últimos jogos. Marcos Rocha, o “Menino de Sete Lagoas”, foi extraordinário ao realizar duas assistências para os gols de Rafael Moura e Otero, além de ter sido o maior destruidor das jogadas do Pato. Portanto, motivação não falta ao Atlético para a partida de logo mais. No fim das contas, é agora que o campeonato está valendo. E “quando tá valendo, tá valendo”, já disse o Ronaldinho Gaúcho, nosso chefe da pajelança, sobre a derrota do Galo para o São Paulo no último jogo da primeira fase da Libertadores de 2013. Naquele momento, os mineiros já não perderiam o primeiro posto na classificação geral da tabela, enfrentando novamente o São Paulo pelas oitavas de final.

 

Guaranís evocam a chuva no Paraguai

Demarcação já!

Pra não perdemos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores e pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara

[E o Galão da Massa].

(trecho da música “Demarcação Já” cantado por Tetê Espíndola na campanha homônima de artistas a favor da demarcação de terras indígenas).

Chico César e Carlos Rennó

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Estádio Dr. Nicolás Leoz, em Assunção. Fotografia: PeDRa LeTRa.

Na semana passada, em Assunção, contra o mesmo Libertad, o Atlético foi derrotado pelo placar mínimo e a classificação do grupo 6 ficou embolada: Godoy Cruz está com sete pontos, seguido, respectivamente, dos brasileiros e paraguaios com quatro pontos cada. Choveu praticamente durante a partida inteira. A chuva começou por volta da hora do almoço, momento em que eu tomava a tradicional sopa de pescados do rio num subúrbio da cidade. A chuva começou com muita força, uma tempestade. Pensei que seria bom chover naquela hora para que o céu estivesse limpo à noite. Mas a chuva não parava. A chuva não parou. Os guaranís tanto evocaram a água, que ela não parou de descer durante todo aquele dia 19 de abril, dia do índio por toda a América.

Os adversários usaram todas as armas que tinham. Eles sabem que só teriam glória se os deuses da natureza comparecessem. A prática do futebol ao ar livre é uma das grandes magias desse esporte, porque sujeitado às condições do tempo, tudo se torna muito mais imprevisível. Na casa do Libertad há cobertura somente para a imprensa e para os poucos frequentadores do camarote, o restante do público se ajeita nas arquibancadas debaixo de chuva – ou ao sol escaldante. Mesmo com isso, é claro, o estádio, com capacidade para dez mil espectadores, não deixa de ser bonito e bastante aconchegante.

ASSUNÇÃO / PARAGUAI 19.04.2017 Atlético x Club Libertad no estadio Nicolás Leoz - foto: Bruno Cantini / Atlético
Muita chuva no estádio Nicolás Leoz. Foto: Bruno Cantini/Clube Atlético Mineiro.

Eu comprei o bilhete para o setor sul, atrás de um dos gols, onde fica a pequena torcida organizada dos paraguaios. Paguei seis reais pelo ingresso, bem mais em conta do que os oitenta reais destinados aos visitantes. Além, é claro, experimentei a sensação de me sentir um outro no meio deles, de me sentir estranho. Isso é sempre fascinante, sobretudo quando são tomadas as devidas precauções, sem grandes riscos de violência. “Aquí no se pueden vender entradas a la hinchada del Minero”, disse o vendedor da bilheteria. “Pero, señor, soy brasileño, no soy Minero”, eu repliquei. “¿Estás con la camiseta…?”. “Não, non, non, no…”.

Entrei no estádio por volta de uma hora antes do início do jogo, havia pouquíssimas pessoas, cenário que não mudaria até o apito final. A chuva não parava de descer e eu encontrei um lugarzinho debaixo de uma cobertura rente ao gramado, perto da entrada do banheiro, onde se encontravam alguns profissionais da imprensa. Comi chipá paraguaya, iguaria tradicional vendida pelos ambulantes, feita à base de polvilho e queijo, encontrada também no Mato Grosso do Sul – chipa –, tipo um pão de queijo.

Na hora do jogo, vesti a capa de chuva e fui para a arquibancada. Já que a chuva impera, é para se encharcar. E, em silêncio, para passar o tempo, cantarolava em pensamento a canção “Serenata da chuva”, do disco Mensagem, do Altemar Dutra: “Tão sozinho agora estou / Canto e a chuva não tem fim / Chove esta saudade sobre mim… // Canto e a chuva fria cai / Canto nesta noite assim / chove esta saudade sobre mim”. Com alegria, lembrava-me do amigo deixado em Belo Horizonte.

O jogo foi horroroso, mas nenhuma semelhança com os jogos de várzea, como profanaram alguns. Se considerarmos as condições do gramado, que desfavorecia o domínio de bola, o jogo chegou ao término com pouquíssimas faltas: 22 do Galo contra apenas 16 dos outros alvinegros. Com o objetivo de potencializar a marcação, Roger escalou o polivalente Danilo, que não esteve bem, sendo substituído no intervalo por Rafael Moura.

ASSUNÇÃO / PARAGUAI 19.04.2017 Atlético x Club Libertad no estadio Nicolás Leoz - foto: Bruno Cantini / Atlético
A forte chuva prejudicou a partida entre Atlético-MG x Club Libertad no estádio Nicolás Leoz. Foto: Bruno Cantini/Clube Atlético Mineiro.

Antes, aos vinte e seis minutos, os paraguaios marcaram o tento e pouca coisa aconteceu depois disso. Alguns torcedores crucificaram o Giovanni, responsabilizando-o pelo “frango” sofrido, mas foi uma falha coletiva. Na jogada que originou o gol na saída de bola de nossa intermediária, Fábio Santos e Danilo, por duas vezes, rebateram mal a bola. A sobra ficou com Ángel Lucena, que executou um lançamento para seu companheiro nas costas do Marcos Rocha, que estava marcando muito adiantado. Lucena avançou, recebeu a bola na entrada da grande área e finalizou para as redes. Elias poderia ter acompanhado o autor do gol na projeção da jogada, mas nada fez, ficou parado no lance.

No segundo tempo, logo aos dezessete minutos, o Fred sentiu a virilha e foi para o vestiário. O campo estava pesado para todos, um pouco menos para os paraguaios, pois já estão habituados a jogar no seu terreiro. Embora o Galo tenha apresentado outra mobilidade na etapa final, não conseguiu armar as jogadas e, consequentemente, pouco finalizou. Ao longo da partida, foram apenas 4 chutes contra 14 dos adversários. Aos vinte e sete minutos, Cazares entrou no lugar do Otero e perdemos a força de seu chute de fora da área, embora o equatoriano também possua essa virtude. No final da partida, o Léo Silva já estava como centroavante, ocupando os espaços com uma força descomunal. Foi muito bonito vê-lo jogar lá na frente, que inteligência tática e garra tem o nosso zagueiro-artilheiro!

Certamente, se os guaranís não usassem seus poderes para chamar o pé-d’água que castigou Assunção naquele dia, o êxito não viria. A chuva estava presente o tempo todo, como um jogador a mais a favorecê-los. O nível técnico do jogo foi nivelado por baixo. O Atlético perdeu o jogo para a chuva. Após o jogo de hoje, entenderemos melhor o anterior. Convido a todos para assistirem ao espetáculo de logo mais com um pouco mais de poesia na alma, com mais humildade e respeito aos adversários. Afinal, eles também querem vencer. Entretanto, o terreiro aqui é nosso, Galo! Demarcação, já! Que o São Victor nos ajude a vencer todos os males causados por aquela maldita chuva. Canta, hoje, Galo! Encha os pulmões e canta, Galo!

Ôôôôôôôôôôô-ôôô!, vai pra cima deles, Galô!

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Gustavo Cerqueira Guimarães

Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG. É graduado em Psicologia e Letras pela PUC-Minas. Autor dos livros de poesia Língua (2004) e Guerra lírica (no prelo). Coorganizou os livros Futebol: fato social total (2020) e Problemáticas e solucionáticas do futebol em Minas Gerais (no prelo). Desenvolveu pesquisas sobre futebol e artes no pós-doutorado na Faculdade de Letras da UFMG (PNPD-CAPES, 2013-2018) e no Leitorado Guimarães Rosa em Maputo/Moçambique (2019-2023). Atualmente, atua na Secretaria Municipal de Educação de Lajinha/MG e como vice-líder do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, como coeditor-chefe da FuLiA/UFMG (https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/issue/archive). 

Como citar

GUIMARãES, Gustavo Cerqueira. Hoje, Libertad, o terreiro é do Galo. Ludopédio, São Paulo, v. 94, n. 31, 2017.
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