143.28

Homofobia em cenas cotidianas: a luta de todos os dias!

Wagner Xavier de Camargo 16 de maio de 2021

Seja na vida ou nas práticas esportivas, homofobia mata! Nenhuma pessoa deve ser cancelada, excluída, assassinada ou torturada por sua orientação sexual ou pela identidade de gênero.

Por isso, dia 17 de maio é dia de luta!

 

O menino baiano, interiorano, sonhava em ser jogador de futebol, mas “requebrava demais”, diziam alguns. Além de ser “desengonçado” no trato com a bola, “rebolava como uma rapariga”, bradavam outros. No futebol macho brasileiro, não se aceitam corpos que não se portem como “homens de verdade”. Amanhã faz anos que o menino morreu, vítima do ódio alheio em lidar com a própria incapacidade de entender o outro.

Por isso, amanhã é dia de luto!

 

“Menina brinca de boneca, menino de carrinho”, repete-se à exaustão. A menina que quer patinar, então isso seria permitido. Mas não. “Menino em pele de menina, não”, dizem. Qual é o problema endereçado pelos propagadores de ódio? Desde quando patinar é uma ação feminina? Eu patino, tu patinas, ele/ela/elu patina, todas as pessoas patinam. Ação motora de qualquer corpo, infanto ou não, que se lance a isso. Menina trans, transmenina, transgarota patinadora!

Crianças devem estar livres da homo-transfobia. Crianças são crianças!

 

E quem não se lembra do pequeno Alex, de 8 anos, do Rio de Janeiro? O menino gostava de vestir roupas consideradas femininas, que fossem esvoaçantes e muito coloridas. Praticava a dança do ventre e se realizada perante qualquer plateia, muitas vezes composta por mulheres da família. Para punir o comportamento do menino-dançarino, o pai surrava-lhe como quem mostra o que um homem não deve fazer. De tanto apanhar, faleceu. Quando perceberam, o menino já estava morto. O ódio do pai interrompeu o fluxo de sua expressão corporal.

Contra a homofobia que interrompe sonho, gritemos!

 

Há 8 anos um acidente encerrou a carreira de uma ginasta brasileira, que tentou ampliar seu sonho, mas acabou lesionada numa cama de hospital. Laís Souza treinava em Salt Lake City, nos Estados Unidos, para os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, em 2014. O acidente a tirou dos treinos e da competição, colocou-a na categoria de pessoa com deficiência. Depois de tudo isso, outra revelação: reconheceu-se como lésbica. Para alguns, nada mudou; para outros, a autodeclaração reverteu-se em lesbofobia, uma prima da homofobia. Laís segue, e muito bem, sua recuperação.  

Por um mundo com menos lesbo-homofobia nos esportes!

Lais Souza
Lais Souza. Fonte: Wikipédia

 

Filho de uma família numerosa, João era um entre vários irmãos-homem. Mais mirrado, menos forte, sensível e bastante tímido. Insistia em jogar bola com os maiores. Certo dia, ainda nos anos entre infância e adolescência, foi atraído a um terreno baldio distante por alguém mais adulto do que ele. O homem lhe ofereceu doces para lhe tirar a virgindade. Foi estuprado para “aprender a ser macho”; teve os olhos arrancados para não identificar o agressor.

Contra a homofobia que poda vidas!

 

Em fins de 2014, o paulistano Gabe sofreu inúmeras agressões e uma tentativa de estupro. Segundo narrou, à época, três homens adultos o atacaram em Interlagos, bairro de São Paulo. Com intensos sentimentos de raiva nas vozes, gritavam agressivamente: “Quer ser mulher? Então vai apanhar como uma mulher!”. Gabe ficou gravemente ferido com os ataques.

A luta contra homofobia é também a luta das mulheres!

 

Dia Mundial de luta contra a Homofobia. Dia Nacional da Visibilidade Trans. Dia Mundial do Orgulho LGBTQIAP+. Dia Internacional da Mulheres. Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Dia Internacional da Visibilidade de Transgêneros. Dia da Celebração Bissexual. Dia Nacional do Orgulho LGBTQIAP+. Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Dia Internacional do Combate à LGBTfobia. Dia do Orgulho Agênero. Dia da Visibilidade Intersexo. Dia da Consciência Negra. Dia da Memória/lembrança Transgênero. Dia do Orgulho Pansexual. Dia da Pessoa Indígena. Dia Mundial contra a AIDS.

Todos os dias são de luta!

 

Saltos perfeitos, performances incríveis. Isso resumia as apresentações do estadunidense Greg Louganis, atleta de saltos ornamentais nos idos dos anos 1980. Outra época, outros valores e considerações. Já em Seul, nos Jogos da Coréia em 1988, sua performance lhe causou uma literal dor de cabeça: um acidente no trampolim fê-lo verter sangue na água da piscina. A questão é que ninguém sabia que Louganis era portador do HIV. Dado o preconceito daqueles anos, escondeu de todos, autoculpabilizando-se. Nos Jogos do Rio, em 2016, falou em entrevista à TV sobre o fato que lhe aterrorizou durante anos.

A homofobia também oprime e causa dor, até em atletas!

Greg Louganis
Greg Louganis. Fonte: Wikipédia
 

Na torcida grita-se “bicha” para goleiro adversário, “viado” para o torcedor oposto ou para o colega que sai da regra, “chupador de rola” para a figura de juiz, quando esse acusa lance contrário. Até o VAR já foi xingado. Sentimentos de extravaso, que não se justificam ou se explicam, mesmo em momentos de emoção.

Abaixo a homofobia!

 

Fabinho andava de bicicleta e patins. Percorria longos caminhos na pequena cidade mineira de poucos habitantes. Nas idas e vindas, escolhia o canavial para viver suas aventuras e conviver com suas histórias imaginativas. Numa dessas “viagens fantásticas”, não voltou mais. Estuprado, morto e torturado, não chegou a uma década de vida. Diziam vizinhos e más línguas que o menino era “afeminado” e, por isso, Deus o puniu.

Nenhuma divindade é homofóbica!

 

O menino cresceu à sombra da irmã ginasta, destaque na seleção brasileira. Desde cedo, era quieto, tímido, envergonhado. Ao passo que foi crescendo, seu envolvimento com o esporte deu-lhe responsabilidades demais, tirando-lhe parte da infância e da adolescência. A ginástica artística, sempre um ambiente heterocentrado, altamente machista e preconceituoso. Da família Hypólito, Diego emergiu como um superatleta. Mas não podia chorar, ser sensível ou se expressar “delicadamente”. A homossexualidade, enfim, emergiu na esteira da fama conquistada pela medalha, em 2016.

Placar do jogo: Diego 1 x 0 homofobia.

Diego Hypolito
Diego Hypólito. Foto: Reprodução Instagram

 

Desde pequena Elis queria bater em meio mundo. Guerrinhas com o irmão e o pai eram constantes. Isso foi-lhe imputando a fama de “briguenta”. Nos tempos de criança, a mãe ouvia de outras pessoas comentários maliciosos, nada demais. Na adolescência, Elis encorpou, embruteceu-se, masculinizou-se. Foi em busca do sonho de lutar boxe. Na trajetória, conheceu Jaque, formaram um casal. Como sparing e lutadora, Jaque e Elis seguem juntas.

Sem espaço para homofobias no mundo esportivo!

 

Equipes de futebol no Brasil, vez ou outra, protagonizam episódios de homofobia, com o que ocorreu no início de 2021 com o Sport Club Corinthians Paulista, que por meio de uma rede social, postou uma ilustração de uma fatia de panetone recheado de frutas para se referir à equipe do São Paulo (“frutinhas” como sinônimo de efeminados). Notas de desculpas sempre são emitidas depois de gafes como essas e estão longe de serem sinceras ou eficientes.

Homofobia é crime: se liguem!

 

Exatamente há 23 anos falecia Justin Fashanu, famoso jogador inglês transferido de clubes por mais de um milhão de libras esterlinas, ainda nos anos 1990. O que o matou: o preconceito relacionado ao fato de ter se reconhecido como homossexual enquanto ainda jogava futebol. O peso da declaração colocou-o em itinerância por outros clubes, fora da Inglaterra. A vergonha moral tirou-lhe a vida por meio do suicídio.

Pela aceitação de atletas gays no futebol!

Fonte: Reprodução Twitter

 

Em 2018, o Superior Tribunal Federal considerou homofobia e transfobias como crime de racismo, inclusive previstos nas mesmas penalidades. Daquela época até hoje, ainda continuam morrendo pessoas nesse “Brasilzão” discriminador e sem lei. E alguns veículos de comunicação já alertaram para a subnotificação. Ou seja, morre mais gente de violências impetradas contra questões sexuais e de gênero do que imaginamos.

Por isso, dia 17 de maio é dia de luta contra a homofobia!

 

Aqui resgatei 17 cenas cotidianas, de pessoas comuns e atletas, para que nos lembremos que dia 17 deste mês é uma data de resistência: contra a piada do vizinho, do primo homofóbico, do colega de trabalho, do cunhado ou tio, do membro da própria torcida de futebol. Quanto mais o silêncio imperar, mais pessoas sofrerão violências ou morrerão na indiferença, aparente nesses casos cotidianos, mas que se finge não ver.

Dia 17, de maio, de luta! Contra a homofobia, nos esportes, na vida!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Wagner Xavier de Camargo

É antropólogo e se dedica a pesquisar corpos, gêneros e sexualidades nas práticas esportivas. Tem pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Carlos, Doutorado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e estágio doutoral em Estudos Latino-americanos na Freie Universität von Berlin, Alemanha. Fluente em alemão, inglês e espanhol, adora esportes. Já foi atleta de corrida do atletismo, fez ciclismo em tandem com atletas cegos, praticou ginástica artística e trampolim acrobático, jogou amadoramente frisbee e futebol americano. Sua última aventura esportiva se deu na modalidade tiro com arco.

Como citar

CAMARGO, Wagner Xavier de. Homofobia em cenas cotidianas: a luta de todos os dias!. Ludopédio, São Paulo, v. 143, n. 28, 2021.
Leia também: