74.2

HSV, E.C.P. S.P. e Pepe

Günther Augustin 5 de agosto de 2015

Em nosso último texto foram os pênaltis perdidos que nos levaram a falar sobre os clubes Bayern München e Borussia Dortmund. Hoje, é um penalti defendido que nos lembra de outro dos clubes alemães com longa história, o Hamburger Sport-Verein (clube esportivo de Hamburgo), na sigla e apelido simplesmente chamado de HSV. Nas duas últimas temporadas da Bundesliga este time foi obrigado a participar da rodada de repescagem, na qual o antepenúltimo da Bundesliga I joga contra o terceiro colocado da Bundesliga II, a divisão que corresponde à série B do Brasileirão, pela vaga na elite do futebol alemão. Foram dois finais de temporada que levaram os torcedores à loucura, no sentido negativo e positivo. Nas duas rodadas de 2014 e 2015, o HSV conseguiu escapar do rebaixamento por muito pouco. Na última, os “Rothosen”, apelido do time que joga tradicionalmente com calção vermelho e camisa branca em homenagem às cores da bandeira de Hamburgo, fizeram o gol do empate aos 91 minutos, o que os levou à prorogação. Aos 120 minutos, o juiz deu um pênalti contra eles. Aí o seu goleiro Adler fez jus a seu nome e pegou a bola bem colocada no canto raso como uma águia que desce para pegar sua presa.

A má fase do clube nos últimos anos é explicada pela má gestão da sua diretoria. Na luta contra o endividamento formaram-se duas facções. Uma queria manter a estrutura tradicional como clube esportivo, abrangendo outras modalidades esportivas. A outra pregou a separação e comercialização total do departamento de futebol profissional. Virou uma briga pelo poder personificada nos exponentes das duas facções. Mudaram o técnico uns cinco vezes, só para se ter uma ideia.

O HSV já viveu tempos mais gloriosos, principalmente na época do seu principal jogador-ídolo, o Uwe Seeler. Me lembro bem quando no internato fomos todos proibidos de assistir um jogo do HSV na Liga Europa por causa de um malfeito qualquer de um dos alunos. Enquanto alguns professores assistiam ao jogo na sala dos professores, eu e um amigo rodávamos os corredores em volta da sala até um dos deles não aguentar mais e nos chamar para assistir os últimos minutos. Talvez um dos motivos para isto tenha sido o fato de que eu era um dos poucos que costumava ler as colunas que ele cortava do jornal e fixava em um painel para que todos soubessem o que ele achava de tão importante. Lembro-me de que em uma das colunas havia uma carta aberta de um famoso professor de teologia da Universidade de Hamburgo. Nela, ele fazia um apelo moralizante para que o Uwe Seeler, no auge da sua carreira como melhor atacante goleador da Europa (447 gols em 17 anos), não aceitasse uma oferta fabulosa para a época, do Inter de Milão – para que sua integridade modelar para a juventude esportiva não fosse corrompida pelo dinheiro. Teria sido a primeira transferência de um jogador alemão para o exterior. Seja pelo apelo do teólogo, seja pela oferta compensatória da representação Adidas na metade norte da Alemanha, seja por outros motivos: “Uns Uwe” (nosso Uwe), apelido dele pelos fans em dialeto da região, ficou em Hamburg. Quando ele passou uma vez meu caminho no metrô de Hamburgo, estava de fato com uma caixa Adidas de sapatos em baixo do braço.

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Voltando na história do HSV, descobrimos uma forte conexão com o Brasil. A semente do HSV foi o SC Germania, fundado em 1887. Dez anos depois, Hans Nobeling, membro e jogador desse clube, embarcou em Hamburgo num navio rumo ao Brasil. Não foram poucos os que na época resolveram tentar uma sorte melhor no Novo Mundo. Além de prosperar em negócios, o apaixonado pelo futebol não queria abrir mão do jogo no novo continente. “Foi a minha intenção fundar, depois da minha chegada em São Paulo, uma espécia de clube irmão do SC Germania de Hamburgo” escreveu ele em suas memórias. Quando saiu da Alemanha, prevenido, levou uma bola, uma camisa, chuteiras, meias, um apito etc., além de dois exemplares de estatutos, um do SC Germania e outro da Liga de Futebol Hamburgense.

Depois da sua chegada em São Paulo, conseguiu formar uma equipe com amigos italianos, franceses, espanhois e alemães. Em março 1899 jogaram o primeiro jogo oficial no Brasil e logo em seguida fundaram um clube. Só que o cosmopolitanismo do Hans não tinha siso acompanhado suas qualidades futebolísticas. Não gostou que os fundadores não adotassem o nome do clube proposto por ele, o do seu clube em Hamburgo. Desligou-se então daquela turma e formou um novo time, na maioria com jogadores alemães. Em 7 de setembro de 1899, três dias antes do seu vigésimo segundo aniversário, fundaram o Sport Club Germania, um dos primeiros clubes de futebol no Brasil, hoje o Esporte Clube Pinheiros, onde se encontra um Centro Pró-Memória Hans Nobiling. As cores azul, branco e preto da bandeira do E.C.P. são as cores do SC Germania de 1887.
HsvgründungComo o time do novo clube deixou a desejar, Nobiling resolveu chamar reforços do seu antigo clube em Hamburgo. Em 1903, chega Hermann Friese, um jogador excelente que já tinha feito successo na Alemanha, não só como jogador de futebol, mas também como campeão dos 1500m rasos. Com ele no ataque, o SC Germania conquista o campeonato paulista em 1906. Nos anos seguintes Friese atuaria como técnico e olheiro nas várzeas paulistas. Lá quem chama sua atenção é o Arthur Friedenreich. O problema é que sua inclusão no clube parece impossível, tendo em vista que sua mãe tinha descendência afro-brasileira, e havia exclusividade dos brancos nos clubes da época. Porém, cedendo à insistência do pai alemão, Nobiling e Friese abrem as portas do clube para o jovem Arthur. O resto da história é bem conhecido. Em comparação com os 1329 gols de Friese, 49 mais do que Pelé, os de Uwe Seeler parecem poucos.

Como membro da FULIA, núcleo de pesquisa em FUTEBOL, LINGUAGEM E ARTES, não posso deixar de registrar um evento raro de integração do mundo de futebol e da literatura. Em 30 de julho de 2015, Pep Guardiola trocou a leitura de jogos no campo pela leitura de poesia. Na Literaturhaus München (Casa de Literatura de Munique) ele leu trechos de poesia do seu conterrâneo Miquel Marti i Pol, falecido em 2003.

MUNICH, GERMANY - AUGUST 04: Press conference at Allianz Arena on August 4, 2015 in Munich, Germany. (Photo by Lennart Preiss/Getty Images for Audi)
Guardiola técnico do Bayern de Munique. Foto: Lennart Preiss – Getty Images for Audi.

Eram amigos, e uma vez Pepe submeteu sua própria produção poética aos ouvidos do poeta, apesar de sentir um certo constrangimento. Foi uma amizade inspiradora. A poesia do amigo o ajudou a manter os pés no chão, disse Guardiola durante o evento. Ficou – junto com o futebol. E assim, está criando o que o esporte e literatura têm em comum, disse ele, a criação de obras. Obras de arte – pelo menos nos seus melhores momentos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Günther Augustin

Membro do grupo de pesquisa "FULIA - Futebol, Linguagem e Arte" na Faculdade de Letras da UFMG. Professor aposentado de Literatura Comparada. Formado em Lingua, Literatura e Cultura Alemãs e Inglesas, História e Ciências Políticas pelas universiadades de Tübingen/Alemanha e UFMG. Formado em futebol pela TSG Tübingen.

Como citar

AUGUSTIN, Günther. HSV, E.C.P. S.P. e Pepe. Ludopédio, São Paulo, v. 74, n. 2, 2015.
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