Ouvi o anúncio da demissão do técnico e não me surpreendi. Já era uma decisão prevista nas últimas semanas, só não viu quem não quis. A torcida comemorou. Ninguém mais aguentava tanta incompetência no banco de reservas. Ele não sabia montar o time, diziam uns. Acabou a paciência, gritavam outros.
Nesse esporte, é permitido torcer pela perda do emprego. No dia a dia, ninguém comemora a rescisão contratual do padeiro ou grita “fora, motorista da linha 5”.
O tema do debate televisivo ainda era o substituto do antigo treinador. Descreviam o jeito de quem o substituiria na rodada de meio de semana. Não era bem um novo nome, mas um velho funcionário do clube. Treinava a base e assumiu o time principal duas ou três vezes. Passaram a chamá-lo interino, o técnico interino.
Estranhei. Lembrei as aulas de português nos primeiros anos da escola. Na lição sobre redundâncias, a classe era proibida de repetir expressões como “subiu pra cima / desceu pra baixo”.
– Se subiu foi para cima, se desceu foi para baixo – salientava a professora. Filha única, ali se orgulhava ao ser intitulada tia. Faltava um complemento: se é treinador de futebol, é interino. Bastam três ou quatro semanas ruins, uns tropeços daqui e umas derrotas de lá.
Quando recebi a notícia de um amigo doente, prestes a partir, pensei nos técnicos interinos. Bastou uma sequência de dois ou três exames ruins para que sua despedida desses gramados fosse assim, abrupta.
Não adiantaram os protestos da torcida, pedindo que ficasse aqui por mais tempo. Ainda teria muitos jogos a disputar. Foi como se a diretoria tocasse seu telefone e o convocasse para uma reunião urgente. Chegando lá, mal teve tempo de se despedir do seu elenco. Entregou o crachá e se sentiu obrigado a jogar em outros clubes. Sem a necessidade de entregar currículos.
Parei uns minutos diante da televisão, pensando na interinidade do apresentador e dos comentaristas. De certo, não há nada definitivo. E o futebol insiste em jogar essa verdade nas nossas caras a cada temporada, campeonato, rodada. Mesmo assim, pensamos na segurança do contrato longo, nas rescisões milionárias, nos tetos que ainda não desabaram sobre nossas cabeças.
Desliguei a televisão e saí. Esperei uns carros passarem, atravessei a rua. Um cachorro sem dono me seguiu. Continuei meu caminho. Já não pensava mais no técnico demitido ou no interino, mas na tristeza por outra despedida.