Em julho desse ano o Rio de Janeiro irá sediar o Pan-Americano e com ele mostrará ao mundo que tem condições de sediar eventos ainda maiores, como a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Porém, as falhas apresentadas no planejamento do Pan indicam que muito deverá ser feito caso o Brasil queira receber esses eventos. Aliados a esses problemas, os estádios brasileiros estão longe do padrão mundial exigido pela FIFA. Quem vai aos estádios brasileiros percebe que em sua maioria estão degradados e que o transporte público em dia de jogo é ineficiente. Será que o país realmente conseguirá realizar projetos que resolvam todos os seus problemas?

Estive no estádio no Morumbi no último clássico disputado entre Palmeiras e Corinthians (04/03/2007). Na volta, depois de muito esperar, passou um ônibus com o letreiro apagado (somente depois entenderia o porquê). Após andar percorrer muitos pontos da cidade, percebi que a rota feita pelo motorista descartou uma parte do trajeto. Como não sabia mais onde estava, resolvi esperar para ver aonde iríamos. Chegamos ao ponto final, perto da Rodovia Raposo Tavares (é uma das rodovias que liga São Paulo ao interior).

Ao sair do ônibus, vi o fiscal explicar ao motorista qual caminho deveria fazer. Perguntei a ele se o ônibus não deveria ter passado pelo meu destino. Ele disse que “em dia de jogo, os motoristas fogem dos torcedores. Fazem o caminho que sabem e por isso não cumprem com o itinerário”.

A fala do fiscal, a rota feita pelo motorista e a luz apagada do letreiro do ônibus se uniram a um mesmo fato: o que sempre está em segundo plano, nos eventos futebolísticos é o seu público. É de conhecimento da população que nos finais de semana o número de ônibus são reduzidos, mas o que muitos não sabem, é que em dias de jogos os motoristas simplesmente fazem a rota que quiserem para fugir dos torcedores.

Como uma empresa pode colocar um motorista em uma linha, sem que antes ele conheça seu itinerário? Imagine se durante um evento esportivo mundial, um estrangeiro pega um ônibus e na hora de buscar informações não consegue se comunicar ou se consegue, o funcionário não sabe dizer qual o trajeto a ser percorrido?

A questão que está por trás desse acontecimento se junta a outro fato que ganhou destaque nos jornais nesses últimos dias, o erro de planejamento do Pan. Como um país, que sonha em sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada irá sanar problemas tão grandes como o transporte e a falta de planejamento financeiro?

Como não há metrô perto dos principais estádios de São Paulo, por que em dias de jogos não aumentam a quantidade de ônibus para atender uma grande demanda de pessoas que querem chegar a seu destino? Por que os motoristas não cumprem seu itinerário? O que acontece na prática é exatamente o contrário e quem paga a conta é sempre o torcedor.

Conta que os Jogos Pan-Americanos esqueceram de fazer. O evento que deveria ser a grande vitrine de organização brasileira, que visa ter nesse campeonato um “pré-teste” para os maiores eventos esportivos do mundo (Copa de 2014 e Olimpíada de 2016), parece que não está sendo bem sucedido.

A Folha de S. Paulo1 divulgou que os gastos com os jogos excederam em 684% o planejamento prévio feito, isto é, os 409 milhões de reais previstos transformaram-se em 3,2 bilhões de reais, dos quais metade coube à União. Em seu editorial, traz o orçamento feito para a reforma do Maracanã e o quanto efetivamente gastaram. Em 2005, o custo da reforma era de 75 milhões de reais, mas já consumiu 232 milhões de reais. Para se ter uma idéia, o estádio de Leipzig, usado na última Copa da Alemanha, saiu por 242 milhões de reais.

Além disso, conforme informou o mesmo jornal2, as linhas de metrô que seriam construídas para atender a demanda de pessoas no Pan, sempre com a promessa de melhorar o transporte no Rio de Janeiro, não saíram do papel. Uma delas ligaria Botafogo à Barra da Tijuca (16 km) e a outra da Barra ao aeroporto Tom Jobim (38 km).

O presidente Lula defendeu a liberação da verba para a finalização das obras3 e ainda disse que acha “[…] totalmente infundado e absurdo imaginar que nós estamos gastando dez vezes mais. Nós temos que defender o nome do País. Quando os Jogos forem abertos, o que vai ficar é a imagem do Brasil. Se houve excessos, aí pode se discutir, pode o Tribunal de Contas investigar, pode qualquer coisa. O importante é começar o Pan”. O presidente preferiu fugir da polêmica e relativizou, no entanto, deveria ter tido que há um compromisso firmado e, por isso, teria que liberar a verba e que a atitude a ser tomada seria a de investigar a distorção do projeto orçamentário inicial para o real. Também não adianta apenas transferir a verba que seria destinada a outros projetos e enviá-la para o Pan, pois medidas como essa apenas mudam o problema de lugar.

A discrepância entre o projeto inicial e o final foi defendida pelo coordenador de esporte do projeto de candidatura, o professor da Fundação Getúlio Vargas, José Antônio Barros Alves. Em entrevista à Folha4, Alves disse que se deve diferenciar o projeto de candidatura e a realização do evento. Para ele, a candidatura é mais política e na fase em que se encontra o Pan, tudo deve ser colocado no papel.

Discordo completamente da posição do professor, pois um projeto deve contemplar o que deve ser feito, a quantidade de pessoas envolvidas, o montante de recursos financeiros, quais os locais necessários para as instalações, as áreas que podem ser construídas etc. O que houve foi um grande erro de planejamento.

Como se não bastasse a falta de organização, algumas modalidades esportivas estão ameaçadas, pois as instalações danificariam o meio ambiente. O que fica explicito é que realmente o projeto inicial não tem a ver com o final, se houve um planejamento ele foi muito malfeito. Um exemplo disso foi a realização de obras em áreas tombadas pelo patrimônio. Segundo Oliveira e Barroso5, a obra na Marina da Glória “prevê a transformação de área pública em área de negócios, com centro de convenções, centro de exposições, instalações de um clube privado, terminal turístico com plataforma de 200m sobre a Baía da Guanabara, um Shopping Center, grandes estacionamentos e garagem de veículos com mais de 41.000 m²”.

Erros de planejamento como esses, seja com relação ao transporte público, reformas em áreas tombadas pelo patrimônio ou o orçamento prévio (ou a falta dele!) revelam que há muito a aprender e pesquisar. Erros grotescos entre o previsto e o resultado mostram uma grande falta de organização; mexer em uma área tombada mostra o descaso com a cidade e sua população; uma mínima análise do transporte público informa que muito deverá ser feito para que o Brasil realmente tenha condições de sediar com qualidade eventos esportivos de grande porte.

Como o Brasil pode se candidatar a sediar uma Copa do Mundo se os seus estádios estão degradados? Não tem como comparar os estádios brasileiros com as instalações das últimas Copas. Estádios modernos, confortáveis e integrados com a rede de transporte são coisas distantes da realidade brasileira. Mas para sediar a Copa os estádios passariam por reformas e outros seriam construídos. Será que os erros cometidos no Pan servirão de alerta, pois como diz o ditado popular: “errar é humano, persistir no erro é burrice”. Somente o tempo dirá.

O que fica claro com esses acontecimentos é que o itinerário da bola pode ficar cada vez mais distante do Brasil, mesmo que aparentemente não haja forte concorrência para sediar a Copa de 2014. Só resta saber se os problemas serão sanados ou apenas maquiados para que se possa passar a imagem de um país que está longe de ser.

Esse texto foi originalmente publicado no site Universidade do Futebol.


[1]  EDITORIAL. Escândalo do Pan. Folha de S. Paulo, p. A2, 9 de março de 2007.

[2] MAGALHÃES, Mário; RANGEL, Sérgio. Gasto público com o Pan aumenta 684% em 5 anos. Folha de S. Paulo, p. D4, 7 de março de 2007.

[3] BARSETTI, Sílvio. Lula defende gastos de R$ 5 bi. O Estado de S. Paulo, p. E3, 8 de março de 2007.

[4] ENTREVISTA. Folha de S. Paulo, p. D1, 13 de março de 2007.

[5] OLIVEIRA, Ana R. de; BARROSO, Cláudia M. G. SOS Parque do Flamengo. In: Minha Cidade, n. 162. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/minhacidade/mc162/mc162.asp>. Acesso em: 9 mar. 2007.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. Itinerário da bola. Ludopédio, São Paulo, v. 01, n. 2, 2009.
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