A seleção do Brasil estreou ontem na Copa América sem seu melhor atleta, o atacante Neymar Jr., lesionado no penúltimo dos amistosos de preparação para a competição. Para um atleta sempre é ruim ficar fora de um torneio, muito mais por lesão, ainda que no caso específico, dadas as confusões em que se tem metido, talvez seja melhor que o craque permaneça um pouco à sombra. De mais a mais, a competição que recém começou no Brasil é um evento menor.

Muito pior foi o que aconteceu com a jogadora Érika, cortada por lesão da equipe brasileira feminina na antevéspera da Copa do Mundo que se joga na França. É o terceiro Mundial em que a jogadora do Corinthians deixa de atuar, sempre desconvocada nos últimos momentos. Antes dela, Fabi Simões, do Internacional, e Adriana, também da equipe do Parque São Jorge, tiveram que deixar o time por questões médicas. Marta, a maior de todas, escapou do mesmo destino, mas ainda se recupera de lesão.

Tudo isso me fez pensar nos cortes das seleções masculinas que vi acontecer desde 1978, a primeira Copa que de fato acompanhei. Sempre me pareceu terrível essa situação, desde que Zé Maria, suplente do lateral-direito e capitão Carlos Alberto, em 1970, no México, e titular quatro anos depois na Alemanha, ficou de fora do Mundial jogado sob ditadura na Argentina. Convocado em seu lugar, Nelinho tornar-se-ia titular, com direito a golaço na decisão pelo terceiro lugar, frente à Itália. Lembro-me de escutar em rádios paulistas que o diagnóstico da contusão do corintiano poderia ser uma manobra para preservar Toninho, do Flamengo. Muitos em São Paulo consideravam a seleção de Cláudio Coutinho carioca demais.

Na Copa seguinte, na Espanha, foi a vez de Careca, do Guarani, ficar de fora, ele que seria o centroavante do time dirigido por Telê Santana. Campeão brasileiro pelo Bugre, e com posterior sucesso no São Paulo com mais um título nacional, e no Napoli, quando fez dupla com Diego Maradona, o jovem atacante teve a perna fraturada em um treinamento pouco antes da estreia brasileira. Serginho, do São Paulo, foi o titular e para a reserva chegou Roberto Dinamite, do Vasco. Na época, até em feitiço se falou como causa do corte do bugrino.

Neymar sente a contusão no amistoso contra o Catar realizado antes do início da Copa América. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Quatro anos depois, foi a vez de Dirceu não disputar a Copa que seria sua quarta participação. Telê, que estivera trabalhando no Oriente Médio, voltara à seleção para tentar reavivar a esperança que 1982 malogrou no Estádio de Sarriá. Convocou vinte e nove jogadores, acreditou nos velhos parceiros da Espanha, listou novos nomes, como o atacante Müller, do São Paulo, o zagueiro Júlio César, do Guarani, e o lateral-esquerdo Branco, do Fluminense, mas tudo ficou nos pênaltis perdidos contra a França. Dirceu, que não chegou ao segundo Mundial disputado no México, morreria em 1995, vítima em um acidente de trânsito.

Romário quase ficou de fora em 1990, na Itália, a primeira de duas Copas por ele disputadas. Lesionado, experimentou recuperação relâmpago sob a orientação do mesmo fisioterapeuta que viria a tratar de Ronaldo, o Fenômeno, na primeira de suas gravíssimas contusões. Na reserva, entrando pouco, Romário teve participação discreta, ou seja, tudo ao contrário do que aconteceu no Mundial seguinte, quando foi o principal jogador do time campeão.

No mesmo torneio em que Romário se destacou em dupla com Bebeto, vários dos beques foram, aos poucos, sendo cortados, de modo que a dupla de zaga que acabou jogando foi formada por Aldair e Márcio Santos, os penúltimos convocados. O último foi Ronaldo, defensor que atuava no Japão e que brilhara no São Paulo de Telê Santana, bicampeão da Libertadores e da Copa Intercontinental (1992-1993). O corte final foi o de Ricardo Gomes, zagueiro e capitão da equipe. Seu companheiro de zaga era Ricardo Rocha, que por pouco também não voltou para o Brasil depois de se lesionar na primeira partida da Copa nos Estados Unidos.

A desconvocação da qual Romário se livrou por pouco em 1990 chegou-lhe no Mundial da França, não sem os veementes protestos do goleador, que supunha ter condições de se recuperar durante o torneio. A experiência de oito anos antes, quando não alcançara as melhores condições, talvez tenha pesado. Zagalo era o técnico e para o lugar do atacante foi chamado o volante Emerson, ele mesmo que, capitão do time na Copa seguinte, também seria cortado depois de luxar o ombro ao atuar como goleiro em um rachão. Não deixou de chamar a atenção a convocação de um jogador de outra posição, e não de Élber, por exemplo, centroavante do Bayern de Munique.

Mas Zagalo tinha histórico de trocas inusitadas. Em 1970, já com a equipe no México, uma contusão impediu que o botafoguense Rogério seguisse entre os vinte e dois jogadores (e não vinte e três, como hoje), levando o treinador à convocação não de outro atacante, mas de um terceiro goleiro. Leão, que fora titular com João Saldanha, veio e compôs o trio de arqueiros com Félix, o número um, e Ado, o reserva imediato. Foi das arquibancadas que o jovem goleiro do Palmeiras assistiu à Copa, enquanto Rogério permanecia com o grupo, mas como observador técnico.

Não vi Rogério atuar, conheci-o por um botão vermelho com o qual eu de criança jogava, com sua face nele colada. Era um time do Flamengo, equipe em que atuou no início dos anos setenta. Que logo lhe tenha sido oferecida uma posição na comissão técnica da seleção que seria tricampeã, diz de um ato consolatório? Talvez, mas é certo que as qualidades intelectuais do jogador não podem ter sido poucas, ele que chegou ao título de Doutor em Educação muitos anos depois.

Rogério, Ricardo Gomes, Émerson. A seleção teria igualmente vencido com eles no elenco? Provavelmente sim, foram ótimos jogadores, os dois últimos titulares do time. Não são muitas as situações piores do que essa, para quem é atleta profissional: a de, por muito pouco, ver escapar a chance de disputar. E de tentar vencer.

Ilha de Santa Catarina, junho de 2019.

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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Jogadores desconvocados, sonhos cortados. Ludopédio, São Paulo, v. 120, n. 19, 2019.
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