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Jogo é treino e treino… treino não tem

Gostaria de iniciar esse texto ressaltando que de maneira alguma este será uma crítica ao então treinador do Corinthians, Vítor Pereira (e sua comissão técnica), no que tange a falta ou não realização de treinos pelo mesmo. Pelo contrário, Vítor Pereira é de uma linha de técnicos que têm os treinamentos como um dos pilares do trabalho no futebol. Existem treinadores que se veem mais como gestores de grupos, outros que centram os esforços em montar uma equipe com grandes capacidades físicas, e outros e outras treinadoras que entendem o campo multidisciplinar que é estar a frente de um time de futebol, e assim buscam encontrar um equilíbrio.

Desejava poder escrever como tem sido a adaptação do nosso camisa 9 quando este é escalado enquanto nove. Queria falar das noites de Copa Libertadores, e da sensação de voltar a jogar esse torneio. Infelizmente o que vemos são casos nada isolados de racismo, truculência por parte das autoridades para com os torcedores que viajam aos jogos e inoperância da  Conmebol, que pune de maneira mais severa as festas nos estádios feitas por torcedores e torcedoras, do que casos reincidentes de racismo. Outrossim ambicionava ziguezaguear sobre o que parece ser mais vantajoso para o Corinthians, se o 3 – 4 – 3 ou o 4 – 3 – 3, ou até mesmo o 4 – 1 – 4 – 1.

Entretanto a alternância de esquemas táticos, e sobretudo as mudanças de jogadores que iniciam as partidas – com bastante destaque para jogadores que iniciam as partidas – têm de ser avaliadas a partir da ótica  do contexto estrutural do nosso futebol –  neste momento – em que não é possível falar de time titular.  Não é viável porque só no mês de maio o Corinthians fez 9 jogos (3 vitórias e 6 empates). Isso é praticamente um jogo a cada três dias. A recuperação dos jogadores fica totalmente comprometida. Periodizar para o futebol já é muito complexo por conta das competições que duram o ano todo. Buscar a manutenção de desempenho dos atletas e controlar/atenuar o risco de lesões é um trabalho desafiador. 

Vítor Pereira em todas suas coletivas pós- jogos ressalta que as mudanças frequentes que faz na equipe são para tentar manter o time competitivo nas diversas competições que disputa, para não desabarem fisicamente. Pode-se argumentar que nas fases mais agudas nos principais campeonatos de futebol na Europa também se concretizam uma maratona de jogos. Pois bem, isso é um fato. No entanto, as viagens que esses clubes fazem, principalmente na ligas nacionais, são consideravelmente menores. A logística geralmente é mais simplificada, o clima não é tão diverso, os clubes que costumam disputar todos os títulos possuem elencos bilionários, com muitas e boas substituições à disposição, etc. 

Vítor Pereira
Vítor Pereira, treinador do Corinthians. Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians.

O questionamento que o Vítor Pereira sempre faz é com relação a como manter uma equipe equilibrada jogando a cada 3 dias? Como sustentar o desempenho tendo uma janela de tempo tão curta para recuperar após uma partida? E os treinos, em que ponto entram no planejamento do time, se o tempo hábil é minimamente preenchido por viagem, jogo e recuperação? Ressalto que estas questões não se limitam ao Corinthians, mas estão no cerne das condições materiais do futebol de alto nível produzido/jogado no Brasil. Nesse momento que escrevo, caso uma equipe chegue às fases finais de todas as competições que disputa, esse elenco não terá até o final do ano uma semana sequer sem fazer ao menos dois jogos. 

O Corinthians vem variando bastante as escalações, seja no que se refere aos esquemas táticos, como também muda no que diz respeito aos onze iniciais. Varia porque se faz necessário, haja visto as iminentes lesões ao longo da temporada, como também para fornecer um tempo minimamente hábil de recuperação física entre as partidas. Uma das saídas de Vítor Pereira e sua comissão técnica é dar boa minutagem a jovens jogadores, que estão apresentando bom desempenho nesse momento, como Adson, Mantuan, Du Queiroz, Lucas Piton, entre outros.

Por vezes nos indagamos e presenciamos questionamentos a respeito da qualidade do futebol profissional jogado no Brasil. Não raro em mesas redondas, transmissões televisivas de partidas, e em toda a variedade de mídia e comunicação esportiva, seja essa oficial ou não, existe um discurso que compara (ou busco comparar) o futebol praticado aqui para com  aquele jogado nas grandes ligas europeias.

Acredito que uma reflexão acerca dessa temática é pertinente no aspecto de: faz sentido importarmos para cá o formato/calendário europeu de futebol? Ou possuímos questões próprias que devem ser levadas em consideração, pois são particulares do nosso país-futebol? O futebol profissional está atrelado a um mercado global, no entanto, como nossos clubes se estruturaram frente a nova racionalidade do fazer esporte? Muitas outras questões são possíveis, tão complexas quanto os ajustes técnicos-táticos presentes em uma partida de futebol.

Fica um convite para refletir, quais são as condições materiais de produção do nosso futebol, do futebol profissional, no caso. Quais condições são possíveis? Eu ainda acredito em um futebol com ingressos mais democráticos, em que os jogadores tenham tempo para treinar e que não exista a condição de torcida única.      

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Jean dos Santos Mantovani

Bacharel e mestrando em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Corintiano.

Como citar

MANTOVANI, Jean dos Santos. Jogo é treino e treino… treino não tem. Ludopédio, São Paulo, v. 156, n. 23, 2022.
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