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Jogos do Brasil Global Tour e o afastamento da torcida brasileira

Das polêmicas levantadas a partir da escolha do Brasil como país sede da Copa América, um dos temas mais comentados foi o desinteresse do brasileiro com a seleção nacional, muito evidenciado no decorrer do certame.  Certamente, esse abandono, pode ser explicado ao considerar que a maioria das partidas da seleção canarinho são realizadas contra equipes inexpressivas no cenário internacional. Além disso, este fato soma-se a alta quantidade de partidas em domínios estrangeiros, dificultando o acesso dos torcedores aos jogos. Enquanto isso, a seleção se afasta de seu papel como elemento da nacionalidade brasileira, concretizado entre as décadas de 1930 e 1940 (ORTIZ, 1994: SANTOS, 2000).

Antes de mais nada, gostaríamos de reforçar a ideia de que a organização dos jogos da Brasil Global Tour surge como um dos responsáveis por esse distanciamento do torcedor. Esse pacote de jogos, promovido pela empresa Pitch International, tem como objetivo a comercialização e monetização dos amistosos feitos pelo escrete brasileiro (PITCH INTERNATIONAL, 2021). Desse modo, esta série de partidas, sediadas em diversos países, exemplificam a concretude da globalização no futebol. 

Jogos da Brasil Global Tour: uma outra razão

Em primeiro lugar, considerando os avanços obtidos pela revolução tecnológica, é possível entender, o período técnico-científico-informacional como ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista, quando a informação torna-se central para a organização do espaço (SANTOS, 2017). Sendo assim, neste momento, existe a possibilidade da realização dessa série de jogos em escala planetária. Dessa maneira, a racionalidade técnica torna-se central em tomadas de decisão para acumulação capitalista, refletindo na presença de agentes econômicos externos no futebol.

A solidariedade organizacional é um produto de normas lideradas por interesses mercantis (SANTOS e SILVEIRA, 2006). Dessa forma, como condições desse período, emerge o conflito entre a dinâmica interna (horizontalidade)  e a externa (verticalidade). Nesse sentido, o movimento é representado no campo futebolístico, quando houve o conflito entre a comissão técnica da seleção brasileira com os organizadores dos amistosos, como consta na reportagem do O Globo “Crítica de Tite expõe clima ruim entre CBF e empresa que organiza amistosos da seleção”.

Em segundo lugar, analisando o mapa “Distribuição dos jogos da Brasil Global Tour por países (2012-2019)”, percebe-se que há quantidade expressiva de jogos realizados em países pouco tradicionais no futebol, como a China, Arábia Saudita, Estados Unidos, Austrália, Singapura, Polônia, Emirados Árabes Unidos e outros. Em seguida, observa-se que a Bolívia é o único país na América do Sul a receber jogo da seleção. Dessa maneira, um dos fatores para tal espacialização, é a lógica mercantil vinculada as partidas, que obedece a disposição espacial dos investidores relacionados ao futebol. 

Mundo dentro e fora das 4 linhas

Perfil dos jogos  realizados no Brasil

Em suma, das 52 partidas realizadas pela turnê, somente 9 delas foram contra equipes entre às dez posições do Ranking da FIFA. Dentre estes nove embates com seleções de ponta do futebol mundial, apenas duas ocorreram no Brasil, que exemplifica a lógica embutida na realização das partidas.

Conforme pode observado na tabela abaixo, os primeiros amistosos sob a batuta da Brasil Global Tour foram contra seleções bem quistas no cenário internacional como o Chile (19º), Inglaterra (4º) e França (2º), realizados sob o entendimento de comporem a série de amistosos preparatórios para a Copa do Mundo de 2014. No transcorrer dos anos, ainda ocorreram jogos contra equipes tradicionais internacionalmente, como o México (11º) e a Sérvia (25º). Entretanto, nos últimos anos ressaltou-se a essência comercial destas partidas, pois ao enfrentar equipes muito abaixo de seu nível de modo recorrente a seleção brasileira é utilizada como um produto futebolístico.

 

Referências Bibliográficas

ARRUDA, MARCELO LEME DE. Rsssf Brasil. Brazil National Team: only “a” matches. Only “A” Matches. 2021. Disponível em: https://rsssfbrasil.com/sel/brazila.htm. Acesso em: 10 jul. 2021.

FIFA. MEN’S RANKING. 2021. Disponível em: https://www.fifa.com/fifa-world-ranking/men?dateId=id13295. Acesso em: 10 jul. 2021.

GLOBO. CRÍTICA DE TITE EXPÕE CLIMA RUIM ENTRE CBF E EMPRESA QUE ORGANIZA OS AMISTOSOS DA SELEÇÃO. 2019. Acesso em: 25/05/2021.

ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura, São Paulo: Brasiliense, 1994.

PITCH INTERNATIONAL. Brasil Global Tour. 2021. Acesso em: 25/05/2021.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. 7. reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.

SANTOS, Tarcyanie Cajueiro. Globalização, mundialização e esporte: o futebol como megaevento. ALABARCES, Pablo (comp.). Peligro de gol: estudios sobre deporte y sociedad en América Latina. Buenos Aires: CLACSO, p. 57-73, 2000.

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Jonathan Ferreira

Graduando em Geografia na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP, campus de Rio Claro-SP, na modalidade bacharel. Possui graduação em Geografia (modalidade Licenciatura) pela mesma instituição. Atualmente é aluno de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Geografia da UNESP (Rio Claro), onde desenvolve sua dissertação sob o título "Clube de futebol como vitrine da acumulação financeira: o caso do Red Bull Bragantino". Durante a graduação realizou Iniciação Científica na área de geografia econômica, sob o título "Mercantilização do Futebol: o processo de difusão e financeirização da prática esportiva e as exportações de jogadores brasileiros". Tem interesse nas áreas de Geografia Econômica, questões econômicas do futebol e Geografia Política.

Leandro Luís Lino dos Santos

Bacharel e Licenciado em Geografia pela na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho - Câmpus de Rio Claro. Atualmente desenvolve pesquisa no nível de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) da mesma universidade. Desde 2019 investiga o futebol a partir de um prisma geográfico de interpretação, tendo desenvolvido a monografia sob esta relação. É componente do Grupo de Estudos: Mundo Dentro e Fora das 4 Linhas que, no ano de 2020 migrou suas reuniões para o modelo remoto, abarcando discentes de universidades como USP, UFMG, UFTM, e UNESP – Câmpus de Presidente Prudente, em suas reuniões. Na metade do ano de 2020, iniciou a atividade divulgador científico, por intermédio do perfil do grupo de estudos nas mídias sociais, com recente publicação no periódico Le Monde Diplomatique Brasil.

Como citar

FERREIRA, Jonathan; SANTOS, Leandro Luís Lino dos. Jogos do Brasil Global Tour e o afastamento da torcida brasileira. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 21, 2021.
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