153.16

Jogos Olímpicos de Pequim 2022 e a diversidade no gelo

Wagner Xavier de Camargo 13 de março de 2022

À semelhança dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2021, as competições olímpicas de inverno em Pequim-2022 tiveram um recorde de atletas LGBTQIA+ fora do armário: exatos 36, num total de cerca de 3.000, em vários esportes.

Esse número é mais do que o dobro do presente nos Jogos de Inverno de Pyeongchang, na Coréia do Sul, em 2018.

Segundo o site Outsports.com, se reunidos em um país, tais atletas teriam ocupado o 12º posto no ranking de medalhas (4 de ouro, 2 de prata e 3 de bronze), à frente de Japão e Itália.

Em que pese possamos discutir a legitimidade da representatividade de 36 pessoas, não se pode negar que há uma tendência de expansão da diversidade sexual e de gênero também nos esportes de inverno.

Trazer à tona no contexto do esporte de alto nível (e, portanto, midiático) posições e narrativas diferentes da hegemônica cis-heteronormatividade é, em primeiro lugar, fomentar dúvidas sobre as certezas institucionalizadas acerca de corpos, sexos e comportamentos.

Além disso, construir outras narrativas de existência sexual e de gênero potencializa não apenas outras estéticas possíveis, mas igualmente coloca as práticas de prazer e erotismo no coração do esporte, um campo construído como puro e, inclusive, assexuado.

Se as atletas lésbicas continuam à frente dos processos de saída do armário (ou recusa de entrada nele), como a fantástica patinadora de velocidade Brittany Bowe, cada vez mais homens gays, pessoas queer e não-binárias se alinham à causa e se posicionam perante a ela.

Brittany Bowe
Brittany Bowe. Fonte: Wikipédia

Mais e mais corpos se anunciam fora do convencional binarismo de gênero (masculino x feminino), ratificador das categorias esportivas. Neste sentido, outro exemplo interessante é Timothy DeLuc, que abre alas neste cenário olímpico para o não-binarismo.

Atleta da patinação no gelo em dupla com Ashley Cain-Gribble, Timothy disse que anunciar o não-alinhamento à binariedade cisheteronormativa é abrir “um caminho para outres atletas não-bináries e queers que também possam fazer pares e dançar no gelo” (tradução minha).

Intercambiando gestos e ações desgenerificados, ambos propuseram um rompimento com o modelo rígido da “dupla de casal”, reinante na modalidade. Isso é um avanço, por certo, apesar de não ser ainda muito bem avaliado pela arbitragem.

No bojo de tal manifestação está a proposta de quebra de estereótipos de gênero, presente nas concepções tão rígidas de “masculino-feminino” das duplas de patinação artística.

Essa ideia de duplas de dois homens, duas mulheres ou mesmo de pessoas não-binárias (ao contrário do rígido modelo homem-mulher) vem sendo apresentada e defendida em palcos dos Gay Games há, pelo menos, 12 anos.

Os Gay Games enquanto um megaevento multiesportivo estão longe de ser um território desgenerificado, pois ainda insistem em manter as categorias binárias para classificação nas modalidades. Porém, há insurgências e experiências acontecendo.

Gay Games
Cerimônia de encerramento do Gay Games 2006. Fonte: wikipédia

Fico me perguntado o que diriam pesquisadoras/es que estudaram os aspectos sociais do esporte em épocas passadas sobre este imperativo questionante e desconstrutor de hoje, que cada vez mais aparece nas arenas esportivas.

Penso que não importa o número de pessoas que desafiam os enquadramentos de gênero do esporte (competitivo), e sim o peso que conferem às suas ações. A presença de distintas expressões de gênero torna a ocupação do espaço um ato político – e, portanto, digno de ser notado.

Para usar uma expressão que cunhei há quatro anos, nunca foi tão emergente o derretimento dos “armários de gelo” também nos esportes de inverno, como se tem observado.

E, obviamente, tal derretimento não se deve ao problema do aquecimento global, mas a mudanças mais profundas que dizem respeito a como as pessoas se percebem no mundo e como estão entendendo seus corpos e sexualidades em relação a si e a outres.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Wagner Xavier de Camargo

É antropólogo e se dedica a pesquisar corpos, gêneros e sexualidades nas práticas esportivas. Tem pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Carlos, Doutorado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e estágio doutoral em Estudos Latino-americanos na Freie Universität von Berlin, Alemanha. Fluente em alemão, inglês e espanhol, adora esportes. Já foi atleta de corrida do atletismo, fez ciclismo em tandem com atletas cegos, praticou ginástica artística e trampolim acrobático, jogou amadoramente frisbee e futebol americano. Sua última aventura esportiva se deu na modalidade tiro com arco.

Como citar

CAMARGO, Wagner Xavier de. Jogos Olímpicos de Pequim 2022 e a diversidade no gelo. Ludopédio, São Paulo, v. 153, n. 16, 2022.
Leia também: