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Juan Pablo Sorín, um lateral e um comunicador “anárquico”

“Para mim, o futebol é uma fonte inesgotável de conhecimento […] Há tanto, mas tanto para entender e desfrutar. Lugares e emoções que conheço, vivo e curto profundamente. O futebol me inspira e eu sempre quero me superar. Antes como jogador, hoje como comunicador.” [CORNER, 2016, p. 41]

Juan Pablo Sorín, nasceu em 05 de maio de 1976, em Buenos Aires. Foi torcedor, gandula e jogador do Argentino Juniors, época de um título do qual se orgulha muito: capitão e campeão mundial com a Seleção Argentina Sub-20 em 1995, título que com orgulho considera o mais relevante de sua carreira. Foi ídolo do River Plate multicampeão no final dos anos 1990. Venerado pelo torcedor do Cruzeiro, o capitão da Seleção Argentina na Copa do Mundo de 2006 também se declara torcedor da raposa, a qual acompanha e mantém relação afetuosa. Sorín também fez parte do histórico Villareal da temporada 2005-2006, ao lado de Fórlan e Riquelme. Juampi, como é conhecido na Argentina, também envergou as camisas de Lazio, Barcelona, PSG e Hamburgo, antes de encerrar sua carreira precocemente em 2009, aos 33 anos, no Cruzeiro, devido à lesão no joelho.

O estilo de Sorín nos gramados é mais do que conhecido e respeitado. Lateral muito ofensivo, arrojado, num misto de potência técnica e raça, gostava mesmo é de fazer gols, tal como na sua infância, quando atuava como atacante pela esquerda. A carreira como comunicador também se mostra diferenciada, agradando a brasileiros para muito além da torcida das Minas Gerais. Um argentino peculiar, metade mineiro, que escolheu o Brasil para viver e trabalhar no período pós-carreira.

Em entrevistas utilizadas como fontes deste artigo, Juampi revela seu lado amante da literatura, da música e da comunicação. Trata-se de algumas facetas ainda pouco conhecidas do craque e que mostram seu repertório intelectual e sua sensibilidade política e social.

Amante das letras

Afonsinho, Sócrates, Paulo André, Alex, Tostão, Ceni, Seedorf, Wallace, entre outros, são exemplos de jogadores fora da curva. Menos por habilidades técnicas, mais pelo gosto conhecido pela leitura. Num país onde visita-se pouco bibliotecas, os trabalhadores da bola não fogem à regra, seja pela origem humilde da qual a maioria destes é oriunda e das desigualdades econômicas, sociais e culturais associadas, seja por falta de interesse deles próprios, alguns poucos nos chamam atenção pelo hábito da literatura. Juampi é um destes jogadores, que vencia o tédio das concentrações com bons livros nas mãos.

Em entrevista concedida à revista Trip, o ambiente da casa de Sorín revela o leitor voraz: “nas estantes, nos aparadores, na mesa de centro, onde há uma superfície plana há um livro. Nenhum decorativo: as marcas de manuseio não deixam dúvidas” [TRIP, 2017, p.14]

Sorín privilegia os autores sul-americanos, tais como Gabriel Garcia Márquez, Eduardo Galeano, Pablo Neruda, Paulo Leminski, Chico Buarque…, sem se esquecer dos clássicos universais, como Charles Bukowski. Como leitor voraz, também se aventura na escrita. Perguntado em entrevista concedida ao jornal La Nacion, se escrevia constantemente, revela: “Tengo algunas cosas. Cuentos y poemas. Pero escribo y guardo. No publiqué casi nada.”  [1]

Entre o “casi nada”, o modesto Sorín tem contos publicados nos livros Pelota de Papel 1 (2016) e Pelota de Papel 2 (2016), coletânea de contos escritos por futebolistas (Aimar, Mascherano, Sampaoli, Valdano, Burdisso etc.) organizada pelo ex-jogador Sebástian Dominguez (Sebá). Além disso, Juampi escreveu um texto e organizou a obra Grandes Chicos, além de poesias e ficções às quais o grande público ainda não tem acesso.

Mesmo com forte tendência intelectual, o craque é bem quisto por muitos companheiros de grupo, tido como um “líder natural” por onde passou. Sua liderança agregava a todos nos vestiários, ambientes heterogêneos que exigiam compreensão e sabedoria.

Como colunista, escreve desde quando ainda atuava nos gramados. Assim como na brilhante carreira, coleciona passagens por diversos periódicos: El Mundo, La Nacion, Página 12, El País, So foot, Media Punta, Estado de Minas, Hoje em Dia, entre outros.

“Escrever é também a procura da felicidade, inclusive nos momentos de angústia […] termina sendo uma terapia muito legal também” [TRIP, 2017, p.17], conclui o craque.

Rock, Tango, MPB…

Roqueiro, Juampi nunca escondeu as raízes musicais em seu visual perene de cabelos longos. A única concessão feita foi o corte de cabelo por exigência do então técnico Daniel Passarella, na Seleção Argentina Sub-20. Sorín levantou a taça com cabelos comportados. Fã de Rolling Stones,
AC/DC, The Cult, Whitesnake, The Doors, Sorín aprecia os clássicos, sem nunca esquecer o rock argentino, com Los Redondos, Divididos, Los Piojos. Muitas destas bandas Sorín viu se apresentar ao vivo, nos estádios argentinos, mesmo após o início de sua carreira. A fama nunca foi um empecilho para as idas aos eventos culturais que Juampi aprecia. Peças, shows e filmes compõem a rotina do argentino. Nas concentrações da Seleção Argentina, com seu companheiro jogador e rockstar Germán Burgos, ouvia também muito tango. No Brasil, Chico Buarque e Caetano Veloso estão sempre presentes em sua playlist.

Sorín em ação pelo Cruzeiro. Foto: Vipcomm.

Sensibilidade política e social

“Sempre gostei muito mais de, em vez de falar de política, falar de social. Sempre fui muito mais ligado ao social e ao humanitário.” [TRIP, 2016, p.18]

O craque argentino é conhecido também por seu senso de responsabilidade social e engajamento político. Sempre atento ao contexto político e econômico dos países latino-americanos, Sorín é conhecido por suas ações solidárias a diversas causas.

Para se ter uma ideia, a despedida de Sorín do futebol, realizada em 2009, no Mineirão, com planejamento de sua produtora, arrecadou 90 toneladas de alimentos não perecíveis para instituições de caridade. Em 2015, o blog do jornalista mineiro Chico Maia divulgou uma mensagem privada, na qual o jogador não media esforços para ajudar os atingidos pelo crime ecológico de Mariana.

Em outro episódio, ainda na ESPN, Sorín rebateu publicamente os discursos de Ronaldo e Pelé, que criticaram as manifestações que ficaram conhecidas como Jornadas de Junho, em 2013. Juampi discorreu respeitosamente sobre o equívoco do “fenômeno” e do “rei”, dizendo que deveriam ter orgulho da manifestação de seu povo. Na mesma fala citou a relevância de uma manifestação tão grandiosa e sua relevância temporal, “que não ocorria desde o período Collor”, elogiou a união dos manifestantes e criticou a violência infiltrada nos protestos, demonstrando conhecimento sóbrio sobre os acontecimentos, diferentemente dos dois craques supracitados.

Em seu projeto solidário materializado no livro Grandes Chicos (2004), Sorín destinou toda a verba arrecadada para reformas em duas escolas e um hospital em solo argentino. Como autor e organizador, Juampi reuniu diversos escritores que lhe enviaram textos inéditos acompanhados de imagens de suas respectivas infâncias. Assim, através de uma obra artisticamente relevante, conseguiu engajar muitos argentinos para uma causa solidária. Junto a sua esposa Sol Cáceres e com sua produtora (atual Elis Produtora) ainda em fase incipiente, publicaram o livro aclamado pela crítica. Segundo relato do próprio Sorín ao jornal La Nacion, em junho de 2005:

“La idea surgió en el momento más triste de la Argentina después de la dictadura militar. A finales de 2001 nos empezamos a sentir impotentes, con mucha bronca, y con Sol pensamos en ayudar. Lo más impactante fue ver que había gente que se moría de hambre en nuestro país. No quiero sonar tétrico, pero eso nos tocó muy profundamente.” [2]

Ativo nas redes sociais, o argentino recentemente se envolveu em uma discussão com o ex-presidente Maurício Macri, via twitter, sobre a valorização do futebol argentino frente ao contexto europeu.  Recentemente, ao postar em seu story no Instagram a canção “Apesar de você”, de Chico Buarque, logo após anunciada a soltura do ex-presidente Lula, demonstrou atenção ao contexto político atual. Ambas as manifestações repercutiram positiva e negativamente entre seus fãs, como é de costume em nosso polarizado e efervescente presente. Somente figuras públicas com personalidade e coragem o fazem, e, no caso de Juampi, ambas as virtudes sobram.

Sorín no jogo de sua despedida do futebol. Foto: Reprodução.

Jornalista é pouco, Sorín é um comunicador

Assim prefere ser chamado, pois um comunicador não se restringe às entrevistas, ou somente à redação, também produz, apresenta, comenta etc. Romântico que é, Sorín prefere o adjetivo mais flexível e condizente com sua valência.

Tudo começou ainda na Argentina, quando cursou o primeiro ano de jornalismo paralelo à carreira de jogador. Largou a academia, mas não a comunicação. Manteve de 1996 a 2000, sempre às segundas-feiras, o programa Tubo de Ensayo, na rádio independente e comunitária La Tribu FM, ao mesmo tempo em que se tornara campeão de absolutamente tudo no poderoso River Plate do final dos anos 1990: “era um programa cultural, político e só tocava rock argentino” [TRIP, 2017, p. 17]. Em outra entrevista, para a revista brasileira Corner, Sorín completa a descrição do programa: “uma das condições era não falar de futebol. Falávamos de literatura, cultura em geral, um pouco de política […].” [CORNER, 2016, p. 39]. 

Em tal programa, aproveitava os diários de viagem com o River para comentar a situação dos países vizinhos.

Como é um curioso declarado, Juampi gostava de trocar experiências com companheiros mais velhos, pessoas em geral e tudo aquilo que o fizesse aprender: “Acho, que, tão interessante como a vida daquele que leu muito, é a vida daquele que viveu muitas coisas.” [CORNER, 2016, p. 38]

A carreira como comunicador ficou em stand-by até 2010. Após sua aposentadoria no Cruzeiro, estrelou ao lado do antigo rival Marques o programa Alterosa no Ataque, primeira vez de Juampi na televisão. Gostou muito da experiência, assim como outras emissoras também gostaram de seu trabalho. Em 2011, começou uma trajetória de consagração na ESPN, primeiro, como comentarista e, depois, como idealizador, junto com sua produtora de conteúdo (Elis Produtora – Elis em homenagem a sua filha belorizontina Elisabetta), do programa de sucesso Resenha ESPN, do qual também foi apresentador. Sorín fez a ponte, em um programa ao mesmo tempo descontraído e com conteúdo, entre os boleiros e a imprensa, de forma leve, o que agradou a emissora e o público. Após sua saída da ESPN, Sorín passou a dedicar-se aos projetos da produtora, o que inclui a carreira de sua esposa, a cantora Sol Alac.

Atualmente, em seu canal no YouTube chamado Sorin Elis, o programa Se Joga em Casa resgata o entrevistador Sorín, com seu amor pela música e pelo futebol. O programa, que está em sua segunda temporada, contou com convidados gabaritados, tais como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Andreas Kisser, João Gordo, Seu Jorge, Marcelo D2, Criolo, entre outros, que são recebidos na sala de sua casa com muito mate e boa prosa.


Referências

TRIP. São Paulo: Ed. Trip, n. 267, jul. 2017.

CORNER. Rio de Janeiro: Ed. Corner, n. 2, 2016.

 [1] e [2] https://www.lanacion.com.ar/lifestyle/sorin-un-gran-chico-nid715037. Acesso em 13/11/2019.

https://www.uol/esporte/especiais/entrevista-com-juan-pablo-sorin.htm Acesso em 12/11/2019.

https://cruzeiropedia.org/Juan_Pablo_Sor%C3%ADn Acesso em 12/11/2019.

https://trivela.com.br/pelota-de-papel-o-livro-escrito-por-boleiros-que-sonha-em-virar-movimento-social/ Acesso em 13/11/2019.

http://blog.chicomaia.com.br/2015/12/04/juan-pablo-sorin-continua-mostrando-o-seu-apreco-por-minas-gerais-e-pelos-mineiros/ Acesso em 13/11/2019.

http://blog.chicomaia.com.br/2009/11/19/sorin-faz-doacao-de-cestas-basicas-neste-momento/ Acesso em 13/11/2019.

https://trivela.com.br/sorin-apoia-ocupaescola-a-partir-de-agora-a-escola-publica-nunca-mais-sera-a-mesma/ Acesso em 13/11/2019.

https://www.hojeemdia.com.br/primeiro-plano/post-pol%C3%ADtico-do-craque-sor%C3%ADn-d%C3%A1-o-que-falar-nas-redes-sociais-entenda-o-caso-1.755840 Acesso em 13/11/2019.

https://www.otempo.com.br/cidades/sorin-se-diz-orgulhoso-com-manifestacoes-no-brasil-e-decepcionado-com-as-falas-de-pele-e-ronaldo-1.667251/video-mostra-dimensao-de-tumulto-apos-show-de-marilia-mendonca-veja-1.2246474 Acesso em 13/11/2019.

https://twitter.com/jpsorin6/status/1181039753258512384 Acesso em 13/11/2019.

https://www.lanacion.com.ar/espectaculos/los-20-anos-de-fm-la-tribu-nid1153599 Acesso em 13/11/2019.

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Matheus Marinho

Graduado em Ciências Sociais e pesquisador vinculado ao Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes (FULIA), da Faculdade de Letras da UFMG.

Elcio Loureiro Cornelsen

Membro Pesquisador do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, da UFMG.

Como citar

MARINHO, Matheus; CORNELSEN, Elcio Loureiro. Juan Pablo Sorín, um lateral e um comunicador “anárquico”. Ludopédio, São Paulo, v. 126, n. 22, 2019.
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