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Julio Grondona: o crime organizado na cartolagem

Copa Além da Copa 18 de maio de 2020

Julio Humberto Grondona teve uma longuíssima carreira no futebol. É mais conhecido por ter exercido a presidência da AFA (Asociación del Fútbol Argentino, a CBF deles) por nada menos do que 35 anos, mas também foi presidente do Arsenal de Sarandí e do Independiente e vice-presidente da FIFA, subordinado tanto a João Havelange como a Sepp Blatter.

Dentre tantos membros icônicos que fizeram a cartolagem sul-americana se aproximar tanto do mundo do crime organizado, Grondona talvez tenha deixado as marcas mais profundas. E isso é uma tarefa bastante complicada em um universo que também contou com nomes como Nicolás Leoz, Ricardo Teixeira, o próprio Havelange, entre tantos outros.

Em 2015, as investigações sobre os esquemas de subornos e propinas que envolviam a Conmebol ganharam força. Uma das testemunhas era o empresário uruguaio Francisco Casal, outra figura do alto escalão das negociatas futebolísticas do continente. Em seu depoimento, ele cravou: Julio Grondona era o chefe dessa máfia.

Na época, Grondona já havia falecido. Mas o que realmente sabemos sobre esse homem que tanto marcou o futebol sul-americano?

Este texto é um complemento ao episódio do podcast Copa Além da Copa sobre crimes e contravenções ligados ao futebol na América Latina. Clique aqui para ouvi-lo!

Sarandí: O começo de tudo

A biografia de Pablo Escobar conta com o assassinato de um árbitro. A de Castor de Andrade, com a invasão a mão armada de um campo. Julio Grondona não poderia ser membro desse clube sem um episódio similar em sua vida.

Os primeiros passos de Grondona na cartolagem aconteceram no final da década de 1950: ao lado de seu irmão, Héctor, ele fundou o Arsenal Fútbol Club em Sarandí, um subúrbio de Avellaneda. Seria presidente desse clube até 1975, mas sem alcançar grandes sucessos dentro de campo.

Em 1960, Grondona era não só presidente do Arsenal, como também chefe da barra brava do clube. Revoltado com uma arbitragem do árbitro José Filacchione, invadiu o gramado e desferiu socos contra o apitador. Não há registros sobre quem era o adversário, nem sobre os motivos dessa explosão de raiva do dirigente. O fato é que ele recebeu uma suspensão de um ano e meio pelo episódio, o que o impediu de concorrer à presidência do Independiente no ano seguinte.

Os militares e a AFA

Quando finalmente chegou ao cargo, em 1976, a Argentina sofreu um golpe militar, que levou a uma das ditaduras mais sanguinárias e corruptas de toda a América Latina. Grondona, porém, soube como manejar sua carreira de cartola nesse período. Com o Independiente, ganhou os campeonatos argentinos de 1977 e 1978.

O sucesso do Rojo nos campos fez com que Grondona se aproximasse do vice-almirante Carlos Alberto Lacoste, um dos cérebros por trás do regime militar. Lacoste havia sido encarregado de cuidar da organização da Copa do Mundo de 1978 na Argentina, até hoje bastante polêmica pelos ocorridos dentro e fora de campo.

Assim, com a bênção de Lacoste, em abril de 79, Grondona chegou ao posto máximo do futebol argentino, assumindo a AFA. Já em setembro, a Argentina venceu o Mundial sub-20, com um jovem chamado Diego Armando Maradona brilhando em campo. Os militares, em êxtase, perceberam que o futebol era o caminho para seguir fazendo propaganda do regime.

Com isso, veio um grande aporte financeiro na AFA, para promover ainda mais a seleção do país. Grondona entendeu o recado, e nasceu uma nova era: a da seleção como um produto comercial (não muito diferente do que vimos acontecer aqui, no Brasil). A federação passou a ser cada vez mais rica e Grondona, mais influente.

Quando o regime militar caiu, em 1983, muitas pessoas ligadas à ditadura caíram junto. O cartola se manteve intacto.

O Al Capone do futebol argentino

Julio Grondona, falecido dirigente esportivo argentino, em 2009. Foto: Wikipedia.

Grondona seria presidente da AFA literalmente até o dia de sua morte, em 30 de julho de 2014. Durante esse mandato, acumularia controvérsias, a ponto de dizer, em 2011: “nos 32 anos que levo no cargo, tive mais denúncias que Al Capone, mas nunca uma suspensão”.

De fato, ele havia se tornado intocável no comando da federação argentina. Sob sua batuta, a seleção conquistaria seu segundo título mundial, no México, em 1986. Dois anos depois disso, com uma mãozinha de Havelange, ele receberia o título de vice-presidente sênior da FIFA, que também ostentaria até o fim da vida.

Mas as denúncias eram inúmeras, como o próprio reconhecia: em 2001, por exemplo, foi processado por administração fraudulenta. Entre outras questões, estava o superfaturamento de um sistema de câmeras no estádio do Boca Juniors (razão pela qual Mauricio Macri, então presidente do clube, também foi alvo do processo). As investigações não avançaram tanto quanto poderiam e, desde aquela época, suspeita-se que havia gente de dentro da polícia fazendo elas andarem mais lentamente.

Um “socialista”

Em 2010, o Catar foi anunciado como sede da Copa do Mundo de 2022. No ano seguinte, surgiram denúncias vindas da Inglaterra de que alguns dos votantes da FIFA haviam aceitado propina para escolher o país árabe. Os ingleses sugeriam que a escolha das sedes tanto de 2018 quanto de 2022, ocorridas numa mesma eleição, fossem refeitas com mais transparência.

Além disso, Brasil e Argentina se enfrentaram em solo catari pouco antes da eleição, e tanto o cartola argentino como Ricardo Teixeira surgiram como suspeitos de receberem subornos para impulsionar a campanha do país.

Grondona, falastrão como poucos, disse que tinha sim votado no Catar, mas não em troca de dinheiro. Acusando os ingleses de “piratas”, Grondona insinuou que eles estavam apenas magoados por não terem conseguido a Copa de 2018, para a qual haviam concorrido. “Disse a eles que teriam meu voto se nos devolvessem as Malvinas”, afirmou em 2011.

O cartola, que à época já estava à frente das finanças da FIFA, se gabava de sua gestão. Dizia que estava levando o futebol para ainda mais países, “repartindo o dinheiro por todo o mundo”. “Eu pratico o socialismo com dinheiro, que é o que eu gosto. Não o socialismo sem nada, que não serve.”

De forma curiosa e um pouco deprimente, quando morreu Grondona, ficou claro que o “grondonismo” estava longe de acabar. Na eleição da AFA em 2016, dois candidatos concorreram: Luis Segura, seu sucessor, e Marcelo Tinelli, cartola do San Lorenzo. Mesmo com o número ímpar de 75 eleitores, eles terminaram empatados com 38 votos cada.

O cabeça da corrupção da FIFA

Julio Grondona (18 set.1931 – 30 jul. 2014), discursando na FIFA em 2014. Foto: Flickr.

Quase um ano após a morte de Grondona, o dia 27 de maio de 2015 é um marco negativo na história da FIFA: sete dirigentes foram presos durante um congresso em Zurique, na Suíça. Entre eles, três argentinos – Alejando Burzaco e os irmãos Hugo e Mariano Jinkis, e um brasileiro, ninguém menos que José Maria Marin.

Essas prisões foram fruto de uma longa investigação sobre uma ampla corrupção na entidade máxima do futebol. Um esquema de subornos, propinas, fraudes e lavagem de dinheiro nas negociações de direitos de transmissões de diversas competições, marketing e ações de desenvolvimento do esporte era estruturado ao menos desde 1991.

É aí que voltamos, então, ao cartola uruguaio Francisco Casal: todos os argentinos presos eram subordinados a Grondona até a morte do poderoso chefão do futebol local. E eles concordaram em apontar que o falecido dirigente era o grande líder dos esquemas de corrupção, “o chefe da máfia” que havíamos citado.

De acordo com Eladio Rodriguez, que trabalhava no setor de torneios da FIFA, Grondona “cobrava sempre em efetivo os subornos pelos direitos de TV das partidas da seleção argentina, das Eliminatórias para a Copa do Mundo, da Copa Libertadores e da Copa Sul-Americana”. Juan Angel Napout, outro envolvido no esquema, tinha pelo menos 10 milhões de dólares guardados que provinham desses subornos.

Pode ser que todos os demais cartolas tenham combinado entregar a chefia do esquema a um homem morto? É claro. Mas com todo o histórico que envolvia Grondona, não é de se duvidar que os testemunhos são verdadeiros. Da agressão à compra de árbitros e ao antissemitismo, tudo faz parte da biografia do polêmico dirigente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

COPA, Copa Além da. Julio Grondona: o crime organizado na cartolagem. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 40, 2020.
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