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Lancellotti, a Band e o Campeonato Italiano

André Alexandre Guimarães Couto 30 de setembro de 2022

Olá, leitoras(es):

No último dia 13/09, Sílvio Eduardo Lancellotti, mais conhecido como Sílvio Lancellotti, faleceu em São Paulo, vítima de complicações cardíacas aos 78 anos. O jornalista e arquiteto dedicou a carreira à gastronomia, tanto em programas televisivos e colunas impressas sobre este tema como na redação de livros de sua autoria.

Todavia, o que mais nos interessa neste post foi a sua participação como comentarista esportivo na emissora de televisão Band (na época ainda chamada de Bandeirantes). Nos 1980, sem os chamados canais fechados, a emissora inovava em cobrir um dos principais campeonatos nacionais de futebol daquele período: o italiano. Cabe lembrar que não era comum a existência de transmissões do futebol europeu na televisão brasileira. A Rede Globo, durante um período nos anos 1980, transmitia as finais da Liga dos Campeões da Europa, da Copa da UEFA e da Recopa Europeia. A emissora também transmitiu a temporada 1984/1985 do Italiano, mas desistiu da continuidade da cobertura. Segue a chamada da emissora para um jogo importante daquele ano.

A década de 1980 e o início dos anos 1990 foi considerado um dos períodos áureos do campeonato italiano (também conhecido como Série A), capaz de financiar contratações milionárias pelos clubes e transformando a liga local em um show de estrelas deste esporte, captados nos demais centros (europeus e fora deste). O Brasil, por exemplo, cedeu vários jogadores de destaque para a Itália (como Sócrates, Falcão, Zico, Casagrande, Careca, Edinho, Júnior, Cerezo e Alemão), sem falar em outros atletas de menor importância e talento. Era um momento de reorganização do futebol italiano,

Apesar da economia italiana ainda não ter atingido índices globais satisfatórios neste período, não só pelos fatores internos, mas também pela grave crise do petróleo a partir do final dos anos 1970 e início dos 80, a liga italiana (de forma direta ou por meio dos clubes) contou com o patrocínio de muitas empresas multinacionais como a Parmalat, Danone, Colussi (fábrica de alimentos que inclui a marca Misura), Fininvest (proprietária da operadora de investimentos Mediolanum, Barilla, Mars, Opel, ERG, Mita e tantas outras. Cabe lembrar que a própria máfia italiana investia em determinados clubes. Já o governo italiano passara a investir mais no futebol, em especial a partir do final dos anos 80 com a preparação dos estádios para a Copa do Mundo FIFA de 1990.

Ao longo da década de 1980 o futebol neste país tentava superar os escândalos da máfia de resultados que atingira a carreira de craques como Paolo Rossi, por exemplo. E aproveitava esta reestruturação no momento em que outros centros europeus estavam em crise, seja por falta de investimentos vultosos como na Espanha e na Alemanha ou, ainda, pela crise ocasionada pela atuação dos hooligans na Inglaterra.

Desta forma, o produto “campeonato italiano” tornou-se atrativo para parte do mundo interessado em futebol. Negociada pela RAI, empresa estatal italiana, os direitos de transmissão colaboravam para ampliar o alcance do futebol italiano pelo mundo. No Brasil, casava com a intenção da rede de televisão com sede em São Paulo de transmitir uma programação repleta de práticas esportivas no domingo. Era o programa “guarda chuva” Show do Esporte (criado pela parceria de Luciano do Valle com José Francisco Leal), que geralmente ia das 10h às 20h e trazia dois apresentadores (sendo os mais longevos, os jornalistas Elia Júnior, Elys Marina e Simone Melo, dentre outras(os)). A Série A, então, era uma das primeiras atrações e a cobertura do italiano contou com vários narradores e comentaristas ao longo dos anos. Abaixo, segue uma chamada para um jogo da temporada de 1989:

Porém, uma das coberturas mais marcantes foi originada pela dupla “Sílvio” a partir de 1987: o narrador Sílvio Luiz e o comentarista Sílvio Lancellotti. Este último trazia um rol de informações não apenas sobre o campeonato, os clubes, os clássicos nacionais e regionais e os jogadores, mas também sobre a cultura e a gastronomia italiana. Por conta disso, durante um período, a dupla contava com a presença de Giovanni Bruno, chef italiano e proprietário de restaurante radicado em São Paulo (falecido em 2014).

Na hora do almoço de domingo, tinha-se então futebol de boa qualidade técnica, dicas gastronômicas e culturais e muito humor despejado pela forma de narrar de Sílvio Luiz. No final dos anos 1980 e início dos anos 90, as partidas transmitidas uma única vez por semana, sempre neste mesmo horário, transformaram o horário em um momento nobre da programação de domingo, competindo com a líder de audiência, Rede Globo. Abaixo, um trecho da narração de Sílvio Luiz em um jogo de 1992, clássico entre Torino e Juventus, com destaque para os gols de Casagrande:

Aliado a esta cobertura televisiva, jornais impressos passaram a ampliar a cobertura dos jogos, principalmente no que dizia respeito à atuação dos atletas brasileiros. O Jornal dos Sports, por exemplo, cobria atentamente os jogos do final de semana. No início dos anos 1990, álbum e figurinhas da Série A já chegavam ao Brasil em alguns centros urbanos pela empresa Panini, porém ainda de forma importada.

Aliás, as fontes impressas colaboraram diretamente no trabalho de Lancellotti. De acordo com uma entrevista concedida por ele mesmo em 2009 à L&PM Editores, a aproximação com o campeonato italiano só ocorreu por conta de uma pesquisa informal sobre clubes e jogadores no jornal Gazzetta dello Sport. O motivo? Incrementar o jogo de botão de seu filho com dados técnicos e reais dos atletas e equipes italianas. Atitude banal, mas que lhe permitiu que chegasse à bancada da Band com muita informação numa transmissão televisiva, rendendo um contrato de comentarista por alguns anos. Num período sem internet, casualidade, projeção de investimentos e apostas em determinados nomes no jornalismo esportivo televisivos deram à Band um produto que entrava para a história das transmissões do futebol internacional no Brasil.

Referências

ENTREVISTA exclusiva com o jornalista Sílvio Lancellotti, autor de Honra ou Vendetta. Disponível em: https://www.lpm-editores.com.br/site/default.asp?TroncoID=805136&SecaoID=816261&SubsecaoID=0&Template=../artigosnoticias/user_exibir.asp&ID=725438. Acesso em: 20/09/22.

LEAL, Ubiratan. Serie A Italiana anos 1980 e 1990: O melhor campeonato nacional da história. Disponível em: https://trivela.com.br/italia/serie-a/serie-a-italiana-anos-1980-e-1990-o-melhor-campeonato-nacional-da-historia/. Acesso em: 20/09/22.

OLIVEIRA, Nelson. A história dos patrocínios no futebol italiano. Disponível em: https://calciopedia.com.br/2016/06/patrocinios-historicos-futebol-italiano.html. Acesso em: 19/09/22.

 
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André Couto

Professor, historiador, especialista em História do Brasil (UFF) e em Educação Tecnológica (CEFET/RJ) e mestre em História Social (UERJ/FFP). Doutorando em História (UFPR).

Como citar

COUTO, André Alexandre Guimarães. Lancellotti, a Band e o Campeonato Italiano. Ludopédio, São Paulo, v. 159, n. 32, 2022.
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