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Leituras para análise da transmissão do futebol alagoano

Este é o segundo texto da discussão inicial realizada para o desenvolvimento do projeto de pesquisa de iniciação científica (Pibic 2022-2023/UFAL) “A importância da transmissão audiovisual do Campeonato Alagoano de futebol masculino (2007-2023): padrões tecnoestéticos e incentivo ao torcer a times locais” – veja o primeiro AQUI

Trata-se da fase inicial do plano de trabalho 1, “A importância simbólica da transmissão audiovisual do Campeonato Alagoano de Futebol masculino: análise dos padrões tecno-estético das finais de 2007 a 2023”. 

Fez-se nos primeiros dois meses a leitura de três textos: “A fase da multiplicidade da oferta na indústria cultural e no futebol” (SANTOS; MARIA, 2014); “As barreiras à entrada dos processos televisivos” (BRITTOS, 2005); e, “O ‘Padrão Globo de Jornalismo Esportivo’ dez anos depois: problematizando um consenso” (TELLES, 2020). 

Conforme essa divisão, que segue o método de abordagem dedutivo, o foco de leituras partiu da relação do futebol com a Indústria Cultural no capitalismo contemporâneo (após a década de 1970) e seguiu até a discussão das barreiras à entrada neste mercado, conforme a Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (EPC) do Brasil, chegando à discussão clássica sobre o padrão de cobertura esportiva. 

Apresenta-se a seguir fichamento de comentário a partir de cada um dos textos, concluindo com a relação entre eles e a importância no desenvolvimento do plano de trabalho. 

Fase da multiplicidade da oferta no futebol 

A abordagem de Santos e Maria (2014) parte de um recorte histórico, considerando momentos específicos da década de 1970 em diante. Os autores seguem uma linha teórica que compreende a partir daí uma fase de considerável extensão da mercantilização para responder à crise do capitalismo e do modelo de acumulação demonstrada nos anos 1960.  O futebol, enquanto elemento cultural, não ficou distante disso. 

Santos e Maria (2014) trazem como fato relevante para o futebol quando o brasileiro João Havelange assumiu o comando da FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado), em 1974. Houve uma série de parcerias para que o esporte superasse obstáculos e gerasse mais lucro para os envolvidos com ele. “Havelange mostrou a importância simbólica de ligar as marcas das empresas a eventos direcionados aos sentimentos nacionalistas, de forma a explorá-los comercialmente, com parcerias com fortes empresas mundiais, como Adidas e Coca-Cola” (SANTOS; MARIA, 2014, p. 52). 

A espacialização do futebol vai se instensificar com o desenvolvimento da Indústria Cultural, que, conforme divisão histórica do audiovisual proposta por Brittos (2010 apud SANTOS; MARIA, 2014), vive a partir dos anos 1990 uma expansão das possibilidades da transmissão audiovisual. Dentre elas, a TV por assinatura e os modelos de subscrição de forma geral, o pay-per-view – a exemplo do Premiere, criado no final da década de 1990 para os jogos do Brasileirão, em que é preciso pagar para poder acompanhar os jogos. 

Os veículos de comunicação usam o futebol como principal guia para a concretização da mercantilização, de maneira a atrair telespectadores e comercializar em maiores valores os seus espaços na programação para publicidade. Além disso, é um programa importante para atrair clientes para os canais pagos. 

A partir disso, Santos e Maria (2014) falam que as mudanças que ocorrem no sistema capitalista fazem com que o futebol passe por uma metamorfose. A abertura do mercado futebolístico e da regulação sobre a mídia fazem com que o capital estrangeiro domine ambos cada vez mais. 

Os autores ressaltam bem que, a partir desse processo, o futebol dificilmente viveria sem a transmissão audiovisual, enquanto que a empresa midiática até vive sem o futebol, como mostram vários grupos midiáticos nacionais quando não tiveram torneios transmitidos. 

Entretanto, como visto no texto, trata-se de um programa muito importante na disputa concorrencial deste mercado. 

Barreiras à entrada no mercado comunicacional 

Para a discussão sobre concorrência, chegamos à leitura do artigo de Brittos (2005). A partir da EPC, considera que o tipo de mercado capitalista contemporâneo é o oligopólio, ou seja, em que um conjunto de empresas ocupam um determinado mercado e disputam a liderança. 

Para um agente se tornar líder, estabelece barreiras à entrada para que os outros agentes não consigam atuar no seu mercado de atuação. Assim, há impedimentos para ninguém mexer na sua liderança, de maneira ainda que não se tenha novos entrantes. 

Brittos (2005) descreve algumas potenciais fontes de barreiras à entrada de maneira geral. Dentre elas, cita os custos irrecuperáveis. Sobre isso, no caso da transmissão de um jogo, compreendemos que é necessário um alto custo, pois precisa ter, pelo menos, duas câmeras de qualidade e internet de qualidade, ou transmissão via satélite, para que a imagem se torne perfeita para o telespectador. 

Existe a possibilidade da transmissão de um jogo sem custos irrecuperáveis. Quando é transmitida pela organizadora do torneio, a emissora só projeta o vídeo e caso não tenha qualidade o narrador já se justifica. 

Outra fonte de barreira indica pelo autor é o custo de troca. Neste caso, podemos exemplificar quando a transmissão da Copa Libertadores da América passou da Rede Globo para o SBT, de meados de 2020 a 2022. 

Muito gente criticou a emissora de Silvio Santos por causa da apresentação e da narração. A Globo criou uma marca de produzir futebol e quando acontece essa troca o consumidor sente a diferença. Dentre outras coisas, via-se na internet comentários como “Podem falar o que quiser, mas a mamãe Globo dá aula em tudo o que produz. Não tem jeito”. Essa mudança gerou um grande impacto e foi motivo de polêmica para o telespectador. 

A partir dos estudos econômicos heterodoxos, Brittos (2005) desenvolve uma tipologia básica para analisar as barreiras de mercado televisivo: estético-produtiva, que se refere aos fatores que diferenciam um produto, no caso de um produto de bem simbólico; e a político-institucional, que se refere às leis ou decisões políticas sobre esse mercado. 

Interessa a este plano de trabalho do projeto o primeiro tipo. As barreiras estético-produtivas dependem de elementos diferenciais esteticamente, o que pode incluir até técnicas de marketing e de publicidade para ter o reconhecimento da marca no mercado. A partir disso, o consumidor a escolhe como a sua preferência. Por isso é necessário criar estratégias para agradar os espectadores para ele continuar assistindo o veículo de comunicação. 

O texto cita dois autores, Lasagnie e Richeri (1996 apud BRITTOS, 2005), para tratar de situações específicas sobre conteúdo na transmissão. Resumindo alguns pontos, que o consumidor escolhe aquele conteúdo audiovisual por qualidades como: “diversidade, relação entre conteúdo e realidade, excelência nos aspectos formais, relevância temática, impacto no público, ética na relação com o telespectador, sucesso econômico, identidade e maneiras de representação dos gêneros e da violência” (BRITTOS, 2005, p. 83). 

Portanto, a diversidade de conteúdo e a qualidade na transmissão são importantes para aumento na audiência. Com isso, barreiras à entrada são criadas pelos grandes líderes do mercado, dificultando, deste modo, a concretização de novas empresas. 

Padrão Globo de cobertura esportiva 

Qual o modelo audiovisual de cobertura esportiva no Brasil? Para isso, chegamos ao terceiro texto, em que Telles (2020) discute o “Padrão Globo de Jornalismo Esportivo”. 

A escrita do artigo se dá para tratar do Globo Esporte, principal programa esportivo da Rede Globo, que passou por mudanças na sua forma de apresentação com a chegada do apresentador Tiago Leifert, em 2009, em São Paulo.  

Houve uma quebra dos padrões vigentes até então na emissora para o jornalismo esportivo, com muita publicação de artigos científicos considerando que o programa passou do jornalismo para o entretenimento 

Essa mudança de Leifert como editor-chefe do programa gerou muitas discussões, porque muita gente passou a acompanhar o programa, mas, por outro lado, muita gente odiou a forma como era apresentado. 

Telles (2020) vai de encontro à essa perspectiva, pois considera que no esporte não haveria obstáculo para informação e entretenimento, por que no esporte há entretenimento e lazer, logo, não deveria existir contradição desses dois elementos.  

Leifert
Fonte: divulgação

Considerações finais 

A importância da observação desses aspectos nos três textos se dá porque no projeto de pesquisa vamos analisar a barreira estético-produtiva, ou seja, como o telespectador é captado para se tornar fiel e, consequentemente, consumir o produto toda a vez que sentir necessidade. Discutir como isso é feito no caso do futebol, a partir dos estudos já realizados e de discussão prévia sobre o entretenimento, é fundamental. 

Compreende-se que para analisar e compreender os replays, VTs, melhores momentos, a reação do torcedor, entre outras coisas, é preciso entender toda a composição audiovisual envolvida para atrair o público. Caso bem alicerçada, vira barreira à entrada, um padrão a ser usado, independentemente do campeonato mostrado. 

Referências bibliográficas  

BRITTOS, V. C. As barreiras à entrada dos processos televisivos. Diálogos Possíveis, Salvador, v. 4, n. 1, p. 75-87, 2005. 

SANTOS, A. D. G; MARIA, D. B. A fase da multiplicidade da oferta na indústria cultural e no futebol. Mediação, Belo Horizonte, v. 16, n. 18, p. 46-60, jan./jun. 2014. 

TELLES, M. O “Padrão Globo de Jornalismo Esportivo” dez anos depois: problematizando um consenso. FuLiA, v. 5, n. 1, p. 96-118, 2020.   

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

SANTOS, Anderson David Gomes dos; SILVA, Matheus Inácio Soares. Leituras para análise da transmissão do futebol alagoano. Ludopédio, São Paulo, v. 162, n. 20, 2022.
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