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A Libertadores e o sentimento latino no brasileiro

João Pedro Sampaio 19 de outubro de 2016

O dia era 27 de Junho de 2016. A maior competição de clubes da América iria coroar o time mais forte do continente, porém o cenário era peculiar: Não se tratava de uma disputa de um gigante argentino contra uma potência brasileira, nem de um time mais tradicional uruguaio, mas sim um outro gigante, colombiano, obcecado pela sua segunda conquista, com um futebol vistoso apresentado pelo Professor Rueda, contra um modesto equatoriano, cujo sua torcida jamais imaginaria que chegaria tão longe no sonho da copa, um azarão de uma história das histórias mais belas que somente o futebol é capaz de criar, um duelo que transformou a cidade de Medellín, sua população respirava a final, as ruas eram tomadas pelos “verdolagas”, e que foi testemunhado por um Atanasio Girardot na apoteose do futebol, um estádio que pulsava, com uma festa que só a Libertadores é capaz de proporcionar: Uma torcida popular, apaixonada, alentando a todo momento, mesmo vivendo a tensão do resultado apertado, da indefinição, já que apenas um gol separava o Independiente del Valle de uma possível prorrogação, mas que chegou ao alívio e a volta gloriosa ao topo da América depois de 27 anos.

Enquanto isso, no Brasil, no mesmo dia, pouco se comentava sobre a grande decisão. Não foi dada a devida importância de uma das finais mais especiais dos últimos anos, sem grandes debates, não tendo transmissão de TV aberta, era como se este jogo nem existisse, o que se torna curioso se pensarmos na importância que os torcedores brasileiros dão a conquista do seu time neste torneio.

QUITO / ECUADOR / 06.04.2016 Atlético x Independiente Dell Vale no estádio Rumiñahui - Copa Libertadores 2016 - foto: Bruno Cantini/Atlético MG
Jogador do Independiente Dell Vale aplica uma bicicleta na partida contra o Atlético Mineiro no estádio Rumiñahui pela Copa Libertadores 2016. Foto: Bruno Cantini/Clube Atlético Mineiro.

Vale também ressaltar que o título da Libertadores por um time brasileiro muitas vezes não parece ser suficiente para muitos, como se este só fosse completo se viesse acompanhado por um título no Mundial de Clubes, como no caso do Palmeiras, que é alvo de provocações por não ser campeão mundial, mesmo com uma conquista épica continental, consagrando o “São Marcos”, pois estes entendem que ganhar de um time europeu, mesmo que seja apenas um jogo, vale muito mais do que ganhar de diversas equipes tradicionais do nosso continente. Esta percepção se mostra mais clara muita vezes em comentários de torcedores e da própria imprensa, quando um time brasileiro vai tão bem, que “deveria estar jogando na Champions League”.

O assunto Libertadores explodiu recentemente, com as mudanças propostas pelos dirigentes da CONMEBOL, que prolongam a competição por uma temporada inteira, de fevereiro até novembro, aumentando o número de times e transformando a final em jogo único, este último o maior motivo de revolta, de fato justa, da maioria de torcedores e especialistas. O futebol sul americano possui a sua essência, demonstrada com grande clareza na final de sua última edição, falar que este duelo em um campo neutro seria completamente deteriorado e perdendo grande parte de sua magia é de total acordo no geral, nem tudo que vem da Europa deve ser implementado nos nossos campos.

Mas a maior reflexão neste caso é: Por que o sentimento de identificação latina só se faz presente no brasileiro quando há um interesse envolvido? Ao mesmo tempo que elogiamos espetáculos promovidos nas canchas do nosso continente, com as torcidas alentando a todo momento, possuímos também um sentimento de superioridade em relação aos nossos co-irmãos, menosprezando a história riquíssima de clubes como o Atlético Nacional, campeão histórico, como se a sua final fosse um jogo de times mais fraco do que o de costume, ignorando muitas vezes o restante da competição quando não há mais clubes daqui presentes. A arrogância neste caso é tão presente que se argumenta que, nas décadas de 70, 80, os brasileiros não ganhavam a competição porque “não tinham interesse na época”, ignorando potências da época como o Independiente “rey de copas”, Peñarol, entre outros.

O Atlético Mineiro foi o último clube brasileiro a ser campeão da Libertadores da América em 2013. Foto: Bruno Cantini/Clube Atlético Mineiro.

A prepotência brasileira perante os povos vizinhos é um mal que faz com que aumente uma distância da nossa relação com os hermanos, não vivemos o espetáculo da Libertadores como uma festa popular de toda a América latina unida, apenas enxergamos a competição como um meio de fortalecer nossas equipes no cenário internacional, fala-se muito em “internacionalização da marca no exterior”, mas sempre de maneira muito egoísta, não procuramos saber sobre o futebol jogado na Argentina, no Uruguai, no Chile, na Colômbia, mesmo que estes estejam se consagrando cada vez mais na competição. O futebol latino americano pode vir a ter boa parte de sua alma mutilada com uma final em um jogo único, mas no Brasil, nunca sentiremos essa pedrada de maneira tão forte pela falta de ligação com este.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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João Pedro Sampaio

Bacharel em direito pela PUC-Rio, apaixonado por futebol, na busca constante de um olhar mais crítico e um maior conhecimento do esporte que mexe com os mais diversos sentimentos de uma pessoa.

Como citar

SAMPAIO, João Pedro. A Libertadores e o sentimento latino no brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 88, n. 8, 2016.
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