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Lições do Choque-Rei

Marcos Teixeira 15 de março de 2017

Quando subiu ao gramado do Allianz Parque para a disputa do primeiro Choque-Rei como treinador, Rogério Ceni carregava consigo marcas importantes: o adversário era, ao lado do outro Palestra Itália, o de Minas Gerais, o time que mais gols tinha tomado do goleiro que mais tentos marcou na história do futebol. O clássico colocava, frente a frente, dois jovens técnicos com perfil de estudiosos e cuja juventude pesava de maneiras opostas. Se Rogério, pela trajetória percorrida com a camisa do São Paulo, clube que defendeu por mais de um quarto de século, já era tido pela sua torcida – e parte da crônica – como o nome definitivo para recolocar o Tricolor no caminho das glórias, Eduardo Baptista, pelo pouco tempo de experiência e pela falta de grandes trabalhos por grandes clubes no currículo – uma passagem sem muito brilho pelo Fluminense -, ainda carregava consigo a pecha da desconfiança da torcida – e de parte da imprensa – de que poderia sim comandar um time com a dimensão do Palmeiras com seu estrelado elenco.

Ceni não tinha seu principal jogador neste início de temporada, o peruano Cueva, ao passo que Baptista poupara alguns jogadores por causa da carga de jogos, como os laterais Zé Roberto e Jean, além de Felipe Melo, suspenso. Para render o atacante, o jovem técnico resolveu bancar o sistema de jogo que transformou o São Paulo numa máquina de fazer gols, embora dando calafrios pela instabilidade apresentada por uma defesa mal protegida para o seu péssimo momento técnico. Assim, deslocou Thiago Mendes para fazer o papel de Cueva. Acreditava que, com a ambivalência de Cícero para municiar o ataque e ajudar na marcação, seriam suficientes três jogadores pelo setor (mesmo que nenhum fosse um armador por excelência), onde completavam a trinca de trincos João Schmidt e Jucilei.

Só que o Palmeiras tinha a volta de Tchê Tchê, o faz tudo do time. E isso, aliado às péssimas escolhas do comandante tricolor ao longo do jogo, além das já costumeiras falhas individuais na defesa, foram a causa da acachapante vitória do lado verde do clássico.

Com Thiago Mendes na esquerda do ataque, Ceni perdeu, de uma só vez, um volante que saía com facilidade para romper as linhas adversárias com boa chegada à frente, e o atacante Luiz Araújo, voando na temporada, pois teria que buscar jogo mais atrás simplesmente porque a bola não chegava limpa para ele ir para dentro dos seus marcadores. Ele, que acabou de renovar seu contrato até 2021, precisa ser acionado perto da área, não funciona se tiver que construir suas jogadas a partir da intermediária contrária, salvo contra defesas desarrumadas e desprotegidas, o que, definitivamente, não é caso do Palmeiras.

Mesmo assim, o primeiro tempo foi transcorreu sem maiores problemas até último minuto, o que não significa que tenha sido uma boa partida. Pelo contrário, era um jogo mequetrefe, tenso como todo clássico (mais para violento), com raríssimas chances de gol de lado a lado. Até que Douglas foi sair jogando com Buffarini.

Eduardo Baptista sabia que o São Paulo tentaria sair jogando com a bola dominada a partir do campo de defesa, e ordenou que a saída de bola fosse marcada, sem deixar mais de um jogador adversário livre, que era quem recebia a bola para começar a jogada próximo da própria área. Dudu percebera que, pela opção de buscar o jogo coletivo ainda no campo de defesa, Denis jogaria mais adiantado para ser mais uma opção de passe. Numa dessas saídas de bola, já aos 45 minutos de uma etapa que teria apenas mais um, todos os jogadores no campo defensivo do São Paulo estavam marcados, mas Douglas preferiu acionar Buffarini na fogueira a rifar a bola no ataque, onde Pratto não estava porque aguardava para retornar após atendimento médico.

O técnico Eduardo Baptista, da SE Palmeiras, em jogo contra a equipe do São Paulo FC, durante partida válida pela oitava rodada, do Campeonato Paulista, Série A1, na Arena Allianz Parque.
O técnico Eduardo Baptista, do Palmeiras, em jogo contra a equipe do São Paulo, durante partida válida pela oitava rodada, do Campeonato Paulista, na Arena Allianz Parque. Foto: Cesar greco/Ag Palmeiras/Divulgação.

O detalhe é que, quando o argentino perde a bola para Egídio, ele está a poucos metros de Rogério, que assistia à desastrosa sequência de erros sem esboçar reação alguma, pois imaginava ser o melhor a ser feito.

Depois do jogo, na coletiva, ele explicou a substituição de Jucilei, escolhido para sair no intervalo para que Wellington Nem ocupasse a vaga no ataque, no lugar de Thiago Mendes, recuado à cabeça-de-área. Foi seu segundo erro: ao tirar Jucilei, seu melhor marcador, Rogério deixou uma defesa já fragilizada sem seu protetor, uma vez que João Schmidt não possui a mesma volúpia do antigo jogador do Corinthians. Aí o Palmeiras, com seu meio-de-campo marcando na intermediária contrária, terminou de engolir o São Paulo. Se Cícero encontrava dificuldades para começar os movimentos ofensivos, Tchê Tchê passeava livre pelo meio e chegava à frente, e foi assim que o time do Morumbi minguou e o verde praticamente matou o jogo, com o segundo gol anotado pelo ex-jogador do Audax.

Sem conseguir marcar ou criar, Ceni sacou outro volante e colocou um meia, Lucas Fernandes, cometendo assim seu terceiro equívoco. Nem deu tempo para entender o que queria o treinador e Guerra ampliou o placar. Só aí Rogério tirou um homem de frente e reforçou a marcação, o que talvez tenha evitado um placar mais dilatado.

Na coletiva Rogério explicou o posicionamento de Denis no gol que tomou de cobertura e a opção por tirar seu melhor marcador no intervalo. O primeiro trata-se de estilo de jogo, o que vinha dando certo até aqui e que, como qualquer outro sistema, tem suas falhas. O segundo foi um erro de estratégia. Rogério Ceni sabia que tiraria um dos volantes no intervalo e, perdendo por 1 a 0, optou pelo menos criativo, mas deixou em campo o que pior marcava, num momento em que teria de ter percebido que a inferioridade numérica no meio-de-campo poderia ser fatal, como foi.

Outro erro grave foi o de optar por um sistema de jogo com três atacantes e três jogadores apenas no meio, mesmo setor onde o Palmeiras, pelas características dos jogadores escalados, concentraria suas ações de jogo. E o último, quando a vaca já tinha deitado, foi demorar para recompor a marcação.

Rogério tem inovado com treinos diferentes do habitual. Fez estágio com o argentino Sampaoli na Europa e trouxe ideias que, tudo indica, vão oxigenar o tão atrasado futebol brasileiro, mas mesmo com a extensa bagagem de campo, ainda lhe falta vivência na beira do gramado. O tempo lhe proporcionará uma melhor leitura das partidas e, se fizer o certo, vai usar este tropeço acachapante como modelo a não ser reeditado nunca mais, tantas que foram suas escolhas erradas.

Vitórias como as conquistadas com autoridade, no início do campeonato, e derrotas em que nada deu certo, não servem como parâmetros, pois um caso esconde e o outro potencializa os erros.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. Lições do Choque-Rei. Ludopédio, São Paulo, v. 93, n. 16, 2017.
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