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Los Angeles 1932 – Uma saga olímpica para driblar a crise

Paulinho Oliveira 1 de abril de 2021
Itaquicê
O Itaquicê, navio que transportou a delegação brasileira aos Jogos de Los Angeles 1932. Os atletas, além de treinarem dentro da belonave, tinham de vender café em cada porto, para custear a estadia na Califórnia. Não conseguiram, e a aventura virou uma epopeia inglória para os brasileiros. Foto: Reprodução/ACERJ

Sábado, 25 de junho de 1932, cais do porto do Rio de Janeiro, Brasil. 82 atletas (sendo apenas uma mulher, a nadadora paulista Maria Lenk) embarcavam no navio a vapor Itaquicê, da Companhia Nacional de Navegação Costeira, embalados pelo sonho de disputar os Jogos Olímpicos de Los Angeles. A partir daquela data, começava uma contagem regressiva de 35 dias até 30 de julho, data da cerimônia de abertura. Desde fevereiro, os jornais noticiavam que a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), entidade que geria todo o esporte brasileiro, conseguira resolver o problema do transporte dos atletas olímpicos, com o fretamento do Itaquicê. A imprensa da época depositava ínfimas esperanças de vitória. Uma delas era em Maria Lenk, cujas marcas nos 200 metros peito e 200 metros costas eram bem próximas às das grandes nadadoras mundiais daquele tempo. A outra era na seleção brasileira de polo aquático, saudada como vitoriosa em diversos confrontos com países vizinhos como Argentina, Uruguai e Chile.

O sonho olímpico brasileiro contava com o apoio, ao menos verbal, de Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório da Revolução, que, no entanto, tinha, dentre tantos problemas a resolver, um que se mostrava urgente. O Brasil, país subdesenvolvido e ainda predominantemente agrícola, era, apesar da pobreza extrema da maioria de seu povo, o maior produtor mundial de café desde a segunda metade do Século XIX. Com uma economia frágil, praticamente dependente apenas do chamado “ouro negro”, o país foi um dos mais atingidos pela Crise de 1929, um fenômeno devastador para o capitalismo internacional que começara com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 29 de outubro de 1929 – dia que entraria para a posteridade como Black Tuesday (Terça-Feira Negra). Como os Estados Unidos e outros países que costumavam comprar o café brasileiro não tinham mais reservas para tanto, milhares de sacas se acumulavam nos depósitos. Muita oferta com pouca demanda resultou em queda dos preços do produto, e isso tornou a já catastrófica situação da economia do Brasil ainda mais dramática. A solução encontrada pelo governo foi mandar queimar as sacas de café estocadas, na tentativa de, ao diminuir o estoque, forçar o aumento dos preços do principal item de exportação brasileiro, mas a saída não se revelava suficiente para debelar os efeitos da Grande Depressão.

Era exatamente esse contexto o vivido pelos atletas brasileiros que embarcaram no Itaquicê naquele fim de junho de 1932. O destino final da embarcação não era exatamente Los Angeles, mas San Francisco, cidade também localizada no estado norte-americano da Califórnia. Quanto aos atletas brasileiros, viajariam sem saber ao certo se conseguiriam participar dos Jogos de Los Angeles, pois, para tanto, precisariam arrecadar fundos, já que o governo de Getúlio Vargas não dispunha de numerário para financiar a epopeia olímpica. A determinação era de que cada atleta brasileiro se convertesse em vendedor de sacas de café – o navio transportava cerca de 55 mil delas. Além disso, o Itaquicê deveria atravessar o Canal do Panamá sem pagar qualquer taxa – para tanto, seria transformado em um navio de guerra que não era, pois embarcações dessa natureza não eram objeto de tarifas alfandegárias no canal (que, à época, era administrado pelos Estados Unidos). Nenhuma das duas estratégias, porém, deu certo: as sacas de café não foram vendidas, e as autoridades norte-americanas descobriram, no Panamá, a farsa do “vaso de guerra”. O Brasil foi obrigado a pagar 4,5 mil dólares. A espera pelo depósito da taxa pelo governo brasileiro atrasou ainda mais a já longa e extenuante viagem para Los Angeles.

Quando finalmente chegaram no porto de San Pedro, os organizadores daquela via-crúcis se deram conta de que o dinheiro que traziam consigo não era o suficiente para que todos os 82 atletas pudessem desembarcar na cidade-sede dos Jogos de 1932. Foi feita uma seleção aleatória, e 15 atletas acabaram permanecendo no Itaquicê. Os demais 67 que conseguiram competir não conquistaram qualquer medalha, mas alguns colecionaram feitos heróicos: Maria Lenk (que disputou as provas dos 100 metros nado livre, 100 metros costas e 200 metros peito) se tornou a primeira sul-americana a participar de uma olimpíada, enquanto Adalberto Cardoso (finalista dos 10 mil metros) foi chamado pela imprensa norte-americana de Iron Man (Homem de Ferro), depois de completar a prova mesmo cansado de uma viagem de 600 quilômetros de San Francisco (para onde fora a bordo do Itaquicê após ser descartado de embarcar na sede olímpica) até Los Angeles.

A Grande Depressão e o desafio olímpico de um país de desempregados

Enquanto o sonho olímpico embalava a Califórnia, no outro lado dos Estados Unidos, em Washington, uma grande manifestação com a presença de mais de 43 mil pessoas, sendo 17 mil veteranos da Primeira Guerra Mundial, reivindicava o pagamento de bônus financeiro pela participação no confronto. Caravanas vieram de todas as regiões do país, mobilizadas em torno das Forças Expedicionárias dos Bônus (BEF), que se tornariam conhecidos como Exército do Bônus (Bonus Army). A Casa dos Representantes (câmara baixa do Capitólio, a sede do Legislativo norte-americano) chegou a aprovar uma lei de autoria do deputado democrata Wright Patman que concedia bônus a todos os veteranos, retroativos à data da entrada dos Estados Unidos na guerra. O Senado, todavia, mesmo com a pressão do Bonus Army, vetou a lei, por 62 a 18.

Em 28 de julho de 1932 – dois dias antes da abertura dos Jogos de Los Angeles –, o presidente republicano Herbert Hoover determinou a evacuação dos manifestantes, que se deu com muita truculência, com o uso de pesada cavalaria, tanques de guerra, armas de fogo e gás lacrimogêneo. Pelo menos dois veteranos morreram e mais de mil manifestantes ficaram feridos. As ordens de Hoover foram executadas sob o comando de três personagens que, anos mais tarde, seriam protagonistas da Segunda Guerra Mundial: o general Douglas MacArthur (um dos maiores comandantes das forças aliadas), o major George Patton (que seria general também durante a Segunda Guerra) e o major Dwight Eisenhower (futuro comandante supremo das forças aliadas e presidente dos Estados Unidos entre 1953 e 1961).

Hooverville
Nas cercanias de Washington, uma “Hooverville”, favela com casas de madeira e pessoas vivendo em condição subumana, em 1932. Foto: The Great Depression in Washington State Project/ University of Washington in Seattle

Os manifestantes do Bonus Army, seus familiares e simpatizantes acamparam nas proximidades do Rio Anacostia, perto de Washington, em um amontoado de barracos e tendas que formavam verdadeiras favelas, conhecidas pelo apelido de “Hoovervilles”, em uma crítica aberta a Herbert Hoover, cujo governo começara em 4 de março de 1929, pouco mais de sete meses antes da quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Pelo fato de ser o presidente quando estourou a crise que causou a Grande Depressão (a qual duraria até meados dos anos 1930), Hoover se tornaria odiado pela grande maioria dos norte-americanos até o final de seu mandato, em 4 de março de 1933, a ponto de não se dar ao trabalho de comparecer à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1932, em 30 de julho, no Los Angeles Memorial Coliseum – estádio que fora inaugurado, em 1º de maio de 1923, justamente como uma homenagem aos veteranos da Primeira Guerra Mundial.

Quando Los Angeles fora escolhida como sede olímpica em abril de 1923 – durante a 21ª Sessão do COI, em Roma (Itália) –, a realidade dos Estados Unidos era bem diferente daquela que viveria nove anos depois. O país vivia um espetacular surto de crescimento econômico e prosperidade, tendo sido a única das potências mundiais vencedoras da Primeira Guerra que enriquecera. Os chamados Roaring Twenties (Loucos Anos Vinte) foram uma época em que o PIB norte-americano crescera de 72,4 bilhões de dólares em 1919 para 104 bilhões de dólares dez anos mais tarde. De 16% dos lares estadunidenses com energia elétrica em 1912, esse contingente passaria a ser de 63% em 1927. Mais e mais pessoas poderiam comprar automóveis, a preços cada vez mais baixos: um Ford T que custava 805 dólares em 1908 passara a ter preço de 290 dólares em 1925. Era um tempo de consumo, de ascensão da classe média para padrões de luxo. Viajar de avião, por exemplo, era um prazer mais acessível do que no início do século, de modo que, no final da década de 1920, cerca de 500 mil norte-americanos por ano cruzavam os céus como passageiros de aeronaves comerciais. Geladeiras, gramofones, aparelhos de rádio e telefones passaram a ser uma realidade para muitos que antes viam esses produtos como artigos acessíveis apenas aos mais endinheirados. Parecia uma economia pujante, mas, no fundo, suas estruturas eram frágeis, como se revelaria anos mais tarde.

O sonho americano da época era turbinado pela ilusão de que, adquirindo bônus do governo com a promessa de lucros futuros, qualquer pessoa poderia ficar rica. Em seguida, empresas de capital privado, como a fabricante de automóveis General Motors ou a Radio Corporation of America (RCA), também passaram a emitir esses títulos, convertidos em ações na Bolsa de Valores de Nova York, cujos preços subiam à medida que aumentava a procura por essa maneira rápida de auferir riqueza. A febre das ações pode ser comparada à corrida do ouro para a Califórnia na segunda metade do Século XIX, quando a região ao redor de Los Angeles começara a receber mais e mais pessoas movidas pelo desejo de prosperidade à custa de valiosas pepitas de ouro que estariam escondidas por aquela região. Nessa nova “corrida do ouro” rumo ao enriquecimento rápido com ações na bolsa, não se pedia que fosse um especulador profissional, e qualquer amador, como um motorista ou um engraxate, era levado a crer que tinha a possibilidade de se tornar milionário da noite para o dia.

A imensa prosperidade dos Estados Unidos pós-guerra atraiu imigrantes, o que fez com que a população inchasse. Em 1904, época dos Jogos de Saint Louis, o país tinha pouco mais de 82 milhões de habitantes; já em 1932, a população norte-americana chegava próxima à casa dos 125 milhões. Ou seja, em 28 anos, eram 43 milhões de pessoas a mais, um crescimento superior a 50% e um aumento médio de 1,5 milhão de habitantes por ano. Um dos maiores incrementos populacionais entre as cidades dos Estados Unidos se deu justamente na sede dos Jogos Olímpicos de 1932: de uma população de 102 mil habitantes em 1900, Los Angeles contava com 1,2 milhão de pessoas em 1930, um crescimento superior a 1.000%. O clima de euforia e prosperidade ajudava até mesmo no estabelecimento da hegemonia política do Partido Republicano. Desde Theodore Roosevelt (1901-1909) até Herbert Hoover (1929-1933), o GOP ganhou todas as eleições, com exceção das de 1912 e 1916, vencidas pelo democrata Woodrow Wilson (1913-1921). Na última delas antes de Los Angeles 1932, realizada em 6 de novembro de 1928, Hoover (um milionário que disputava pela primeira vez na vida um cargo eletivo) ganhou com bastante folga, vencendo com 444 delegados, contra apenas 87 conquistados pelo seu principal opositor, o democrata Al Smith. Em sua posse, em 4 de março de 1929, o novo presidente prometeu mais quatro anos de prosperidade para os norte-americanos.

Fila de desempregados
Fila de desempregados e famintos à procura de comida grátis em Nova York. A partir de 1929 e até meados dos anos 1930, esta era a imagem predominante nos Estados Unidos. A crise atingiu o mundo inteiro. Foto: Wikimedia

Tudo, porém, desmoronou, quando, na terça-feira, 29 de outubro de 1929, 14 bilhões de dólares foram perdidos na Bolsa de Valores de Nova York, e a queda livre nas ações continuou nos três dias seguintes. Investidores – profissionais ou amadores, mas principalmente estes – que haviam confiado no mercado de ações todas as suas economias, esperando prosperidade e riqueza, de repente se viam na miséria absoluta. Pelo menos 11 investidores de Wall Street (a rua onde se situa a Bolsa de Valores de Nova York) cometeram suicídio. Ações da US Steel – uma das grandes companhias produtoras de aço dos Estados Unidos – despencaram de forma tal que o preço de uma ação, que custava 262 dólares em 1929, passou a valer apenas 22 dólares em 1932. A empresa tinha 225 mil empregados em 1929; três anos depois, a força de trabalho era reduzida a zero. Já a Ford Motor Company, que contava com 128 mil empregados em 1929, passou a ter 37 mil funcionários em 1931, uma redução de praticamente três quartos. Em todo o país, o número de desempregados crescera de forma dramática, passando de 3,14% da população economicamente ativa em 1929 para 23,53% em 1932 – o que equivalia a mais de 15 milhões de norte-americanos. A situação era ainda mais grave para mulheres, negros e imigrantes, já que as poucas vagas que surgiam eram preenchidas preferencialmente por homens, brancos e estadunidenses natos – inclusive para faxineiros e porteiros, por exemplo, ocupações tradicionalmente preenchidas por negros. Imaginemos, então, a situação da mulher negra: como a classe média, com menos recursos financeiros, não podia mais dispor de empregadas domésticas, o índice de desemprego das cidadãs norte-americanas de cor escura se tornava ainda maior. Para muitas delas, a prostituição acabou sendo a única saída para sustentar suas famílias.

A Grande Depressão ainda hoje é objeto de estudos na academia, não só nos Estados Unidos. A explicação mais corrente para a quebra da Bolsa de Valores de Nova York é a de que a crise, antes de mais nada, era de produção. Como o mercado de ações passou a ser o motor da economia norte-americana, mais até do que a indústria, a ilusão da prosperidade fazia com que se buscasse, cada vez mais, satisfazer a sede de consumo. Os bancos emprestavam cada vez maiores somas de dinheiro a pessoas que tinham certeza absoluta de que pagariam os empréstimos, pois nada fazia crer que daria algo errado na aparentemente robusta economia norte-americana. Quando a bolha estourou, e as pessoas se viram perdendo tudo o que investiram em ações, a inadimplência cresceu, causando a falência de milhares de bancos pelo país – especialmente pela corrida desesperada de clientes para sacar o pouco que lhes restava depositado. Com menos dinheiro circulando, aquilo que havia sido produzido não foi comprado e permaneceu em estoque. A diminuição da produção industrial foi o motor da elevação do índice de desemprego e, consequentemente, da pobreza – que foi mais cruel com quem já não tinha muitos recursos materiais antes da crise, como 6 milhões de famílias (correspondentes a 42% da população) que viviam, na década de 1920, com menos de mil dólares por ano, em condições precárias de moradia.

Os Jogos de Los Angeles: ostentação em tempo de crise

A Califórnia, como todo o país, não ficou alheia aos efeitos da Grande Depressão, com grandes empresas ali sediadas abrindo falência. No entanto, a indústria cinematográfica de Hollywood – àquela altura já de considerável importância – movimentava grandes somas de dinheiro e aliviava os efeitos da crise, especialmente na cidade de Los Angeles, que permanecia com uma economia relativamente ativa, um oásis naqueles tempos difíceis nos Estados Unidos. O resultado foi a atração de migrantes de várias partes do país: nos anos mais difíceis da Grande Depressão, cerca de 200 mil norte-americanos vindos de estados mais atingidos do meio-oeste como Oklahoma, Texas, Colorado, Kansas e Novo México, se mudaram para a Califórnia em busca dos empregos que não tinham em seus locais de origem. Não à toa, a população californiana aumentou, de 1920 a 1930, 65,7%. Los Angeles, por sua vez, teve crescimento bem maior na década: 114,7%.

Los Angeles Memorial Coliseum
O Los Angeles Memorial Coliseum lotado para a cerimônia de abertura dos Jogos de 1932. A Califórnia era uma ilha de prosperidade em meio à crise norte-americana. Foto: Reprodução Facebook

A Grande Depressão não impediu a organização dos Jogos de Los Angeles 1932 de ostentar. Nos dias que antecediam o evento, a cidade foi decorada com flâmulas alusivas aos Jogos e bandeiras dos países que se fariam presentes. Campanhas publicitárias procuravam vender Los Angeles como o destino turístico ideal para o fim de julho e o começo de agosto de 1932 por conta da Olimpíada, e a mídia foi mobilizada para se somar aos esforços de promoção do grande espetáculo esportivo. O Los Angeles Memorial Coliseum, principal palco das disputas esportivas, teve sua capacidade ampliada em 1930 de 85 mil para 105 mil torcedores, com a construção de um anel adicional superior às arquibancadas que já existiam. À frente de sua fachada imponente, com arcos e estátuas que lembravam a Grécia Antiga, os cinco anéis do Movimento Olímpico se mostravam soberanos em um círculo com um gramado estilizado. Sua construção – que durou de dezembro de 1921 a maio de 1923 – custou quase um milhão de dólares em valores da época. Ao lado do Los Angeles Memorial Coliseum e do Rose Bowl, em Pasadena (palco das provas do ciclismo de velocidade), emergiu a única praça esportiva construída especialmente para os Jogos de 1932 na cidade, o Swimming Stadium – sede da natação, polo aquático e saltos ornamentais, além das provas de piscina do pentatlo moderno –, projetado para receber até 10 mil pessoas em arquibancadas removíveis. A outra praça esportiva construída para a Olimpíada foi o Marine Stadium na vizinha cidade de Long Beach, sede das provas de remo. As demais sedes, todas dentro da cidade de Los Angeles, já existiam antes dos Jogos, a exemplo do Coliseum.

No bairro de Baldwin Hills, cerca de dois quilômetros a oeste do Coliseum, foi construída uma Vila Olímpica, que, se não foi uma inovação de Los Angeles 1932 – já que tal primazia pertence a Paris 1924 –, foi a primeira realmente bem estruturada para receber 1.206 atletas do sexo masculino que compareceram à Califórnia. O resultado do projeto foi um conjunto habitacional com 500 bangalôs de madeira, contendo desde hospital (inclusive com sala de cirurgia e profissionais de saúde de plantão dia e noite) até clínica odontológica móvel, central telefônica, quatro telefones disponíveis para cada delegação, comunicação entre chefes de delegações e a organização dos Jogos por teletipo, além de uma boa estrutura elétrica, hidráulica e de saneamento básico. Linhas especiais de ônibus eram disponibilizadas para transportar os atletas da Vila Olímpica para os locais de disputa, com um intervalo entre 10 e 20 minutos entre cada coletivo. As vias de acesso que ligavam as praças esportivas e a Vila Olímpica eram controladas por policiais, que cuidavam de liberar o tráfego.

As cerimônias de abertura e encerramento foram marcadas pela pompa e circunstância, ainda seguindo o estilo marcial de desfile de delegações costumeiro à época, com a pira olímpica sendo acesa durante a solenidade (acionada por um anônimo). Na inauguração dos Jogos de Los Angeles 1932, o Coliseum estava com todos os seus lugares ocupados, e coube ao vice-presidente dos Estados Unidos Charles Curtis fazer a declaração oficial de abertura – o presidente Herbert Hoover não compareceu, preocupado em administrar os efeitos da Grande Depressão (da qual era considerado culpado por grande parte dos norte-americanos) e com sua campanha pela reeleição em andamento (já que o pleito estava próximo de acontecer, em novembro). Apesar da crise econômica, a Olimpíada foi um sucesso de público, com uma média diária de quase 78 mil torcedores.

A publicação oficial dos Jogos de Los Angeles 1932 anunciou um lucro de quase 1,5 milhão de dólares. Todavia, os organizadores não mencionaram, em momento algum, os gastos efetuados com a Olimpíada. Não foram contabilizados, por exemplo, os custos da ampliação do Los Angeles Memorial Coliseum, da construção da pista de ciclismo no Rose Bowl, das obras do Swimming Stadium ou dos vários adereços decorativos nos locais de disputa e espalhados pela cidade. O que o livro oficial menciona é que, em 6 de novembro de 1928 (mesmo dia das eleições presidenciais que consagraram, nas urnas, Herbert Hoover), os eleitores da Califórnia – tomados de entusiasmo pelas campanhas publicitárias favoráveis à Olimpíada – votaram a favor do Olympiad Bond Act (ou Ato de Obrigações Olímpicas), uma lei apresentada ao Poder Legislativo californiano em 1927 pela Community Development Association (Associação para o Desenvolvimento da Comunidade), esta, por sua vez, uma instituição sem fins lucrativos criada em 1920 e responsável pela captação de recursos para a construção do Coliseum. O Olympiad Bond Act – aprovado pelo Legislativo ainda em 1927 – previa a emissão de um milhão de dólares em títulos da dívida pública do estado da Califórnia, a serem administrados por uma comissão de cinco membros e em prol dos Jogos de Los Angeles 1932. Como não se tem conhecimento de prestação de contas, não se sabe até hoje se e como esse fundo foi utilizado, tampouco os efeitos da Crise de 1929 sobre os valores dos títulos emitidos com a lei de 1927.

O texto é parte do Capítulo 9 do livro JOGOS POLÍTICOS DA ERA MODERNA, de Paulinho Oliveira.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Paulinho Oliveira

Jornalista (MTb 01661-CE), formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2004.Escritor, com duas obras publicadas: GUERREIROS DE SANTA MARIA (Fortaleza, Premius Editorial, 2013, ISBN 9788579243028) e JOGOS POLÍTICOS DA ERA MODERNA (Fortaleza, publicação independente, 2020, ASIN B086DKCYBJ).

Como citar

OLIVEIRA, Paulinho. Los Angeles 1932 – Uma saga olímpica para driblar a crise. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 2, 2021.
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