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Los geht’s! Uma vitória berlinense, apesar da derrota da seleção alemã na Copa

Enio Moraes Júnior 3 de julho de 2018

Politicamente, a Alemanha é um país dividido, seja por conta dos resultados da Bundestagswahl de 2017, ou devido aos impasses do governo da primeira-ministra, Angela Merkel. Em jogo, um país em grande ebulição multicultural, o apoio e as críticas a políticas migratórias, à tolerância e à solidariedade.

Em meio a tudo isso, a crença de se sair bem na Copa do Mundo de 2018 unificava o país, que havia sido campeão do Mundial anterior. Mas o dia 27 de junho chegou e, com ele, a derrota da seleção alemã. A Kazan Arena, na Rússia, foi testemunha da saída do time do páreo com um placar de 2 x 0 contra a Coreia do Sul.

Morando em Berlim há um ano, pude acompanhar a partida por telão no Luftgarten, um parque público no bairro de Tempelhof.

– Há um grande ecrã ao ar livre. Vamos?, convidou Sara, uma amiga portuguesa.

“Espero que não esteja muito cheio, porque, nos jogos da Alemanha, é óbvio que enche mais”, advertiu minha amiga. Fui. Muita gente foi. Encheu. Às 16 horas em Berlim, um sol alaranjado brilhava em um céu insistentemente azul. Em uma tarde tão bonita, era de se esperar um grande jogo, um grande dia para a seleção germânica. Mas não foi.

Ao meu lado, muitos alemães torciam e se contorciam a cada lance perdido ou a cada bola defendida pelo time adversário. Além deles – que traziam o preto, o vermelho e o amarelo da bandeira pintados no rosto – outros torcedores chamavam atenção. Eram muitos. Muitos imigrantes de origem africana, muçulmana e latina.

Turcos, árabes, africanos e latinos que habitam aquela região de Berlim também traziam no rosto as cores da bandeira alemã. Aquele lugar, onde a maioria do público torcia e se contorcia pela seleção da Alemanha, era um exemplo do que é Berlim: uma mistura de tudo: de sotaques, dialetos e etnias. De gente do mundo todo. De paixões.

Berlim tem muitas cores e a festa continua. Foto: Enio Moraes Júnior
Berlim tem muitas cores e a festa continua. Foto: Enio Moraes Júnior.

Bandeiras

A certa altura do jogo, Isabelle, uma amiga alemã que estava ao meu lado, levantou-se. Em um dos lados da sua cintura, eu percebi que ela havia amarrado uma bandeira alemã. Do outro lado, outra bandeira…

– Tenho duas. A outra é do Brasil, para o jogo que começa depois, disse, em português, com sotaque carioca. Afinal, ela havia morado no Rio de Janeiro e lá aprendeu a falar o idioma.

Entre um e outro gole de cerveja, entre um e outro pedaço de Wurst (linguiça alemã) ou Pritzel (espécie de pão em formato de coração), acabou o primeiro tempo, que deixou a plateia do Luftgarten sem ar. O segundo, começou com uma explícita tensão entre os presentes. Seguidos de discretos scheiß Spiele (merda de jogo), os rumores de uma possível desclassificação da Alemanha começavam a assustar.

As cervejas já haviam começado a esquentar nos enormes copos de plástico quando, aos 90 e poucos minutos, o goleiro alemão deixou o seu lugar na trave para se juntar ao time. Naquele momento, ficou claro o que já se suspeitava desde o começo do segundo tempo: a Alemanha estava fora da Copa da Rússia. Havia sido eliminada pela Coreia do Sul.

Antes do fim do jogo, os alemães começavam a deixar seus lugares. Ao som de cabisbaixos Entschuldigung (com licença), passavam entre as pessoas que estavam na plateia. Os imigrantes que torciam pela seleção germânica pareciam não vibrar mais com o jogo e também começavam a se dispersar.

Enquanto acompanhava tudo isso – ora de olho no telão, ora no movimento das pessoas – percebi que um senhor, ali perto, vestia a camisa da seleção alemã e trazia, no chapéu, uma surpreendente bandana verde e amarela onde se lia: Brasil.

Olhei em volta e tive certeza de que ali tinha gente de tantos lugares que não teria jeito: Berlim tem muitas cores e a festa continuaria. E isso não é apenas coisa de futebol. Tem a ver com a vida na capital de um país em grande ebulição multicultural. O sol alaranjado continuava a brilhar no insistente céu de fim de tarde berlinense. Los geht’s! (Vamos lá!).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Enio Moraes Júnior

Enio Moraes Júnior é um jornalista, professor e pesquisador brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (Brasil), atualmente vive em Berlim. Gente, cultura e boas histórias, suas grandes paixões profissionais, aparecem claramente no seu trabalho como pesquisador e como jornalista.

Como citar

MORAES JúNIOR, Enio. Los geht’s! Uma vitória berlinense, apesar da derrota da seleção alemã na Copa. Ludopédio, São Paulo, v. 109, n. 5, 2018.
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