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Lucas Piazón e o sonho da Europa

Lucas Costa Universidade do Esporte 17 de janeiro de 2021

Quando um jogador brasileiro é vendido para um time europeu, logo se escuta comentários como “precisa de tempo para se adaptar”, “a cultura e comida são diferentes”, “o clima faz muita diferença”, “o futebol jogado lá é outro”. Mesmo jogadores veteranos, mais velhos e experientes, acabam sendo impactados por esses fatores, demorando a engrenar no time. Imagine, então, um garoto com 18 anos saindo de seu país para a liga mais famosa e competitiva do futebol mundial, contratado por clube gigante inglês e comparado a um craque como Kaká.

Lucas Piazón começou a dar seus primeiros chutes na pelota no Coritiba, jogando pelo mirim do clube, passou ainda pelo Atlético Paranaense e chamou a atenção do São Paulo, que o levou para Cotia. Jogando pelo clube que leva o nome da cidade em que nasceu, Lucas foi estrela na base, marcando gols e tendo boas atuações em torneios nacionais e internacionais, o que trouxe para ele olhos e holofotes vindo do velho continente.

Antes mesmo de chegar à maioridade, teve seu passe vendido para o Chelsea, que o contratou e já alçou o jovem para o status de próximo Kaká, devido à semelhança física e do clube que veio. Tipo de comparação que nunca ajuda, só acaba pesando no desempenho e na expectativa sobre o garoto.

Lucas Piazón no Chelsea em 2012. Foto: Wikipedia.

Chegou em 2011 ao time inglês, em sua primeira temporada atuou mais pelos juniores da equipe, tendo oportunidades no time profissional só no ano seguinte, atuando em pouquíssimas partidas, com um tempo curto para mostrar algo diferente. A partir da temporada 12-13, Lucas entrou numa espiral que parecia não ter fim até este ano.

O Chelsea é um dos times europeus que mais garimpam, mais tem olheiros espalhados pelo mundo em busca de uma futura estrela. Com isso, o clube investe muito dinheiro na contratação de jovens jogadores ao redor mundo, trazendo para o elenco garotos de todos os cantos. O problema disso é que o time londrino não é lá uma referência em revelar jovens estrelas e muito menos ter paciência com eles.

Como em muitos casos, como o de Piazón, foi feito investimento financeiro para obter o jogador, mantê-lo nas divisões de base não é uma opção vantajosa, por isso se iniciou uma política de empréstimos que se resume a emprestar o jogador, caso ele renda, o Chelsea acaba vendendo-o para lucrar ou pelo menos obter o que foi investido. Caso não renda, o jogador parte para outro empréstimo até que o contrato com o clube acabe, a probabilidade que os Blues usem o “player” é baixíssima.

Com esse sistema, o Chelsea já perdeu grandes estrelas do futebol mundial atual, nomes como o de Kevin de Bruyne, Romelu Lukaku e Mohammed Salah são os mais conhecidos e lembrados pelos torcedores. Atuaram pouco, não tiveram confiança dos técnicos e acabaram explodindo como estrelas vestindo outras camisas. Lucas Piazón não está no patamar desses astros, mas também é figura carimbada no grupo dos “escanteados” pelo clube.

O paulistano, nascido em 1994, foi emprestado pela primeira vez em 2013 para o Málaga da Espanha, ainda no mesmo ano retornou e foi emprestado novamente para o Vitesse da Holanda, onde jogou por uma temporada e retornou à Inglaterra. Se Lucas pensou que teria chances nessa volta, se enganou. Mais uma vez o time o emprestou, dessa vez foi para a Alemanha jogar no Eintracht Frankfurt.

Retornando ao primeiro parágrafo do texto, naqueles comentários de que é necessário tempo e adaptação para se ter um bom futebol em um clube, é inimaginável como o Chelsea esperava que após três empréstimos para três clubes de países diferentes, de patamares diferentes, o jogador rendesse o que se esperava dele. Não há constância, paciência e equilíbrio para isso. Em nenhum dos três, Lucas obteve sucesso o suficiente para receber alguma chance nos Blues ou ser comprado por algum outro.

Após a passagem na Alemanha, a cansativa jornada de empréstimos de Lucas Piazón estava longe de acabar, o destino dessa vez seria dentro da Inglaterra, o Reading. Mais uma temporada cumprida, mais uma vez retornando ao Chelsea.

Nessa altura, Piazón já chegava a seu quinto ano de contrato com os londrinos, e apesar de até tecer críticas aos diversos empréstimos por qual passou, quando falou ao tabloide Daily Mail sobre sua insatisfação em mudar sempre de canto, clube e como não via mais tantas mudanças de forma positiva.

Continuou na terra da Rainha pós-Reading, dessa vez ainda mais próximo do Chelsea, mas não como queria, foi para o Fulham, time do mesmo bairro e rival dos Blues. Passou duas temporadas no time, de 2016 a 2018. Em nenhum momento até então conseguiu mostrar os lampejos de craque que tinha na base.

Lucas em suas raras aparições com a camisa dos Blues. Foto: Reprodução/Twitter/Chelsea FC.

Lucas muitas vezes fez sua pré-temporada junto ao elenco do Chelsea, participando de amistosos e torneios de verão, mas ao começo da temporada regular, a sina sempre estava lá. Mais um empréstimo, agora Piazón conheceu a Itália, numa passagem rápida pelo Chievo Verona em 2019, que não rendeu nem uma temporada e o fez viajar para Portugal, onde defendeu a camisa do Rio Ave.

Sete. Foram sete empréstimos, seis países, zero estabilidade e chances reais no Chelsea. Ao fim do empréstimo com o Rio Ave agora em 2021, encerrou-se também, após quase uma década, o vínculo do brasileiro com o Chelsea. Nove anos. Uma relação que pode ser dita como tóxica por alguns, desgastante e que não fez bem ao jogador e nem ao clube.

Claro que o jogador tem sua parcela de culpa, se mostrasse algum futebol exuberante não teria passado por esse ciclo quase infindável e exaustivo, mas também vemos uma política totalmente errada do clube, que possui um departamento para avaliar e cuidar desses inúmeros jovens emprestados, que pensam estar realizando o sonho de ir jogar num grande clube e acabam frustrados com a realidade totalmente diferente.

Outros casos com brasileiros foram com Nathan, hoje jogador do Atlético Mineiro, e Kennedy, ex-Fluminense, este último até recebeu oportunidades no clube, mas não vingou. Mais um exemplo é o jovem Reinier, vendido por mais de 30 milhões de euros ao Real Madrid pelo Flamengo. Aqui o garoto seria peça importante do rubro-negro, no Real Madrid já foi emprestado ao Borussia Dortmund, onde atuou por menos de 200 minutos, mesmo tendo chegado lá desde o início da temporada.

O assédio dos clubes europeus aos garotos brasileiros é algo corriqueiro, muitos estão indo embora atualmente até sem fazer jogos pelo profissional de seus times, como foi o caso de Piazón. As propostas junto a maior qualidade de vida e o sonho de atuar em uma Champions League mexe com a cabeça de qualquer menino. Por isso, o cuidado que se deve ter com eles é grande, pois são poucos que já chegam arrebentando e virando fenômenos.

Mesmo que no velho continente hoje se jogue um futebol técnica e fisicamente melhor que o sul-americano, a melhor maneira de um jogador se desenvolver é jogando, se lá ele não vai receber essas oportunidades, o melhor pra ele pode ser continuar no seu clube.

No Chelsea, oficialmente Piazón fez três partidas, duas por copas e uma pela Premier League em 2012, numa goleada contra o Aston Villa por 8 a 0, onde o brasileiro teve a chance de marcar um gol de pênalti, mas desperdiçou a oportunidade – curiosamente foi o único brasileiro a não marcar gol aquele dia, já que em campo estava Ramires, Oscar e David Luiz. Sua melhor temporada na carreira foi no Vitesse, onde atuou 31 partidas, fez 11 gols e oito assistências.

Lucas ficou livre no mercado e assinou com Braga, clube tradicional de Portugal. Hoje com 26 anos, ainda tem lenha pra queimar na Europa, que no clube novo viva uma relação melhor do que no último. Toda sorte ao brasileiro.

Lucas sendo apresentando em seu novo clube. Foto: Divulgação/SC Braga.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lucas Costa

Potiguar, estudante de Jornalismo pela UFRN, aspirante a repórter, apaixonado por táticas ofensivas, mas amante de certas "retrancas".

Como citar

COSTA, Lucas. Lucas Piazón e o sonho da Europa. Ludopédio, São Paulo, v. 139, n. 26, 2021.
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