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Má gestão, vaidade e descaso no universo Tricolor

Ary José Rocco Júnior 21 de agosto de 2013

Outrora exemplo de modelo de gestão no oásis de boas práticas administrativas no futebol brasileiro, o São Paulo Futebol Clube vê despencar sua reputação de agremiação avançada, a frente de seu tempo.

Práticas ditatoriais, apego ao poder, negociatas com jogadores, aproximação com empresários unicamente interessados em faturar, vaidades e um descaso com as “coisas” do clube, colocaram o Tricolor na pior crise esportiva e administrativa da sua longa história.

Todas as mazelas mencionadas acima levaram o São Paulo a enfrentar seu pior desempenho esportivo desde sua fundação. A mistura dos fracassos administrativo e esportivo é refletida, de forma clara, nos três principais alicerces da estrutura Tricolor: o presidente Juvenal Juvêncio, na direção; o consultor Milton Cruz, na comissão técnica; e o goleiro Rogério Ceni, no elenco.

Juvenal Juvêncio, aquele que se auto-intitula o “gestor”, talvez não saiba que uma boa gestão, no universo do esporte, pode ser mensurada pelo equilíbrio entre os resultados econômico, financeiro e esportivo. Não basta a uma agremiação esportiva conquistar títulos e, em contrapartida, ver aumentar suas dívidas, muito embora as receitas econômicas cresçam com as receitas.

Juvenal Juvêncio, presidente do São Paulo. Foto: Divulgação – VIPCOMM.

O São Paulo Futebol Clube, historicamente propagado pela mídia esportiva, que pouco ou quase nada conhece de gestão, como exemplo de administração, apresentou, no final de 2012, um endividamento total na casa dos R$ 199,7 milhões. No final de 2011, esse valor era de R$ 158,5. Em apenas um ano, o Tricolor aumentou seu endividamento em 26%1.

Por outro lado, a equipe do Morumbi experimentou, em 2012, um aumento de suas receitas. Contribuíram para isso a venda do meia Lucas para o Paris Saint-Germain, da França (R$ 115 milhões), e o aumento da arrecadação com a utilização do estádio do Morumbi (R$ 65,2 milhões), primordialmente para shows e eventos.

No quesito performance esportiva, o Tricolor vive uma escassez de títulos importantes. Depois do tricampeonato brasileiro (2006, 07 e 08), o São Paulo conquistou apenas a inexpressiva Copa Sul-Americana de 2012 e a Copa Eusébio, agora em 2013, diante do frágil Benfica, de Portugal.

O “exemplar” modelo de gestão Tricolor não cumpre, então, os preceitos básicos que caracterizam uma boa administração. O avanço no resultado econômico, com o aumento da receita, não gerou reflexos na melhoria do resultado financeiro (o endividamento aumentou), tampouco trouxe títulos para o Morumbi. Muito pelo contrário. O Tricolor, hoje, avança de forma consistente para o inédito rebaixamento à Série B do Campeonato Brasileiro.

Torcida e diretoria fazem homenagens para Rogério Ceni nos mil jogos do goleiro pelo São Paulo. Foto: Wagner Carmo – VIPCOMM.

A pergunta que fica é: como as coisas mudaram em tão pouco tempo? De um modelo exemplar de administração do esporte para o retrocesso atual? Tenho aqui alguns palpites. Vamos a eles.

O São Paulo FC se orgulha de ser um dos clubes mais bem estruturados do futebol mundial. Instalações como a do Núcleo de Reabilitação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica, o REFFIS, e os CTs da Barra Funda e de Cotia, colocam o Tricolor em um excelente patamar no que diz respeito às condições adequadas para preparação e recuperação de atletas.

Apesar das maravilhosas instalações, o modelo de gestão da equipe do Morumbi aparenta estar próximo do esgotamento. Exemplos disso não faltam. Excelentes profissionais estão, pouco a pouco, deixando o Morumbi. Um exemplo disso foi a demissão, em 2010, do fisiologista Turíbio de Barros Leite, que trabalhou por 25 anos no Tricolor.

O CT de Cotia, que deveria formar atletas para compor a equipe principal do São Paulo FC, ainda não cumpriu seu papel. Em 16 de fevereiro de 2012, o experiente treinador Renê Simões foi contratado para ser o diretor das categorias de base da equipe. A ideia era que, com a coordenação de Renê, o São Paulo conseguisse, em pouco tempo, colocar em seu time principal, sempre oito jogadores formados no CT de Cotia.


Fotos: Renê Simões (esquerda, clique na foto para ler a entrevista), por Max Rocha e Milton Cruz, por João Neto – VIPCOMM.

Em 7 de novembro do mesmo ano, por divergências com outros funcionários envolvidos com a base do Tricolor e com a direção do clube, o veterano treinador deixou o São Paulo. Com ele, o projeto naufragou. A decisão de Renê mostra, de forma clara, que o investimento feito no CT de Cotia, hoje, serve para outros fins.

No time principal do Tricolor é difícil encontrar alguém oriundo das categorias de base do clube. Então, onde estão os atletas formados pela agremiação? Talvez, jogando no exterior, vendido por algum empresário, com livre trânsito lá pelos lados de Cotia. O presidente Juvenal Juvêncio, como bom gestor, deve responder a essa pergunta. Afinal, o investimento em formação de atletas foi alto.

O estádio, grande fonte de receita para o São Paulo, está com seus dias contados. Alienado da cena esportiva do futebol paulistano, Juvenal e seus assessores dormiram no ponto. O Corinthians, além de levar a Copa do Mundo para seu novo e moderno estádio, terá duas excelentes opções para mandar seus jogos. A direção do Palmeiras, antenada com o futuro, construiu sua Arena e trouxe para administrá-la a maior empresa de entretenimento do mundo.

Ao São Paulo, resta um estádio obsoleto, desconectado com o momento espetáculo que vive o futebol e fora da realidade para atrair shows e eventos para o Morumbi. A tão decantada modernização do Cícero Pompeu de Toledo ainda não saiu do papel. Por tudo isso, Juvenal pode ser considerado o grande mentor intelectual da crise Tricolor.

Milton Cruz e Rogério Ceni representam, na comissão técnica e no elenco, o desgaste de muito tempo de clube. Milton já não indica atletas de qualidade como antigamente e, quando assume o time principal como tampão, não traz as vitórias que sempre trouxe. Além disso, suas fortes ligações com Juvenal e a atuação de seu filho como empresário de atletas, maculam sua trajetória no Tricolor.

O presidente Juvenal Juvêncio entrega prêmio para Rogério Ceni. Foto: Bruno Miani – VIPCOMM.

Rogério Ceni, o M1TO, tropeça no sentimento de ser maior que o clube. O São Paulo não deixará de existir com a retirada dos gramados do artilheiro Tricolor. Com reflexos envelhecidos, Ceni tem se limitado a minar o trabalho de treinadores que não o bajulam, como fez com Ney Franco, ou a ignorar colegas que, de alguma forma, possam brilhar mais do que ele no já cinza céu são-paulino.

O Tricolor de hoje é um pífio esboço do que já foi no passado. Um reencontro com a novidade, com ideias novas e com personagens que incorporem novos tons ao universo Tricolor; podem, sem dúvida, mudar o rumo do destino da nau são-paulina. Se continuar vivendo, e peço licença a Cazuza, o seu “museu de grandes novidades”, o São Paulo FC certamente repetirá o mesmo roteiro já escrito por outros grandes do futebol nacional: a queda para o ressurgimento. Que seja breve e sem o trio Juvenal-MiltonCruz-Rogério Ceni!

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[1] Dados extraídos do portal Olhar Crônico Esportivo, de Emerson Gonçalves (http://www.globoesporte.com).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Ary José Rocco Júnior

Professor e pesquisador da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE/USP). Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Comunicação e Marketing no Esporte (GEPECOM).

Como citar

ROCCO JúNIOR, Ary José. Má gestão, vaidade e descaso no universo Tricolor. Ludopédio, São Paulo, v. 50, n. 6, 2013.
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