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Mahicon Librelato: garoto (colorado) interrompido

Fábio Areias 17 de janeiro de 2020

– Acabou! Acabou!

Os gritos do volante Claiton revelam o desespero que o Internacional havia passado no Campeonato Brasileiro de 2002. O clube se livrou do rebaixamento apenas na última rodada, após uma vitória fora de casa por 2 a 0 contra o Paysandu.

Se em 2002 o Colorado não seguiu a sua cena de vitórias, pelo menos evitou o pior. O Brasileirão daquele ano foi o último antes do sistema de pontos corridos. Os oitos melhores da primeira fase (disputada em turno único) se classificavam para o mata-mata das fases seguintes. Inconstante durante todo o campeonato, o Inter despencou na reta final com 1 empate e 5 derrotas nas rodadas finais antes da “decisão” contra o Paysandu. O portão 8 do Beira Rio oscilava entre a raiva e o desespero.

Quando começou a última rodada, o Internacional estava em antepenúltimo lugar com 26 pontos – acima apenas do já rebaixado Gama e do desesperado Botafogo. Quatro clubes seriam rebaixados. Palmeiras, Portuguesa e Paraná estavam com 27 pontos e também lutavam contra a degola. Além de vencer o Paysandu, o clube gaúcho precisava torcer para que dois dos adversários diretos não ganhassem suas partidas. Deu tudo certo. O Palmeiras perdeu para o Vitória, a Portuguesa foi derrotada pelo Bahia e o Paraná empatou com o Grêmio. Aconteceu até mais do que precisava.

Um dos heróis do jogo em Belém foi Mahicon Librelato, jogador de apenas 21 anos que marcou o primeiro gol do Inter contra o Papão da Cuzuru. O tento que deu um alívio em milhares de corações colorados. Que sofrimento, guri!

Predestinado (Imagem: Diário Online- https://www.diarioonline.com.br/esporte/esporte-para/540051/jogo-polemico-do-paysandu-na-serie-a-completa-17-anos)
Predestinado. Foto: Arquivo/Internacional.

Mahicon não foi revelado pelo Internacional. Nascido em Santa Catarina, assim como um “tal” Paulo Roberto Falcão, o jogador surgiu na base do Criciúma na metade final da década de 1990. Habilidoso e com um potente chute, Mahicon talvez fosse a maior promessa do esporte catarinense desde Gustavo Kuerten. Esportes diferentes, ambos com talento de sobra. Com a camisa do Tigre, o atacante foi campeão estadual de 2001 e também artilheiro do campeonato com 19 gols. Mahicon também foi importante peça na Série B do mesmo ano com gols decisivos para evitar o descenso do Criciúma.

Início no Criciúma. Talvez o melhor jogador revelado pelo Tigre (link: http://app.globoesporte.globo.com/especiais/paulo-baier-40-anos/iluminado-por-mahicon-librelato/index.html)
Início no Criciúma. Talvez o melhor jogador revelado pelo Tigre. Foto: Reprodução/Globoesporte.

O desempenho de Librelato chamou a atenção dos grandes clubes. Cruzeiro, Grêmio e Internacional fizeram propostas para levar a promessa do futebol brasileiro. Em 2002, após extensa negociação, o Inter comprou 50% do seu passe por 850 mil reais e o empréstimo de quatro jogadores. Um valor considerável para um clube longe da estabilidade financeira, mesmo com a venda por altos valores do zagueiro Lúcio (2000 – Bayer Leverkusen) e do volante Fábio Rochembach (2001 – Barcelona), principais ídolos da época.

No primeiro semestre de 2002, o Inter foi campeão gaúcho, mas fracassou na Copa Sul-Minas (7º lugar) e foi eliminado pelo Atlético Mineiro nas oitavas de final da Copa do Brasil. A perspectiva de sucesso no Brasileirão, disputado no segundo semestre daquele ano após a Copa da Coréia e do Japão, era pequena. O que ninguém esperava era tamanha irregularidade do Clube do Povo. Se não era favorito, tampouco era esperada a luta contra o rebaixamento.

Assim como seu time, Mahicon também oscilou. Algo normal para um jovem. Mesmo assim, ele disputou 22 jogos e marcou 10 gols em 2002. Mais preparado e ambientado, seria um dos principais jogadores para a temporada do ano seguinte.

Infelizmente, os prognósticos não puderam ser confirmados. Em 28 de novembro de 2002, Mahicon Librelato faleceu após um acidente de carro em Florianópolis. Em uma noite chuvosa, o jogador perdeu o controle do veículo e seu carro caiu no mar após bater em um poste na avenida Beira-Mar. Morreu afogado apenas 11 dias após a partida contra o Paysandu.

O acidente fatal (link: http://app.globoesporte.globo.com/especiais/paulo-baier-40-anos/iluminado-por-mahicon-librelato/index.html)
O acidente fatal. Foto: Reprodução/Globoesporte.

O destino, que seria cruel com Mahicon, andaria ao lado do clube a partir daquele momento. Após a temporada de 2002, ninguém imaginaria que em apenas quatro anos o mesmo Sport Club Internacional conquistaria a Libertadores e o Mundial de Clubes. Librelato teve que ver do céu o surgimento de uma gurizada boa de bola (Nilmar, Daniel Carvalho e Sóbis) e ídolos eternos como Fernandão. Mahicon teria lugar no elenco colorado de 2006, mas teve que se resignar a dar sua parcela de contribuição em outro plano. Paciência. Garotos (e sonhos) podem ser interrompidos, mas alguns feitos são eternos. Seja em Belém, seja no Japão.

 
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fábio Areias

Formado em Comunicação Social pela ESPM , cocriador do site Extracampo, projeto que busca apresentar as entrelinhas do futebol e seu impacto na sociedade e vida das pessoas.

Como citar

AREIAS, Fábio. Mahicon Librelato: garoto (colorado) interrompido. Ludopédio, São Paulo, v. 127, n. 17, 2020.
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