149.14

Marcas da futebolização no cotidiano da Comunidade Valenciana

Rodrigo Koch 12 de novembro de 2021

Neste breve texto lanço o olhar para artefatos futebolizados que estão presentes no cotidiano dos cidadãos da Comunidade Valenciana, sem que sua presença seja percebida de modo a causar discussões ou debates entre os mesmos. No entanto, tais artefatos exercem certa pedagogia cultural sobre os habitantes desta região da Espanha e, acabam por conduzir condições identitárias, principalmente entre crianças e jovens, que diariamente ficam expostos e em contato com tais artefatos. O objetivo principal desta investigação – ainda em desenvolvimento – é tentar explicar (ou descrever) como tais artefatos contribuem (ou conduzem) para os comportamentos atrelados ao futebol nesta população.

Venho pesquisando o fenômeno da Futebolização e suas produtividades desde 2011 (KOCH 2012; KOCH 2018; KOCH 2020), com maior atenção para porção nordeste do Rio Grande do Sul e, durante o estágio pós-doutoral na Universitat de València, estou verificando como o processo se desenvolve na Europa, e mais precisamente, na Espanha.

Para a composição deste texto foram utilizadas basicamente duas ferramentas metodológicas: observação e fotografias. A observação permite ao pesquisador observar o comportamento das pessoas em seu ambiente natural ou controlado e, se preocupa em utilizar os sentidos para entender o cotidiano e extrair conhecimentos. Já as imagens oferecem registros restritos, mas poderosos das ações temporais e dos acontecimentos reais. Embora a pesquisa nas ciências sociais esteja tipicamente a serviço de complexas questões teóricas e abstratas, ela pode empregar, como dados primários, informação visual. O visual e a mídia desempenham papeis importantes na vida social, política e econômica contemporânea. Eles se tornaram “fatos sociais” e não podem ser ignorados (LOIZOS 2002).

A Futebolização do cotidiano

A futebolização – fruto da globalização a partir do futebol espetacularizado e mercantilizado, principalmente a partir dos anos 1990 – está imersa em um campo fluído que apresenta variações de tempos em tempos (sem que haja uma norma para cada período temporal) e, por isso, se transforma e se transfigura em cada espaço que penetra e a cada instante, adquirindo também contornos locais.

Não considero a futebolização um conceito e sim um fenômeno e/ou processo. Penso que a mesma pode também ser considerada uma pedagogia cultural (DEPORTE & COSTA 2015). Desde a emergência dos Estudos Culturais a pedagogia passou a ser entendida como um mecanismo de ensinamento ou difusão de modos de ser e pensar, ou seja, a pedagogia não se limita a práticas escolares explícitas ou institucionalizadas: ela está na TV, em filmes, jornais, revistas, anúncios, videogames, aplicativos, brinquedos, e também nos esportes. Em resumo, uma pedagogia cultural pode ser qualquer mecanismo midiático ou social capaz de ensinar algo para alguém. Portanto, o fenômeno da futebolização também pode se encaixar no conceito de pedagogia cultural, pois o mesmo está imerso na cultura e sem dúvida alguma produz seus ensinamentos. É de conhecimento que o futebol se tornou, nos últimos séculos, o principal esporte de massa do mundo, tendo espaço de destaque nos diversos canais da mídia em vários países, fato que ajudou e provocou a construção do próprio termo futebolização.

Portanto, as infâncias e juventudes futebolizadas circulam, exibem e desfilam pelas vias sociais com os escudos, as marcas e os valores do futebol midiatizado, espetacularizado e mercantilizado. Sem que percebam, celebram e difundem estes valores entre os pares. Tratam-se, também, de identidades mutantes ou em constantes transformações e adaptações ao meio; pois no processo da futebolização, cada um pode escolher sua agremiação ou celebridade preferida a cada semana ou rodada do campeonato, mas se mantém vinculado ao futebol, seja em maior ou menor grau, a partir das produtividades geradas pelo clube ou ídolo ao qual se afilia. Existem maneiras diferentes e diversificadas de crianças e jovens acompanharem, participarem, contextualizarem e dimensionarem o futebol em suas vidas, identidades e/ou fragmentações identitárias.

Imagens que evidenciam as Marcas da Futebolização na Comunidade Valenciana

Valencia futebol
Fonte: reprodução

A imagem anterior, com fotografias coletadas nos mais variados espaços do cotidiano da Comunidade Valenciana – supermercados, lojas de souvenirs e artigos para praia, e lojas de brinquedos – já evidencia alguns aspectos desta futebolização de muitos itens infantis e juvenis. E quando estes artefatos estão vinculados à educação? Quais produtividades tal contexto pode apresentar? Vale lembrar, que apesar das inúmeras transformações sociais nas últimas décadas, algumas instituições continuam sendo centrais e de referência na vida das sociedades pós-modernas. Talvez o melhor exemplo disso seja a escola, que mesmo em tempos líquidos – quando os alunos são educados não mais somente pelos professores, mas também pelas mais variadas mídias e artefatos culturais – continua ocupando o espaço formal da educação. É ponto de consenso e se convencionou e regulamentou que qualquer criança ou jovem tenha o direito – e porque não, também o dever – de frequentar a escola para adquirir conhecimento e ser preparado para e pela sociedade na qual está inserido. Neste contexto, não podemos esquecer que a escola sempre produziu e continua produzindo experiências culturais, sem querer aqui avaliar se as mesmas são boas ou más na constituição destes cidadãos.

Para uma parcela significativa de crianças e jovens, parece haver uma necessidade deles se identificarem com determinado grupo de indivíduos através do futebol. A modalidade que já representou a ascensão social para negros e pobres em épocas passadas continua alimentando esta ilusão de poder não só para os meninos das classes menos abastadas, mas para qualquer garoto que sonha com a fama e com o desejo se tornar uma mercadoria. Nas diversas tarefas e atividades escolares, eles incorporam os personagens e celebridades do esporte, imaginando viverem a realidade das estrelas midiáticas e transferindo as mesmas situações para o cotidiano das escolas. Há fortes marcas e influências da matriz espetacularizada sobre a escolar, provocando alterações enormes no contexto educacional do futebol. O sonho de ser atleta profissional permanece presente para quase todos, porém, a realização deste sonho é apenas para uma parcela ínfima da população. O interesse pelo futebol local também está diminuindo gradativamente na mesma proporção em que sobe a conveniência com os clubes estrangeiros, com cada vez mais exposição midiática. Prova disso, são os inúmeros artigos de Real Madrid, Barcelona e outros, ofertados diariamente para crianças e jovens da Comunidade Valenciana, ou seja, um espaço geográfico com raízes identitárias vinculadas ao Valencia CF e ao Levante UD.

Valencia Futebol
Fonte: reprodução

É possível afirmar que há um fenômeno pós-moderno em curso, com vínculos no futebol, apoiado em processos globalizadores e híbridos, que exerce influência sobre crianças e jovens gerando produtividades na contemporaneidade. A maioria são flanadores, mas também há fãs, fanáticos e seguidores. Condições Modernas se mesclam com as Socialidades Pós-Modernas.

Referências

ANDRADE, P.D., & COSTA, M.V. Usos e possibilidades do conceito de pedagogias culturais nas pesquisas em estudos culturais em educação. Textura, Canoas, v.17 (34), p.48-63, 2015.

KOCH, R. Marcas da futebolização na cultura e na educação brasileira. Dissertação (Mestrado em Educação). ULBRA, Programa de Pós-Graduação em Educação, Canoas/RS, 2012.

KOCH, R. Identidades em construção: um olhar sobre a Futebolização da juventude no Ensino Médio. Tese (Doutorado em Educação). UFSM, Programa de Pós-Graduação em Educação, Santa Maria/RS, 2018.

KOCH, R. Futebolização: identidades torcedoras da juventude pós-moderna. Brasília, DF: Trampolim Editora/Ministério da Cidadania, 2020.

LOIZOS, P. Vídeo, filme e fotografias como documentos de pesquisa. In: BAUER, M.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Tradução Pedrinho Guareschi. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Como citar

KOCH, Rodrigo. Marcas da futebolização no cotidiano da Comunidade Valenciana. Ludopédio, São Paulo, v. 149, n. 14, 2021.
Leia também:
  • 173.1

    Futebolização da juventude no Rio Grande do Sul em 2023 (parte 2): competições, clubes, celebridades e fidelidade

    Rodrigo Koch
  • 172.20

    Futebolização da juventude no Rio Grande do Sul em 2023 (parte 1): consolidações, oscilações e liquidez comportamentais

    Rodrigo Koch
  • 172.3

    O mercado milionário asiático desafia o poder europeu: Saudi Pro League X UEFA

    Rodrigo Koch