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Marinho Chagas: a Bruxa potiguar

Irreverente, vaidoso, polêmico, problemático e craque. Todos esses adjetivos podem ser usados para falar sobre o um dos maiores – para muitos, o maior – jogadores nascidos em terras potiguares: Marinho Chagas. A Bruxa, como ficou conhecido, desbravou o mundo com seu futebol, conquistou o coração dos amantes da Estrela Solitária e também dos apaixonados pela bola.

Francisco das Chagas Marinho, mais conhecido como Marinho Chagas, nasceu no dia 8 fevereiro de 1952. O ex-lateral da Seleção Brasileira era um filho pródigo da capital do Rio Grande do Norte, Natal.

Marinho atuando com a camisa da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1974. Foto: Divulgação/ CBF.

A história de Marinho pode ser confundida com a de muitos meninos brasileiros que sonham em ser jogadores para mudar o próprio destino e o de seus familiares. Era de família pobre, o caçula entre nove irmãos, não teve luxo algum durante a infância, mas tinha em seus pés habilidades que ainda o levariam longe.

As primeiras arrancadas com a bola foram dadas em 1967, usando a camisa do modesto Riachuelo, clube do interior potiguar, depois de chamar a atenção de um sargento da Marinha que logo percebeu seu potencial e levou o menino para o time.

Não demorou muito para que outra equipe do estado contratasse a Bruxa. Em 1969, o ABC contratou o lateral. No ano seguinte, com Alberi e Marinho no time, o ABC quebrou um jejum de três anos sem títulos no Campeonato Potiguar. Com a passagem de destaque pelo alvinegro, começou sua ascensão meteórica no futebol e, assim, deixou o Rio Grande do Norte para atuar num centro futebolístico maior e mais tradicional, saiu de sua terra para o vizinho Pernambuco.

Por lá, atuou pelo Náutico por dois anos, entre 1970 e 1972, e mostrou-se um dos melhores jogadores de sua posição. O estilo de jogo do loiro era moderno, tido até como “além de seu tempo”, pois, diferentemente da maioria dos defensores da época, Marinho gostava muito de atacar, subia com frequência para ajudar os atacantes na frente e era dotado de um forte chute com a perna direita, além de ser um ótimo batedor de faltas. O potiguar destacava-se nos chutes e, por isso, foi apelidado também como “Canhão do Nordeste”. O sucesso foi tanto que, em apenas duas temporadas no Aflitos, dirigentes do Botafogo notaram o rapaz franzino e tiraram Marinho do Nordeste, levando-o para General Severiano.

No Rio de Janeiro, adaptou-se rapidamente como se há muito estivesse em casa, mas ainda havia uma responsabilidade grande no clube: a torcida procurava um verdadeiro substituto para Nilton Santos, alguém que fizesse jus ao legado da Enciclopédia.

Em 1972, fez sua estreia logo contra o Santos do já consagrado e tricampeão mundial Pelé, e com apenas 20 anos, Marinho Chagas não se intimidou. Naquela ocasião, aconteceu um dos episódios mais conhecidos de sua carreira. Em um lance contra o eterno camisa 10 do Santos, Marinho roubou a bola e, quando o Rei tentou retomar a posse da redonda, a Bruxa atacou: aplicou-lhe um lençol e, em seguida, botou a bola entre as pernas de Pelé, que saiu rasgando xingamentos para o loiro.

O jogo acabou empatado em 1 a 1, e o gol do Botafogo foi marcado adivinha por quem?! Pois é, Marinho guardou de falta em sua estreia, um deleite para os torcedores. Ao fim da partida, foi falar com Pelé, deu um abraço no Rei, pediu desculpas e saíram em paz.

Além do talento com a bola nos pés, a cabeleira de Marinho é parte importante de sua trajetória. Os fios loiros e longos, quase tão fartos e inconfundíveis quanto sua habilidade e personalidade, marcaram o lateral, não à toa chamado de “diabo loiro” e também de “bruxa loira”, pelos torcedores botafoguenses e companheiros de Botafogo, por sua aparência franzina e cabelos grandes. Apelidos que Marinho sempre levou na brincadeira.

O lateral era mais que apenas um jogador de futebol e até virou uma celebridade com aspirações a rockstar, isso porque nunca escondeu seus gostos por uma boa farra pelas noites em bares, roupas caras e seus cordões de ouro. Marinho gostava de encantar por onde passava, mulherengo e vaidoso, era um bon vivant por natureza.

Dentro de campo, porém, Marinho nunca fugiu da responsabilidade que se depositava sobre ele e tornou-se o melhor lateral brasileiro da época. Foi vencedor, por dois anos consecutivos (1972/73), da Bola de Prata da revista Placar.

O título de substituto de Nilton Santos agradava-o, pois tinha o bicampeão do mundo como ídolo. Sua velocidade e seu ímpeto ofensivo para atropelar os adversários pela ala esquerda fez o Velho Lobo Zagallo convocar Marinho para a Copa do Mundo de 1974. Naquele ano, ainda que sem o título, Bruxa foi exaltado pela crônica esportiva da época, que o nomeou como um dos melhores de sua posição.

No Mundial, houve atrito com alguns jogadores do setor defensivo da seleção. Na verdade, desavenças com seus companheiros eram comuns, justamente por sua vocação ao ataque e abandonar a defesa.

Marinho Chagas, durante Brasil e Polônia, em Munique, na Copa do Mundo de 1974. Foto: Wikipedia.

Um embate mais forte com Leão aconteceu no vestiário, após a derrota do Brasil para a Polônia, ocasião que valia o terceiro lugar daquela Copa. O goleiro não gostava nem um pouco das subidas do loiro, pois entendia que a defesa ficava vulnerável sem o lateral no posto defensivo, por isso, o alertou sobre um certo jogador polonês que atuava pela ponta-direita e atendia pelo nome de Grzegorz Lato.

O gol polonês veio justamente dos pés de Lato, num contra-ataque nas costas de Marinho Chagas, que não estava na defesa, pois havia subido para ajudar no ataque, fato que gerou a fúria do guarda-redes. Porém, além do entrevero com Leão, o descuido não feriu em nada a imagem do jogador no Mundial.

O sucesso na Alemanha fez o Schalke 04 enviar uma proposta pelo Diabo Loiro, mas que foi recusada. O jogador não quis trocar o sol do Rio de Janeiro pelo frio alemão, principalmente porque estava prestes a se tornar pai.

Os anos em que defendeu a Estrela Solitária foram os melhores de sua carreira. Mesmo sem conquistar nenhum título pelo Botafogo, virou ídolo. Foi no clube carioca que conseguiu atingir o status de craque, a fama e a Seleção Brasileira. Sua passagem de 1972 até 1977 está marcada no coração e nas memórias do torcedor alvinegro, que pôde ver o loiro desfilar nos gramados cariocas com sua elegância, seu carisma e muita habilidade com a bola.

Marinho mudou de clube, saiu do Botafogo para jogar no Fluminense em 1978. A passagem pelo Tricolor das Laranjeiras foi rápida e durou apenas um ano.

Uma boa história da Bruxa no tricolor carioca aconteceu numa excursão que o clube fez pela Europa. Em uma festa no velho continente, Marinho teria ficado encantado por uma bela mulher, perguntou quem era e ficou sabendo que se tratava da princesa de Mônaco da época. Com fama de galanteador não perdeu a chance e, com todo seu jogo de cintura e charme, conquistou a princesa.

Com sua pinta de ator hollywoodiano, nada mais adequado para uma estrela do que se juntar às constelações do futebol. Por isso, foi jogar na terra do tio Sam pelo Cosmos, depois de sua saída do Fluminense, ao lado de Carlos Alberto Torres e Franz Beckenbauer. Jogou pouco tempo em Nova Iorque ao lado desses companheiros, mas o bastante para que sua simplicidade conquistasse muitos amigos por lá. Ainda nos Estados Unidos, foi para o Fort Lauderdale Strikers, porém logo um chamado o traria de volta ao Brasil.

O São Paulo repatriou o craque. Em 1981, pelo Tricolor do Morumbi, conquistou seu segundo título na carreira, o Campeonato Paulista e a terceira Bola de Prata da revista Placar.

Uma das grandes mágoas que Francisco das Chagas carregou em sua carreira foi a não convocação para as Copas de 1978 e 82. O potiguar entendia que na lateral-esquerda não havia melhores opções que ele e não ter participado dos dois Mundiais foi uma tristeza.

Depois do clube paulista, a carreira do loiro começou sua derrocada. Passou pelo Bangu, voltou rapidamente ao Rio Grande do Norte para jogar pelo outro grande do estado, o América de Natal. Ainda foi para o Fortaleza e, após isso, teve mais uma passagem em um time do EUA, o Los Angeles Heat.

Número que Marinho usou bastante na carreira, a camisa 6. Foto: Wikipedia.

Para pendurar suas chuteiras, Marinho em 1988 foi até o lugar onde o mundo se rendeu ao seu futebol. Por uma última vez, foi à Alemanha jogar pelo Augsburg e encerrou suas arrancadas pela grama.

Tentou ainda uma carreira como treinador, mas não vingou. O primeiro e único time sob seu comando foi o Alecrim/RN.

Após o término das atividades como jogador, a Bruxa passou por problemas pessoais como o divórcio e, principalmente, uma luta feroz contra o alcoolismo. Francisco em seus últimos anos de vida era muito visto pelas praias de Natal, sempre que reconhecido por algum fã parava para tirar uma foto e contar alguma de suas várias histórias.

No futebol, existe quem defenda que um jogador se resume ao que ganhou, às conquistas e aos títulos que acumulou. Ora, Marinho Chagas não seria ninguém, então? O loiro não possui um currículo vasto de títulos e taças conquistadas. Suas conquistas são as histórias que viveu, os amigos que fez, as pessoas que o admiraram e toda graça que ele deixou em cada partida, cada batalha que jogou.

O menino magrinho do bairro do Alecrim, em Natal, o lateral-esquerdo destro, o extrovertido e divertido Marinho marcou época na ala esquerda do campo. Em um tempo que defender era a prioridade, a Bruxa quebrou os padrões impostos, irritou adversários e companheiros, mas agitou e animou todos os loucos por esse esporte.

Marinho Chagas morreu no dia 1° de junho de 2014, dias antes da Copa do Mundo. Perdeu a batalha para as consequências do alcoolismo e sofreu uma hemorragia gástrica fatal. Não pôde assistir em sua terra natal à competição que 40 anos antes o marcou por suas “bruxarias” na história do futebol e colocou eternamente o nome Marinho Chagas na prateleira dos imortais da bola.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lucas Costa

Potiguar, estudante de Jornalismo pela UFRN, aspirante a repórter, apaixonado por táticas ofensivas, mas amante de certas "retrancas".

Como citar

COSTA, Lucas. Marinho Chagas: a Bruxa potiguar. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 37, 2020.
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