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Mário Jorge Lobo Zagallo: a lenda, o homem e o campeão

Em 19 de março de 1970, Zagallo foi anunciado como o treinador que comandaria a Seleção Brasileira na Copa do México e entraria definitivamente na história do futebol brasileiro.

A maior lenda da história da amarelinha responde pelo nome de Mário Jorge Lobo Zagallo. Anunciado como aposta há mais de meio século, Zagallo conduziu do banco de reservas o tricampeonato mundial, porém, muito antes de assumir o comando técnico da seleção, Zagallo já nutria um verdadeiro caso de amor ao esquadrão nacional. Não à toa, o sempre proativo ponta integrou a seleção e foi bicampeão mundial, em 1958 e 1962, dentro das quatro linhas.

Em pé: Vicente Feola (técnico), Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando, Gylmar
Agachados: Garrincha, Didi, Pelé, Vava e Zagallo.

Em tempos bastante diferentes dos atuais, um jogador na década de 1960 com mais de 30 anos era considerado um veterano. Portanto, em 1966, aos 35 anos, Zagallo decidiu que era hora de pendurar as chuteiras.

Poucos meses após o término da vitoriosa carreira, Zagallo assumiu o comando das categorias de base do Botafogo. O desempenho a frente dos juvenis impressionou os dirigentes botafoguenses, que aproveitaram a identificação do ex-jogador com o clube e lhe deram a chance de assumir o time principal.

À frente do Botafogo, o Velho Lobo foi extremamente bem-sucedido e colecionou títulos em seus primeiros anos como treinador. De 1968 a 1970, quando deixou o clube para assumir a seleção, foram nada menos do que seis taças.

No comando da Seleção Brasileira estava João Saldanha. Controverso e polêmico, aos poucos Saldanha se transformou em persona non grata para diversos setores, do torcedor ao governo militar, dos jogadores à imprensa.

Os motivos que depunham contra João Saldanha iam desde o temperamento difícil, o relacionamento com dirigentes prejudicado por posições políticas, até o despautério de barrar Pelé. Dos motivos apontados para a demissão de Saldanha, muitos são discutíveis, vale, inclusive, ler o artigo publicado nesta coluna sobre a relação política do treinador com o regime militar. No entanto, para além do extracampo, um motivo que mesmo 50 anos depois, suscita críticas é o fato de afastar Pelé. Nenhum ser vivo poderia cometer tal absurdo e permanecer impune.

Assim que assumiu, Zagallo tratou de arrumar lugar para todos e deu a liga final ao timaço montado por João Saldanha. Foi com o instinto de inovação tática e a coragem para atacar de Zagallo, que o Brasil promoveu verdadeiros espetáculos no México e voltou para casa com a Jules Rimet.

Com apenas 38 anos, Zagallo iniciou uma trajetória como o treinador com a maior identificação com a Seleção Brasileira na história. Um caso de amor que completa 52 anos e que, seguindo a tradição do dia de São José, rendeu grandes colheitas para o futebol brasileiro.

Zagallo, o homem

O primeiro homem a ser campeão da Copa do Mundo como jogador e treinador atualmente aos 90 anos, ostenta uma vida em que o verbo vencer extrapola sua própria existência e deixa uma marca indelével na identidade da Seleção Brasileira onde o Velho Lobo participou diretamente em quatro dos cinco mundiais brasileiros.

Para novas e velhas gerações, Zagallo é daqueles nomes que dispensa apresentações, mas que faz necessário o registro da vida de um vencedor por natureza que ajudou a tornar a Seleção Brasileira o time mais vitorioso no futebol mundial.

A história do Velho Lobo começou no ano de 1931, em Atalaia, estado de Alagoas. Com apenas 17 anos, Zagallo estreou como jogador profissional pelo América do Rio de Janeiro. O jovem ponta-esquerda era considerado moderno para seu tempo por auxiliar na recomposição defensiva do meio-campo.

Por essa característica de ser incansável em campo, Zagallo ganhou o apelido de Formiguinha, pois ajudava na defesa e quando seu time estava no ataque, também chegava com perigo ao gol adversário. Essa movimentação, incomum nos anos 1950, garantiu a Zagallo também a fama de inventor do contra-ataque.

O sucesso no América foi imediato e em 1950, o Flamengo contratou a revelação da ponta-esquerda. No time da Gávea, Zagallo jogou entre 1950 e 1958. Com a camisa rubro-negra as boas atuações renderam uma transferência para o Botafogo e já em General Severiano, o “dublê de ponta” recebeu a convocação para a Copa do Mundo da Suécia em que, por seu senso tático único, garantiu um lugar entre os 11 titulares.

Um campeão pela própria natureza

Entre craques como Garrincha, Pelé, Didi, Nilton Santos, Vavá, Gylmar, Bellini, lá estava Zagallo como peça fundamental de sustentação e equilíbrio do time brasileiro e que era o responsável pelas rápidas transições entre defesa e ataque tocadas pelo Formiguinha, o desafogo da defesa e homem extra do ataque. Tanto esforço e dedicação foram recompensados com um gol de Zagallo na final contra a Suécia.

Na Copa seguinte, já com 31 anos, o experiente Zagallo foi, mais uma vez, importante para o título que marcou o bicampeonato brasileiro em mundiais. Em 1965, encerrou a carreira de jogador pelo clube da Estrela Solitária e iniciou a jornada como treinador nas categorias de base do Botafogo. Treinou o time principal do Alvinegro e depois da polêmica demissão de João Saldanha, Zagallo assumiu o comando técnico da seleção para disputar a Copa de 1970.

Com o time das Feras de Saldanha, mas com o esforço necessário e brilhante para encaixar todos os craques possíveis entre os 11 titulares, Zagallo foi o comandante do Tri com o ousado esquema tático 4–2–4 que marcou uma era no futebol mundial e até hoje é considerado como exemplo de futebol arte.

A lenda

O triunfo marcou também a primeira vez que um homem conquistava a Copa do Mundo como jogador e treinador, além de fazer de Zagallo figura presente nos três primeiros títulos mundiais do Brasil.

O casamento entre Zagallo e a Amarelinha parecia perfeito, mas balançou depois da eliminação contra a Holanda na Copa de 1974 e a CBD decidiu demitir o homem que nunca deixaria acabar seu amor pela Seleção Brasileira.

Carlos Alberto Parreira, Zagallo e Cláudio Coutinho

Foram 22 anos longe da camisa amarela e nesse período em que a Seleção teve treinadores com diferentes estilos no comando, Zagallo trilhou uma sólida carreira dirigindo clubes brasileiros como Flamengo, Vasco e Botafogo, times do mundo árabe e seleções como a do Kwait, Emirados Árabes e da Arábia Saudita. Nesses anos de separação treinadores como Cláudio Coutinho, Telê Santana e até o contestado Sebastião Lazaroni, dirigiram a seleção em Copas, mas sem conseguir campanhas de sucesso.

Até que em 1992, a CBF decidiu contratar Carlos Alberto Parreira para o cargo de treinador e chamou Zagallo para ser o coordenador técnico e emprestar sua experiência ao grupo. Naquela época, Zagallo já era além de vitorioso, uma personalidade folclórica no mundo do futebol.

As superstições como a que o Velho Lobo mantinha com o número 13 e a coragem para encarar a imprensa sempre que preciso, além de um amor sobrenatural pela instituição Seleção Brasileira, faziam de Zagallo a pessoa certa no momento e lugar certo.

O entrosamento entre Parreira e Zagallo foi tão bom e imediato como o de Romário e Bebeto, outra dupla essencial para o Tetra. A devoção pela Amarelinha fazia com que o velho comandante se mantivesse nos bastidores como exigia sua nova função, mas relatos de quem participou da campanha da Copa do Mundo de 1994 dão conta de Zagallo agiu com maestria atrás das cortinas e ajudou a ensaiar cada movimento para o grande espetáculo.

Depois que Roberto Baggio (notem que justamente o italiano que isolou o pênalti do Tetra tem 13 letras no nome) desperdiçou a última cobrança de pênalti na final, Zagallo se tornou o único ser humano a ter quatro títulos mundiais no currículo e em três funções diferentes.

Ainda dirigiu o Brasil nas Copas de 1998, como treinador, e 2006, como coordenador técnico, mas sem conseguir seu quinto título. Em 1998, conseguiu chegar à final, mas viu a França bater o Brasil depois da polêmica escalação de Ronaldo após uma convulsão.

O icônico Zagallo

Um ano antes, porém, ao conquistar a Copa América, Zagallo produziu uma de suas frases mais emblemáticas no comando da Seleção Brasileira. Contestado pela crônica esportiva e contrariado, pois entendia que era dever da imprensa apoiar uma seleção em preparação para a Copa, o Velho Lobo desabafou depois de garantir o título e soltou uma raivosa declaração ao vivo que viraria meme e viralizaria em segundos nos dias de hoje:

“Vocês vão ter que me engolir!”

A imprensa, a torcida e quem mais fosse precisou e precisa engolir a história de um homem tetracampeão do mundo, que disputou sete Copas, chegou à cinco finais, é o único ser humano no planeta a ter vencido o Mundial em três funções diferentes e, acima de tudo, mantém um amor incondicional à Seleção Brasileira, fez da Seleção Canarinha sua religião e da Amarelinha sua armadura, sua segunda pele.

Zagallo é um estandarte do futebol brasileiro e deve ser reconhecido em vida como patrimônio do futebol mais vencedor do mundo. Mário Jorge Lobo Zagallo, um homem, uma lenda, um campeão pela própria natureza.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. Mário Jorge Lobo Zagallo: a lenda, o homem e o campeão. Ludopédio, São Paulo, v. 153, n. 30, 2022.
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