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Marta, o hexa e o mea culpa

Luciane de Castro 26 de setembro de 2018

Tinha todo um assunto preparado para escrever ao Ludopédio nesta semana, especialmente após os três dias em Belo Horizonte para participar do III Simpósio Internacional de Futebol organizado pelo Gefut da UFMG. Foram dias de especial aprendizado para esta reles provocadora e me sinto muito privilegiada por ser objeto de interesse da academia no que diz respeito a minha vivência no futebol das mulheres.

Mas ficarei devendo, temporariamente, minhas observações sobre o maravilhoso evento nas Minas Gerais para saltar uma semana no tempo.

Nesta segunda-feira tivemos o primeiro dia do 1º Encontro da Rede de Pesquisa sobre Futebol e Mulheres na América Latina, recepcionado pelo Museu do Futebol e articulado por David Wood, professor de estudos latino americanos da Universidade de Sheffield, Inglaterra.

Participei do primeiro painel para falar da minha experiência como agente da mídia alternativa ao lado de colegas que também se empenham em visibilizar o futebol praticado pelas mulheres no país. Dia intenso. Dia de ouvir. Dia de falar e, principalmente, dia de fazer uma reflexão bastante honesta sobre minha atuação enquanto figura coadjuvante neste cenário.

Enquanto fazíamos uma grande roda de conversa ao final do dia, David anunciou o sexto prêmio de melhor do mundo conquistado por Marta. Em meio a tanto desastre e derrota no campo democrático e progressista, ver uma futebolista brasileira dando o rapa na quantidade de prêmios entre todos os indicados e já vencedores, é uma alegria, ainda que eu questione seriamente o fato de termos apenas Marta como referência e como figura esportiva que aponta para o Brasil na última década e meia.

Meus apontamentos sobre este ponto em específico podem ser lidos aqui.

Há anos venho batendo na tecla de que as atletas são as figuras com mais chances de fazer uma mudança realmente significativa no status da modalidade. Costumo dizer que é necessário que entendam a classe à qual pertencem para então fazer as reivindicações pra lá de urgentes. Minha argumentação não é desonesta. E afirmo por ter como resultado avanços pouco palpáveis, porquanto não vivo a vida de uma atleta e não estou na linha de frente dos resultados possivelmente advindos de ações mais imperativas.

Brasil x Equador pela Copa América Feminina. Lucas Figueiredo/CBF
Marta. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Ainda que minha vontade seja legítima e honesta, me coloquei em xeque. Com a colaboração das discussões ao final do primeiro dia do encontro da rede, pude reavaliar minha fala sobre o papel de Marta como ícone da modalidade e o que esperamos em razão disso.

Não sou atleta. Nunca foi meu sonho ser uma atleta de futebol mesmo tendo nascido numa família onde o futebol é fio condutor de vidas e, portanto, não falo do mesmo lugar que as mulheres que lutam pelo sonho da bola neste país.

Num momento em que grande parte da população denota desinteresse completo em se colocar no lugar do outro e parte para a defesa de sua “opinião” baseado apenas em emoções, convém mudar a abordagem.

Mas Lu Castro, isso quer dizer que você vai deixar de fazer cobranças para a melhoria da modalidade?
Não, não deixarei de fazer os apontamentos, tampouco de provocar, porém não acredito ser justo e honesto exigir e esperar que as pessoas se posicionem da mesma maneira que eu.

Marta poderia ser mais enfática e tem mais condições de fazer as cobranças? Sim.
Ela seria retaliada caso cobrasse de modo mais imperativo que a modalidade estivesse sendo conduzida por pessoas com vivência e experiência comprovada no meio? Duvido.
Marta seria uma voz com ressonância na defesa da equidade de gênero especialmente na CBF? Sim.
Mas não sou eu quem deve colocar palavras em sua boca. Aliás, não devo colocar palavras na boca de ninguém.

Neste ponto faço o mea culpa. Não por achar errado o que penso ser melhor pra modalidade e o que Marta significa no geral, mas por reconhecer, neste momento, que estou exigindo posicionamento. E exigir algo das pessoas, muitas vezes da maneira como faço, não é democrático.

Em tempos de fascismo latente e assanhado, convém dar o exemplo contrário.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. Marta, o hexa e o mea culpa. Ludopédio, São Paulo, v. 111, n. 26, 2018.
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