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Medina – É tempo de gritar Aloha já que o grito de Gol está entalado

Luciane de Castro 19 de dezembro de 2018

Esta segunda-feira, 17 de dezembro de 2018, foi quente. A cidade de São Paulo e seu bafo miserável de poluição, concreto e asfalto, fez com que eu permanecesse dentro de casa o máximo de tempo possível, o suficiente para me sentar diante do computador e acompanhar a disputa pelo título mundial de surf onde os brasileiros Gabriel Medina e Filipe Toledo tinham chances de levantar o troféu.

Mesmo que tivesse futebol rolando na tevê, pralém dos enfadonhos amistosos de amigos de fulano contra amigos de beltrano, o foco seria Pipeline. Morando em Ubatuba há pouco mais de sete meses, impossível não buscar informações e maior conhecimento acerca do esporte que integrará os Jogos Olímpicos em 2020.

Seleção brasileira das ondas de todos os tempos – Não, não comecei a gostar de surf agora. Nos anos 1980/90 já acompanhava as notícias e regozijava a alma com as belas fotos que estampavam as capas e pôsteres das revistas especializadas no assunto. Além, claro, de apreciar o surf de Picuruta Salazar, Rico, Bocão, Taiú, Tinguinha, Jojó de Olivença, Carlos Burle, Fabio Gouveia, Peterson Rosa, Teco Padaratz, Dadá Figueiredo, Eraldo Gueiros entre tantos outros nomes do surf nacional.

Gabriel Medina é bi-campeão Mundial de Surf. Foto: Ed Sloane.

Os tempos mudaram e o surf brasileiro atingiu um outro nível. São 11 atletas na elite para 2019 e das 50 vagas no WQS na América do Sul em 2018, 36 são de brasileiros. É muito brasileiro competindo. É muito brasileiro colocando fogo na competição. Foram, em 2018, 9 vitórias brasileiras em 11 eventos:

Italo Ferreira no Rip Curl Pro Bells Beach
Filipe Toledo no Oi Rio Pro
Italo Ferreira no Corona Bali Protected
William Cardoso no Uluwatu CT
Filipe Toledo no Corone Open J-Bay Men’s
Gabriel Medina no Tahiti Pro Teahupo’o
Gabriel Medina no Surf Ranch Pro
Italo Ferreira no MEO Rip Curl Pro Portugal
Gabriel Medina no Billabong Pipe Masters

Parece até Copa do Mundo – O primeiro título mundial de Medina aconteceu em 2014 com 3 vitórias em 11 etapas. A final daquele Pipe Masters, curiosamente, também foi contra Julian Wilson, mas em 2018 a história seria diferente.
Se o futebol tem nos causado mais vergonha que orgulho, o surf nacional tem nos salvado da miséria de títulos. O futebol, ora prodigioso, despencou para uma emaranhado enfadonho de cursos e metodologias que mais nos tiram a criatividade e a arte do que nos impulsiona para a volta do futebol bonito que sempre apresentamos. O resultado disso, todos lembramos bem em 2014 e em 2018 também.

Menino bom ~não só~ de onda – Medina é atleta completo. Focado, disciplinado, estrategista e de técnica apuradíssima. E não é só isso! Leva sua vida de maneira discreta, sem dar pano para o deleite de revistas de fofoca, sem declarações toscas, sem comportamento distinto do que se espera de um atleta e, portanto, exemplo para milhares de crianças ao redor do mundo.

Tem no Instituto Gabriel Medina em Maresias, espaço para desenvolvimento de jovens talentos do surf e a única exigência é a frequência nos treinos e na escola.
Medina também é um grande incentivador da irmã Sophia, que, aos 13 anos compete em alto nível e participará do Rip Curl Grom Search em 2019.

Sophia Medina no Rip Curl Grom Search em Búzios. Foto: Pedro Monteiro.

Este é um detalhe que merece ser sublinhado. É muito natural observarmos nas famílias surfistas o empenho para alavancar a carreira dos homens. Mesmo que as mulheres da família atuem no esporte, não chegam a se destacar internacionalmente. O fato transparece em nossa representação feminina no circuito mundial, que conta com Silvana Lima, Tatiana Weston-Webb e Taís Almeida. Baixo número frente às australianas, americanas e havaianas.

Com a rotina de treinamento e incentivo de Medina, Sophia dá sinais de que o brazilian storm não é só uma fase. A base feminina está se formando e tem tudo para fazer frente às gringas já nos próximos anos.

Ubatuba, capital do surf e a próxima geração – Filho do bi campeão brasileiro Ricardo Toledo, Filipe chegou causando frisson. Apesar de não conseguir o título, Filpe mostra ao mundo o que a capital do surf tem de melhor: atletas arrojados.

Como dito no segundo parágrafo, viver em Ubatuba nos coloca em contato com a rotina de surf da cidade. Em razão disso, pude presenciar o treino da atleta Nairê Marquez. A pequena tem conquistado títulos em várias categorias sendo os dois mais recentes na terceira e última etapa do Ubatuba Pro Surf: categorias sub12 e sub18.

Nairê Marquez, surf feminino de base de Ubatuba. Foto: Renato Boulos.

Para saber do que estou falando, é preciso ver Nairê na água. Arrojo é pouco! A menina avança sobre as águas com o ímpeto de quem busca espaço e representatividade num país que privilegia o esporte masculino e vive se perguntando se as modalidades femininas “dão retorno financeiro”.

Em se tratando de busca de equidade, representatividade e incentivo, é na pessoa de Gabriel Medina que isto se torna cristalino como a água.

O país está feliz com o inédito segundo título brasileiro no mundial e isto tem muito a ver com o que Gabriel Medina é dentro e fora do mar. Mais que um camisa 10 para ajudar elevar nossa autoestima, o menino só tem marcado golaços nos últimos anos.

É tempo de gritar Aloha já que o grito de gol está entalado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. Medina – É tempo de gritar Aloha já que o grito de Gol está entalado. Ludopédio, São Paulo, v. 114, n. 20, 2018.
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