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Futebol potiguar: memórias do Machadão

Lucas Costa Universidade do Esporte 18 de outubro de 2020

O último dia das crianças, no dia 12 de outubro, me fez tentar puxar na memória quando foi a primeira vez que pisei num estádio de futebol, mas a lembrança de data, jogo e horário fugiram a mente, e tampouco quem me levou soube dizer com exatidão quando aconteceu esse “batismo” de um garotinho no gigante de concreto. Porém, algo que jamais esqueci foi o nome daquele lugar que me fez sentir na alma o que era o futebol: estádio João Cláudio de Vasconcelos Machado, O Machadão.

Entre idas e vindas no histórico estádio potiguar, lembro de uma tarde que eu e meu pai chegamos cedo, antes do jogo, e minha primeira reação na arquibancada diante do campo era sempre ficar paralisado olhando aquela imensidão que parecia não ter fim. Meu pai, abcdista, não conseguiu me passar sua paixão alvinegra, pois minha avó e meu tio foram mais rápidos e me vestiram de vermelho e branco, garantindo o aumento da apaixonada torcida americana.

Mesmo sem aceitar a herança alvinegra, isso nunca impediu meu pai de me levar aos jogos do América, o mais importante era me mostrar e ensinar como torcer, vibrar, pular de alegria e se decepcionar com o clube que se escolhe, lições que servirão para o resto da vida.

O estádio inicialmente não possuía o nome atual, chamava-se Humberto de Alencar Castelo Branco, que foi ex-presidente da República durante a ditadura cívico-militar. Contudo, tempos depois, em 1989, foi rebatizado em homenagem ao ex-presidente da Federação Norte-rio-grandense de futebol, João Machado. A inauguração se deu no dia 4 de junho de 1972 com dois jogos logo de cara: um Clássico Rei entre ABC e América, e, posteriormente, Vasco e Seleção Brasileira Olímpica. Quem cravou seu nome na história foi o jogador William, volante do ABC, sendo o primeiro a balançar as redes do até então Castelão.

O inesquecível Machadão. Foto: Wikipedia.

Projetado por Moacyr Gomes da Costa, sua capacidade máxima inicial era estimada em 57 mil espectadores. Oficialmente, a partida de maior público foi um jogo pelo Campeonato Potiguar de 1976 entre América e ABC, 50.486 pessoas assistiram uma vitória alvirrubra por 2 a 1. Porém, fala-se de uma partida histórica em 1972 entre o ABC de Alberi e o Santos do rei Pelé, com mais de 52 mil pessoas nas arquibancadas. O Mais Querido também é detentor do menor público registrado: 13 pessoas assistiram no estádio uma vitória alvinegra por 2 a 1 contra o Emserv, com uma renda total de 26 reais, em 1995.

Outro jogo que mexeu com os ânimos da capital potiguar foi quando a Seleção Brasileira desembarcou no RN para jogar um amistoso contra a Alemanha Oriental. Essa foi a primeira vez que a seleção jogou no estado, e era nada menos que a emblemática equipe de 82, comandada por Telê Santana e que contava com craques estrelados como Zico e Roberto Dinamite. O time que entrou em campo foi: Waldir Peres; Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior; Toninho Cerezo, Renato e Zico; Paulo Isidoro, Roberto Dinamite e Mário Sérgio. A seleção saiu vitoriosa do confronto por 3 a 1, para a alegria de mais de 48 mil pessoas no Castelão.

O “poema de concreto” foi palco de glórias de times como América, ABC e Alecrim, além de ter recebido diversas competições como Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, estaduais e amistosos até da Seleção. Com o passar do tempo foi recebendo modificações até chegar à capacidade de 33 mil pessoas.

O Machadão recebeu torcedores de todas as classes sociais, sua construção ajudou na massificação do esporte em terras norte rio-grandenses. Uma de minhas melhores lembranças é de um jogo do Mecão, oportunidade em que o estádio estava relativamente lotado, e eu e meu fiel companheiro de arquibancada – meu pai – estávamos na parte superior da arquibancada, um pouco afastados da multidão, até que então o alvirrubro marcou um gol e o estádio explodiu. Um cara que estava do nosso lado comemorou muito o gol e abraçava meu pai, que soltava aquele sorriso amarelo, pois estava secando o América.

Em dia de jogo, os arredores do Machadão eram sempre movimentados. Foto: Wikipedia.

No novo século, o Colosso de Lagoa Nova – bairro onde ficava localizado – passou por reformas quando o América subiu para a Série A e com isso, a expectativa de um maior público surgiu. Entretanto, mesmo com as reformas, os dias dele estavam contados. A Copa do Mundo de 2014 e o tal “padrão FIFA” de qualidade surgiram na capital potiguar, e quem sofreu com isso foi o Machadão.

O “assassinato” aconteceu em novembro de 2011, para dar lugar à Arena das Dunas. Por coincidência do destino, o último Clássico Rei disputado acabou com uma vitória do ABC por 1 a 0, igual ao primeiro disputado lá. Já a última vez que a bola rolou na grama do Machadão foi entre Alecrim e ABC, também com vitória alvinegra.

Indo ao estádio aprendi que existem diversos tipos de torcedores, aqueles mais agitados, os mais tímidos, os que gostam de discutir tática e esquemas, os que xingam o técnico e o juiz, e também os que jamais abandonam o velho rádio de pilha, além de ver que o jogo em si não é o único atrativo ali, que a união entre pai e filho, amigos e familiares transcende às quatro linhas. Puxando na memória ainda consigo lembrar de cada degrau, do cheiro dos banheiros sujos, do gosto do cachorro quente da lanchonete e da pipoca.

Após a demolição do Machadão, fui poucas vezes a estádios, ver pela TV aquele gigante caindo me tirou um pouco o brilho do esporte, só sentindo de volta essa emoção em pisar em um quando cobri meu primeiro jogo pelo Universidade do Esporte.

Ele está marcado na memória de cada torcedor potiguar que pôde pisar em seu concreto e festejar o futebol.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lucas Costa

Potiguar, estudante de Jornalismo pela UFRN, aspirante a repórter, apaixonado por táticas ofensivas, mas amante de certas "retrancas".

Como citar

COSTA, Lucas. Futebol potiguar: memórias do Machadão. Ludopédio, São Paulo, v. 136, n. 42, 2020.
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