Nunca fui mimado por minha avó paterna. Sequer fomos próximos dela, pra ser mais honesto. Afora alguns problemas normais de família, ela chegava e ia embora de casa rapidamente, com pouca ou nenhuma cerimônia, uma frieza e distanciamento que, só conhecendo a história dos mais velhos, pude entender os motivos.
A primeira lembrança que vem à mente ao falar de Copa do Mundo me leva a 1998. França. Final. Escanteio. Gol. Zidane. Meu pai levanta, bravo. Mas a irritação não foi com o primeiro gol daquele 12 de julho.
– O que minha mãe está fazendo na rua a essa hora? Quem sai de casa pra fazer qualquer coisa quando o Brasil joga uma final de Copa do Mundo? No meio do jogo, só pra me foder a paciência.
Ninguém ousava responder ou falar com ele. Tanto pela perplexidade do gol daquele francês quanto pelo medo de pagar a conta do chamado no portão na hora errada. No dia errado. No ano errado. Na Copa errada.
Naquela tarde de domingo, entendi a grandeza desse evento, o maior do mundo. E acho que nem você se deu conta da lição que me ensinou sem querer, pai – se eu disser “o senhor”, vou levar bronca, pois ele lê todas as bobagens que escrevo.
Quando lembrei meus pais dessa singela história, o coroa voltou a ficar bravo com minha vó. Nem o fato de outros tantos problemas familiares atuais que envolvem uma doença – talvez terminal – com ela fez com que meu espelho mais velho a perdoasse de tamanho pecado: ousar fazer qualquer outra coisa que não fosse assistir àquela final de Copa do Mundo.
Até o dia em que minha vó não pôde mais responder por si, essas visitas esporádicas de menos de dez minutos à minha casa foram frequentes e por vezes irritantes. Antes da cabeçada de Zidane em Materazzi, em 2006, ela se encaminhou ao ponto de ônibus a duas quadras de casa enquanto meu pai corria esbaforido, entrava na sala e me perguntava o motivo da expulsão do (outro) careca genial.
Respondi sem tirar os olhos da tevê, mais perplexo do que oito anos antes.
Minha vó talvez não tenha aprendido o que é a Copa em sua plenitude e nunca vai entender o que ela representa. Pra mim, são 30 dias diferentes de tudo na vida, desde aquele inconveniente toque na campainha.
Mesmo quando um careca, como eu, sobe mais alto que todo mundo e acaba com o sonho adversário.
*Esta crônica faz parte do livro “De Letra: o futebol é só um detalhe”, cujo lançamento será em 2 de abril. Outras informação sobre o evento estão disponíveis AQUI e AQUI.