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Mudanças no futebol. Para quê? Para quem?

Felipe Vinícius de Paula Abrantes 24 de outubro de 2016

Muito se fala a respeito da modificação do formato do campeonato brasileiro. Há aqueles que defendem o modelo de nacional “inspirado” na Europa, dizendo que o certame se torna mais justo. Premiando aqueles clubes mais regulares, com os melhores elencos e que se preparam melhor fisicamente para o torneio. Alguns ainda, ressaltam a maior organicidade que a manutenção de um único modelo oferece. Minimizando, por exemplo, casos de viradas de mesa e outros recursos pouco nobres que os cartolas do futebol lançavam mão, para não sofrer as consequências de um rendimento ruim dentro de campo (o que não é totalmente assegurado uma vez que recentemente, já no modelo de pontos corridos, assistimos uma situação semelhante).

Os que criticam o modelo vigente, se atém ao fato do campeonato de pontos corridos perder o caráter de decisão, partidas de muita emoção e apelo para o torcedor. Principalmente nos jogos finais da fase de classificação e nos jogos da fase de “mata-mata” que o campeonato “antigo” oferecia. Alguns ainda vão além e sustentam que a mudança para o modelo atual,  visou somente potencializar e manter o futebol, cada vez mais, como um produto na grade da TV. Pois, para que ele seja um produto mais rentável é preciso saber quando, onde, como e com quem os jogos irão acontecer. O que fica mais difícil na imprevisibilidade dos torneios mata-mata.

Um fator que não é tão lembrado em relação a consequência de um nacional de pontos corridos é o grande números de jogos no ano. O inchaço do calendário, grande reclamação de parte de jogadores e técnicos, veio a tona com Campeonato Brasileiro de pontos corridos. No entanto, quando se procura e se fala (principalmente na mídia) de uma possível solução para este fato, o primeiro a entrar na mira são os campeonatos estaduais. O estadual, que na retórica mercadológica, é ultrapassado e não tem nenhum significado, nenhuma importância atualmente. Porém se esquecem que vários clubes pequenos dos interior dos estados brasileiros, vivem quase exclusivamente dos estaduais. Extinguir este torneio pode significar a extinção de vários clubes pequenos e tradicionais do país. E ainda fica a pergunta. Mesmo se nos atermos para as questões econômicas, quem pode dizer que os estaduais não representam uma importante atividade para a economia local de várias pequenas cidades? É preciso mais estudos neste sentido para que possamos afirmar ou não o esvaziamento do “sentido” econômico dos campeonatos estaduais.

Mais uma mudança se aproxima. A “Championização” da Libertadores.

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Chamada “paixão pela Libertadores. Foto: YouTube (reprodução).

Alguns dias atrás (28/09/2016) a CONMEBOL anunciou uma série de mudanças no formato de disputa da Taça Libertadores da América. Dentre as mudanças anunciadas as mais comentadas estão a criação de mais uma fase preliminar (antes da fase de grupos), a duração da competição passa a ser de 10 meses (praticamente toda a temporada, de fevereiro a novembro), e finalmente, a disputa da final em jogo único e campo neutro. Não coincidentemente todas essas mudanças citadas acima fazem parte do formato da Liga dos Campeões da Europa. E também não coincidentemente, a empresa/consultor que “ajudou” na reformulação é espanhol(a), provando que o complexo de vira-latas não é exclusividade brasileira, mas também faz parte dos nossos vizinhos sul-americanos, como disse meu amigo, Luciano J.J.

Das citadas mudanças a mais problemática, a meu ver, é a final em jogo único e campo neutro. Os “gênios” podem ter se esquecido do tamanho do nosso continente. Além claro, das dificuldades em fazer viagens entre os países sul-americanos. Posso estar enganado, mas me parece que não temos nenhum trem-bala que ligue pelo menos dois dos 12 países da América do Sul. Pelo menos no Brasil (que conheço melhor), muitos torcedores ficariam sem possibilidade de TENTAR assistir a uma final, pois não teriam condições de pagar uma passagem aérea e todas as outras despesas de uma viagem deste tipo. A aquisição do próprio ingresso da partida já é a cada dia mais difícil para o torcedor mais empobrecido. Acrescido esse gasto, com a viagem se torna impossível a presença do torcedor com este perfil socioeconômico. Isso sem falar da presença dos times mexicanos no torneio. Para os aficionados mexicanos, todo esse deslocamento é ainda mais difícil, assim a presença dos torcedores fica praticamente inviável. No limite, corremos sério risco de ter uma final de libertadores com o estádio relativamente vazio. Segue abaixo uma frase da página “O Canto das Torcidas” no Facebook:

“E a libertadores vai se acabando aos poucos, infelizmente! Que decisão infeliz desses cartolas, nosso continente é bem maior que a Europa, nem todo mundo consegue “viajar pro tal campo neutro” sem desembolsar uma bela grana. Então o torcedor apoia o time o campeonato todo e vocês privam ele de ir ver uma FINAL DE LIBERTADORES? O Futebol é do povo, seus cartolas de m*&#@!”

#R.I.PFutebol e #R.I.PLibertadores. Foram com estas hashtags que vários torcedores comentaram estas novidades nos sites de notícia esportiva e nas redes sociais. O rest in peace, infelizmente, pode acabar se tornando uma realidade. Deixar de ser somente simbólico ou uma frase de protesto, pois, com já dito, com mais esse inchaço do calendário (mesmo que para poucos clubes brasileiros, porém com grande influência nas decisões políticas e organizacionais), se algum campeonato “precisar” deixar de existir, não tenhamos dúvidas que a corda vai (continuar) arrebentar no lado do mais fraco.

PS: Uma mudança que veio junta neste pacote foi a exigência do CONMEBOL de todos os clubes que disputem a Libertadores tenham equipes femininas em seus quadros. Esta PODE ser uma boa notícia. Mas é preciso saber como será esta cobrança? Times femininos “de fachada” serão suficientes para atender esta exigência? Os jogos do futebol de mulheres serão transmitidos? Quais serão as condições de treinamento para elas? A CONMEBOL vai exigir o mesmo tratamento dado aos homens por parte dos clubes? A própria CONMEBOL vai tratar o futebol praticado por mulheres de forma igualitária? Essas são algumas questões pertinentes,  e esse é mais um importante assunto para nosso papo de arquibancada.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Felipe Abrantes

Graduado em Educação Física, modalidade licenciatura, pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre e doutor em Estudos do Lazer no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer - PPGIEL/EEFFTO/UFMG. Atua e tem interesse na área dos estudos do futebol e do torcer, do lazer e da Educação Física escolar. Atualmente é professor do ensino básico na Prefeitura de Santa Luzia - MG.

Como citar

ABRANTES, Felipe Vinícius de Paula. Mudanças no futebol. Para quê? Para quem?. Ludopédio, São Paulo, v. 88, n. 10, 2016.
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