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Mulheres, torcedoras e… presença no estádio de futebol

A cada dia ouvimos comentaristas esportivos, jornalistas e acadêmicos/as dizendo que a presença das mulheres nos estádios está aumentando. Entretanto, pouco se sabe sobre essas torcedoras, suas características sócio-econômicas, sua relação com o seu time, sua relação com o estádio, como manifestam o seu torcer, afinal, em sua maioria, essas mulheres não entram nas estatísticas oficiais dos clubes, dos/as jornalistas, dos/as gestores/as públicos/as e de alguns/algumas estudiosos/as sobre o futebol, pois são tratadas no conjunto dos torcedores do clube.

Assim, com base nessas e em outras inquietudes venho pautando os meus estudos sobre o futebol dentro do GEFuT (Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas), especificamente o pertencimento clubístico, as mulheres e também tentando caminhar para as relações de gênero, pensando na construção de feminilidades e masculinidades promovidas por esse espaço.

Podemos afirmar que a presença do público feminino nos jogos de futebol se dá desde as primeiras manifestações de ocorrência do esporte nas cidades brasileiras. Essa presença, embora vá se reconfigurando ao longo do tempo, se mantém regular e constante.

Atualmente, podemos dizer que a presença das mulheres nas arquibancadas dos estádios tem ganhado destaque, já que cada vez mais elas vêm participando da construção desse espetáculo, tornando-o uma atividade de lazer e contribuindo para a construção de valores e (re-)significados do futebol. No entanto, essa incorporação apresenta alguns obstáculos e preconceitos, entre os quais, a dificuldade de legitimação da mulher como cidadã que é capaz de ter um pertencimento clubístico e interessar-se pelo jogo de futebol, compreendendo-o em seus aspectos técnico-tático, econômico, social, político e cultural. Esse quadro sucede pela construção histórica em torno do futebol e da imagem da mulher (e do homem) na sociedade.

Essas diferenças no acesso às vivências que mulheres e homens experimentam na sociedade são frutos de construções sociais atribuídos a cada um dos sexos, em um dado contexto histórico. Tal construção se deu – e ainda se dá – como se fosse de forma natural, por meio de discursos, ditados, provérbios, cantos, representações gráficas e silenciamentos dos sujeitos. De acordo com Louro (1997), isso não se refere apenas às características sexuais, mas a tudo o “[…] que se diz ou pensa sobre elas, tudo o que se representa, valoriza ou desvaloriza que, efetivamente, constitui o feminino e o masculino numa dada sociedade e num dado contexto histórico”1.

Dessa forma, é importante compreender e estudar as mulheres torcedoras, as mulheres jogadoras, enfim, as mulheres que adentram nesse universo tido como masculino (hegemônico) para ampliar o olhar sobre o futebol, suas características e contradições, entendendo como as relações de gênero e os exercícios de poder se constituem nesse espaço.

Foi isso que procurei fazer em minha dissertação, defendida junto ao programa de Mestrado em Lazer da UFMG. O meu estudo teve como objetivo analisar as mulheres torcedoras da equipe de futebol do Cruzeiro Esporte Clube, presentes no estádio Governador Magalhães Pinto – Mineirão –, Belo Horizonte/MG, e a relação estabelecida por elas com o clube e com o estádio.

Em um primeiro momento, procurei traçar um perfil sociológico dessas torcedoras e, em um segundo momento, compreender a relação estabelecida por essas torcedoras com o Cruzeiro e com o Mineirão.

Para traçar o perfil sociológico, foram aplicados 443 formulários e, para compreender a relação com o Clube e com o estádio, foram realizadas 14 entrevistas semiestruturadas.

A pesquisa confirmou que houve um aumento contínuo do número de mulheres presentes no Mineirão a partir da década de 1990. Ao realizar o somatório das torcedoras que vão frequentemente e as que sempre estão presentes no estádio, há um elevado número de mulheres que adotam a ida ao estádio como uma opção de lazer.

Os dados encontrados no formulário apontam que esse grupo social é formado por um elevado número de mulheres que adotam a ida ao estádio como uma opção de lazer. Elas variam em idade, formação profissional, local de residência, condições econômicas e formas de se relacionar com o Cruzeiro.

Ao ouvir às que estão sempre presentes no estádio, apontou-se que a família, principalmente o pai, tem grande influência na escolha por esse clube. A relação da torcedora com o Cruzeiro é pautada por laços de fidelidade, compromisso e paixão. Ir ao estádio implica participar ativamente das vitórias e derrotas do Clube, bem como uma liberdade de expressão.

As falas das torcedoras, bem como as análises, ajudam a demonstrar o quão (in) tensa é a relação da torcedora com o estádio. Ao mesmo tempo em que buscam o seu espaço, acabam reforçando normas sociais existentes. Ao adotar como referência a forma de torcer masculina, as mulheres acabam reforçando uma visão unívoca do que é ser uma torcedora dificultando a sua apropriação e inserção legítima nesse espaço e desconsiderando que existem várias formas de torcer e de manifestar o pertencimento clubístico.

Com base nos resultados obtidos, a pesquisa pode subsidiar políticas públicas para que se invista na acessibilidade das mulheres aos estádios de futebol e sua permanência neles como opção de lazer, procurando melhorar a logística e a infraestrutura desses locais de modo a atendê-las em suas particularidades. Como exemplo, pontos que viriam a contribuir para aumentar a autonomia não só das mulheres, mas de toda a população que frequenta esse local, tais como segurança, transporte público, limpeza do estádio, qualidade na alimentação dos bares.

*Este texto é parte integrante da minha dissertação de Mestrado, intitulada “Mulheres torcedoras do Cruzeiro Esporte Clube presentes no Mineirão”.

 


[1] LOURO, Guacira L. Construção escolar das diferenças. In: IX ENCONTRO NACIONAL DE RECREAÇÃO E LAZER, 1997, Belo Horizonte. Anais… Belo Horizonte: UFMG, 1997, p.68-76.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Priscila Augusta Ferreira Campos

Professora do Centro Desportivo da Universidade Federal de Ouro Preto - CEDUFOP; Doutora em Educação Física/UNICAMP, Mestre em Lazer/UFMG; Graduada em Educação Física/UFMG, Membro do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas - GEFuT/UFMG; torcedora do Cruzeiro Esporte Clube e frequentadora de estádios.

Como citar

CAMPOS, Priscila Augusta Ferreira. Mulheres, torcedoras e… presença no estádio de futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 12, n. 1, 2010.
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