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Na Zona do Agrião: uma nova coluna

Raul Milliet Filho 21 de outubro de 2019

Terei a alegria de iniciar uma nova coluna com meu colega e amigo Marcelo W. Proni aqui no Ludopédio e no Deixa Falar.

Eu e Marcelo nos revezaremos abordando temas que vivem na Zona do Agrião, falando de futebol, política, economia, samba e cultura de maneira geral.

Como esta foi uma invenção do mestre João Saldanha, começo definindo nas palavras dele as razões desta sua criação.

Zona do agrião. Foto: Wikipedia.

Caldeirão do Diabo, Corre Biscoito: são muitas as definições dali, da entrada da área. Saldanha inovou com Zona do Agrião.

No documentário (média-metragem) que tive a oportunidade de dirigir, Quem não faz, leva, João Saldanha vai mais fundo na abrangência da Zona do Agrião:

“Ali é a entrada da área. Parte-se de uma concepção biológica que seres da mesma espécie se agrupam para se defender de seres de outras espécies. E o agrião é uma planta desgraçada. Se você pega um canteiro e planta agrião, ele vai e engole as outras plantas. Então, na entrada da área, você tem que agir como agrião.”

O documentário na íntegra. Esta fala inédita de João Saldanha aparece bem no início (1 minuto e 40 segundos), logo depois do Osmar Santos.

Em entrevista inédita ao Projeto Memória do Esporte, João Saldanha fala sobre a Zona do Agrião:

[…] Vocês conhecem aquela do Neném Prancha? De que “jogador tem que ir na bola como quem vai num prato de comida”. Pois é, me inspirei nessa para bolar Zona do Agrião. E já cansei de dizer que o futebol é uma grande zona do agrião. Dentro e fora do campo. Pensar o contrário é próprio de quem não pensa dialeticamente e não é do ramo. Aliás, hoje, vemos uma turma de “estudiosos” que de estudiosos não têm nada, com uma visão idílica, só idílica do futebol brasileiro. Penso que o futebol em nosso país é um fator básico para as classes populares em sua cultura e autoafirmação, com características que nenhum outro esporte possui. Mas, como qualquer fenômeno da vida social, é contraditório e suas contradições estão relacionadas com a nossa sociedade. Afinal, não jogamos futebol na Lua. Tem gente que diz que o pensamento marxista não lida com fatos. Bobagem: se não lida, não é marxista. E algumas análises que vejo sobre o futebol, de pesquisadores não marxistas e, às vezes, antimarxistas, não partem da realidade dos fatos. Eles querem é adaptar o manequim ao paletó, e positivamente o figurino não fica bom. Para falar de futebol, de sindicalismo, de literatura ou qualquer outro assunto, é preciso lidar com o universo interior das coisas. Do contrário, não há análise que resista. E digo mais, algumas besteiras só reforçam aquele preconceito antigo contra o futebol, que, vocês sabem, pegou gente da genialidade de um Lima Barreto e de um Graciliano Ramos.

E a coisa não é mecânica. Às vezes, certas pessoas acham que nós (comunistas) somos idiotas. Positivistas. Ora, já fiquei rouco de tanto falar que muitas vezes o futebol, a música popular, mas vamos ficar no futebol, enquanto arte, manifestação cultural e esporte, anda na frente, num estágio mais avançado do que aquilo que vulgarmente chamam de infraestrutura. O próprio Flávio Costa disse isso com aquela sua famosa frase “no Brasil, o futebol só evoluiu da boca do túnel para dentro do campo”. Hoje, nem isso. Estou preocupado. A militarização, a burocratização do treinamento esportivo, o desaparecimento progressivo dos campos de pelada nas grandes e médias cidades, a banalização do espetáculo, a mercantilização excessiva, a utilização dos jogadores como objetos e a supremacia das teorias de treinamento baseadas, burramente baseadas, na supervalorização da força das “táticas” sobre o talento e a habilidade […] assim, vamos para o vinagre.

Carlos Didier, dentro de seu habitual talento e criatividade, aprofunda ainda mais os meandros da Zona do Agrião na introdução do quinto capítulo da tese Cenários e personagens de uma arte popular: futebol brasileiro, hegemonia, narradores e sociedade civil:

“Zona do agrião” é uma expressão carioca antiga. Não foi cunhada por Orestes Barbosa. Estava na boca de chorões da velha guarda, como Pixinguinha, que morou no Catumbi, a “zona do agrião”. O que Orestes Barbosa fez foi utilizar, em crônica, a expressão. Nessa época, na década de 1920, referia-se ao 9º Distrito, Catumbi e Mangue, e designava a zona da malandragem, do perigo, da valentia. “Com que roupa?” era também uma expressão popular. Antes de Noel Rosa eternizá-la em união ao samba. João Saldanha fez como Noel Rosa: eternizou “zona do agrião”, ao associar a expressão ao futebol.

Quem tiver interesse clique e baixe a tese mencionada.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Raul Milliet Filho

Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo.

Como citar

FILHO, Raul Milliet. Na Zona do Agrião: uma nova coluna. Ludopédio, São Paulo, v. 124, n. 22, 2019.
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