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“Não haverá Mundial” – o presidente que disse não a FIFA

Em 1974, a Colômbia foi indicada como sede da Copa do Mundo que seria realizada em 1986. Misael Pastrana Borrero era o homem na cadeira da presidência colombiana e apenas confirmou a vontade da poderosa FIFA que prolongava seus tentáculos no mundo.

Desde a década 1960 a Colômbia passava por uma crise social gravíssima com a guerrilha armada e o narcotráfico assolando o país com uma onda avassaladora de violência. Mesmo neste cenário, Pastrana Borrero firmou pacto com a FIFA para sediar o Mundial dali a 12 anos.

Porém, quando 1986 chegou o presidente colombiano atendia pelo nome de Belisario Betancur. Entre 1982 e 1986, Betancur governou a Colômbia em seu período mais conturbado na história, a interação entre a guerrilha armada e o narcotráfico gerava acontecimentos como a tomada do Palácio de Justiça em plena Bogotá. A ação coordenada pelo grupo armado M19 e financiada por Pablo Escobar deixou 99 mortos e o clima de terror no ar.

Foi assim que Belisario Betancur negou sediar a Copa do Mundo de 1986. Logo que assumiu o governo, em 1982, preferiu resolver os problemas de seu país, cuidar de seu povo e, como disse em seu histórico discurso que anunciou o veto à Copa, elegeu prioridades:

“Como preservamos o bem público, como sabemos que o desperdício é imperdoável, anuncio a meus compatriotas que o Mundial de Futebol de 1986 não será realizado na Colômbia, mediante democrática consulta sobre quais são nossas reais necessidades. Não se cumpriu a regra de ouro, na qual o Mundial deveria servir à Colômbia, e não a Colômbia à multinacional do Mundial”.

A crise econômica era outro grande problema na Colômbia dos anos 1980, e entre as exigências da FIFA estavam 12 sedes com estádios de capacidade mínima de 40 mil lugares, que contassem com modernos sistemas de iluminação e que estivessem localizados em cidades equipadas com aeroportos, ferrovias e rodovias — soa familiar ao brasileiro de 2014.

Belisario Betancur
Belisario Betancur, ex-presidente da Colômbia. Foto: Vanessa Reyes.

Betancur justificou a desistência se referindo às exigências da FIFA:

“Aqui temos outras coisas para fazer, e não há sequer tempo para atender às extravagâncias da FIFA e de seus sócios. (Gabriel) García Márquez nos compensa totalmente o que perdemos de vitrine com o Mundial de futebol”.

Quis o destino – e Betancur – que o México fosse palco para os dois maiores

O México acabou como destino da Copa do Mundo em 1986 por já ter a estrutura existente desde a Copa de 1970 e se tornou o solo sagrado onde Pelé e Maradona foram campeões do mundo.

Não foi fácil para Belisario Betancur dizer não a FIFA como não é fácil até hoje dizer não a Federação máxima do futebol, que controla o esporte mais popular e, consequentemente, mais rentável do planeta.

As três últimas Copas são exemplos de países que deveriam ter investido seus bilhões em outras coisas e não em estádios, países que precisavam ter seus Betancur com a coragem necessária para enfrentar a FIFA, negar a Copa do Mundo e dizer: aqui temos prioridades.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. “Não haverá Mundial” – o presidente que disse não a FIFA. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 39, 2021.
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