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Não vejo nada, não vejo fita dominada

Luciane de Castro 17 de junho de 2017

As minorias estão lutando bravamente. Há, por todos os cantos, batalhas diárias pela preservação dos direitos básicos dos cidadãos, respeito pela diversidade, luta pelo direito de ocupar todos os espaços, contra a violência e extermínio da juventude negra e periférica, contra o feminicídio e tantas outras que se intensificaram no último ano.

Mulheres das arquibancadas de todo o país se reuniram no Museu do Futebol no último dia 10, numa demonstração de força ímpar. Levaram relatos, demandas, proposições, debates, além de lindas fardas e amor pelo clube de coração. Mas, para além dos escudos que separam todas nós, mortais, durante a peleja, o que se viu foi um forte congraçamento em torno de um só objetivo: o respeito e o direito à ocupação dos espaços próprios do futebol.

lgbtNesta sexta, 16, o Museu do Futebol também recebeu o encontro “Esportes nos grupos LGBT – Como tornar o esporte mais inclusivo?”, abrindo mais um espaço para a diversidade/minorias, ou seja, grupos historicamente excluídos também estão se organizando em busca da troca de ideias, abertura para o debate e luta pelo direito à ocupação dos mesmo espaços próprios do futebol.

Hoje, sábado, está rolando os “Jogos da diversidade” no Complexo Esportivo do Ibirapuera, evento organizado pelo CDG Brasil – Comitê Desportivo LGBT e pela APOGLBT – Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.

Faço este pequeno apanhado de ações para uma reflexão acerca da participação das atletas do futebol em atividades cujo o foco é o empoderamento e a postulação de direitos.

Dentro de dois dos eventos citados – I Encontro Nacional das Mulheres de Arquibancada e Esportes nos Grupos LGBT – não houve participação das mulheres que jogam futebol em alto rendimento. Quando falo em alto rendimento, falo das atletas, as inseridas em equipes que disputam competições oficiais.

A ausência das atletas em atividades extra campo e mais especificamente em atividades em que os objetivos estão além da própria prática, é sentida e, de minha parte, cobrada quase à exaustão.

Se antes questionava a inércia e a apatia ante os abusos e absurdos que sempre permearam as relações das mulheres com seus clubes, técnicos e demais agentes, o momento crítico de polaridade no país produz não só mais indagações, como também a necessidade de compreender esse descolamento dos movimentos e o ar de “não temos nada com isso” que essa desatenção denota.

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Mulheres com sinalizadores durante o I Encontro De Mulheres De Arquibancada – Resistência e Empoderamento. Foto: Maurício Rodrigues.

Impossível aceitar o argumento de que vivem no limbo da informação. Nas redes sociais bombam eventos, notícias, articulações, engajamento com temas que abordam especificamente o ganha pão – ou o simples direito à prática – desta classe em específico.

Avanço na abordagem. Há a necessidade de confraternizar com movimentos que abraçam o embate de ideias. A luta não pode ficar restrita ao campo e à busca por um resultado, uma classificação, a superação física ou o refinamento das habilidades. Há mobilizações acontecendo no campo futebol, que lidam diretamente com o que é praticado. Isentar-se da participação, delegando à outros grupos a luta que é comum, sem pontuar ou se organizar para que haja ao menos um pequeno grupo representante – logo um exposição mais clara de pretensões, posicionamento e articulação – é, de certo modo, negligenciar o destino da modalidade.

resistencia-mulheresCompreendo os compromissos que a vida de atleta impõe, mas não acredito em falta de tempo para uma organização mais política no sentido de ter voz ativa em um momento em que direitos são retirados e violência contra mulheres e LGBT’s avança em números alarmantes, próprios de um período de polarização em que o diálogo perde para a ignorância e para o isolamento.

A sensação que tenho é a de que os problemas reais, as dificuldades, a alta taxa tributária, os preços alarmantes, o abismo social, os desamparados, parte de nossa classe política corrupta, o negócio futebol enchendo as burras de meia dúzia, não fazem parte do mesmo mundo dos atletas do futebol no geral, lamentavelmente.

Se o futebol nos representa tão profundamente, se ele conversa com tudo que nos cerca, por que raios os protagonistas do jogo se sentem excluídos – ou se excluem – da discussão necessária?

Enquanto isso, as mulheres das arquibancadas bancaram um evento maravilhoso com a presença, inclusive, de mulheres gestoras, organizadoras de eventos, jornalistas, acadêmicas e toda representatividade possível, faltou apenas as jogadoras de futebol, que, antes de jogar, são torcedoras também.

Enquanto isso, grupos LGBTs organizam competições, participam de encontros, debatem e se posicionam.

Onde, nestas duas ocasiões, jogadoras de futebol não se enquadram? Mulheres são protagonistas de muitos feitos ao longo da nossa história, basta uma visita à página “As mina na história”, da querida Bia Varanis, para constatar o tamanho da nossa representatividade.

O momento é urgente. O assunto é de interesse e não se pode esmorecer ou não assumir compromisso. Nesta gangorra que é a vida/o tempo/o espaço, não tem fita dominada. O bagulho tá muito sério e tem gente dando risada. Com o futebol não é diferente.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. Não vejo nada, não vejo fita dominada. Ludopédio, São Paulo, v. 96, n. 17, 2017.
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