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Narrativas de torcedoras sobre os seus ídolos do futebol: o caso Diego Tardelli

O Blog Mulheres em Campo, por exemplo, entre os anos de 2015 e 2018, ofereceu um espaço exclusivo para torcedoras escreverem sobre seus ídolos. Na seção “Ídolos”, entre grandes heróis nacionais e internacionais, aparecem alguns nomes importantes para um grupo seleto, geralmente, de torcedores do clube em que o jogador realizou feitos memoráveis.

Para se estudar essas narrativas por meio da Análise do Discurso (MACHADO, 2021), é importante entendermos que os atos de linguagem têm um fim comunicativo, ou seja, os efeitos visados buscam levar o outro a aceitar determinados pontos de vista e universos de discurso. Ao falar-do-outro a torcedora deixa rastros do falar-de-si, por isso, entendemos que, neste sentido, tratam-se não apenas de Narrativas de Vida dos esportistas, mas também de Narrativas de Si — presentes na escrita das torcedoras. Neste artigo, focaremos no falar-do-outro em um texto escrito por uma torcedora atleticana sobre seu ídolo Diego Tardelli.

Diego Tardelli
Foto: Bruno Cantini/ Clube Atlético Mineiro/Fotos Públicas

Considerando o texto sobre o atleta, publicado no blog, o jogador é visto pela torcedora como um ídolo por diversos motivos para além de uma ação heroica. A torcedora projeta uma imagem do jogador associada à de um ídolo, a partir da atribuição de uma série de traços de caráter que são, comumente, considerados positivos no imaginário sociodiscursivo partilhado por membros participantes de torcidas organizadas e, mesmo, pelos (as)  torcedores (as)  brasileiros (as)  em geral, tais como: ter uma boa relação com a torcida, que é mantida ao longo do tempo, mesmo quando não se joga mais por um clube; utilizar-se  da rivalidade com outro time, que pode contribuir para a construção da imagem de ídolo; Com isso, a enunciadora torcedora blogueira parece atribuir tais traços ao jogador Tardelli no seguinte trecho:

Ele será sempre o artilheiro alvinegro, o dono da metralhadora de gols que fez a alegria dos atleticanos, que nunca se acovardou diante de seu rival e que se mantém, firme e forte, nas nossas memórias das conquistas mais importantes.

Em Outubro de 2021, o jogador Diego Tardelli entrou em campo pelo seu atual clube, o Santos, contra o Atlético Mineiro — time no qual se consagrou ídolo. De acordo com Giglio (2007), os ídolos do futebol são figuras que estão sempre presentes, como podemos observar na reação da torcida ao final do jogo, que cantou o grito de guerra tantas vezes entoado durante as passagens do atleta pelo Galo. A torcida se identifica ao ponto de dedicar um momento do jogo para demonstrar que, entre os poucos jogadores que conquistaram este status, ele é ídolo para os atleticanos e as atleticanas. Em um trecho da crônica do blog, a enunciadora torcedora blogueira fala sobre situação semelhante:

(…) A identificação criada entre jogador e time criou uma áurea de adoração por parte da torcida, que entende e admira a importância que ele representa para cada um de nós, que em uníssono no estádio, saudávamos (sic) a presença dele nos gramados em um grito de “Tardelli… Gol! Gol!”

Diego Tardelli
Foto: Bruno Cantini/ Clube Atlético Mineiro/Fotos Públicas

Para exemplificarmos, ainda considerando o Atlético Mineiro, em 2013, o goleiro Victor fez uma defesa que o consagrou herói para a torcida. Tardelli também fazia parte da equipe que consagrou o Atlético campeão da Copa Libertadores, mas sem uma situação mítica como a do defensor atleticano.

Nesse contexto, buscamos definir o ídolo local, aquele que tem em sua torcida a admiração e o respeito igualmente ao dedicado àquele ídolo reconhecido nacional ou internacionalmente (como o Pelé para os brasileiros, o Maradona para os argentinos, atualmente, o Messi e o Cristiano Ronaldo para boa parte do mundo). No texto sobre Tardelli, a enunciadora torcedora apresenta, logo de início, o que nos parece um dos motivos de “Don Diego”³ ter se tornado ídolo para ela e para a torcida alvinegra: os gols diante do rival, o Cruzeiro:

O seu primeiro gol, foi marcado contra o maior rival e seu  ‘até logo’ também foi coroado com um gol marcante: na conquista da Copa do Brasil”. (…) “Ele que fez mais de 100 gols com a camisa atleticana, que se tornou o 6º maior artilheiro alvinegro em clássicos(…)”.

No caso do Diego Tardelli, por exemplo, ele pode não ter sido um ídolo nacional, como aqueles que vêm surgindo nos grandes centros europeus ou realizam feitos memoráveis pela Seleção Brasileira de Futebol Masculino, porém, o jogador é o que podemos chamar de “ídolo local”.  A enunciadora-torcedora também relata a participação do jogador na Seleção masculina, destacando o desempenho abaixo do esperado para um jogador que estava em destaque em sua equipe na época, o Atlético:

Com diversos troféus individuais recebidos devido a suas boas atuações, ele se tornou reconhecido no cenário nacional e chamou a atenção de Dunga. (…) Tardelli ainda teve participação nos últimos dois jogos da eliminatória para a Copa do Mundo de 2010, mas em nenhuma dessas oportunidades conseguiu balançar as redes.

 (…) Neste primeiro ano, Tardelli fez parte de uma campanha que teve um início muito bom no Campeonato Brasileiro da referida ocasião, mas que acabou por ter um final não satisfatório para a equipe. Ainda assim, o jogador se consagrou o maior artilheiro da temporada e foi considerado por muitos o melhor atacante da competição.

Diego Tardelli
Foto: Bruno Cantini/ Clube Atlético Mineiro/Fotos Públicas

Com isso, entendemos que uma possível explicação para essa identificação local e não nacional são os resultados negativos dos jogadores, principalmente na Seleção. Para Giglio (2007), os ídolos consagrados do futebol são exceção, pois há um prazo de validade relacionado com o desempenho, a competência e, até mesmo, a idade do jogador, já o herói é imortalizado. Contudo, ainda para o pesquisador, o ídolo pode se tornar herói, quando constrói uma relação com os torcedores capaz de atravessar fatores externos, como a ida do jogador para outros clubes.

Enfim, qual definição devemos usar ao propor uma análise discursiva de crônicas escritas por torcedoras sobre esses ídolos ou heróis escolhidos por elas? Buscamos assim a definição de herói que, para Campbell (1990), é o indivíduo que realiza feitos únicos, além de dar a vida por algo maior que ele. Ao considerarmos o contexto futebolístico de Diego Tardelli, principalmente na atualidade, percebemos que essa conceituação nos leva ao sintagma “ídolo”. De acordo com Giglio (2007, p. 128), quanto ao ídolo, “sua imagem é construída junto a seus fãs no cotidiano”. Vejamos como isso pode ser percebido no texto da enunciadora-torcedora:

Na entrada para o campo, o jogador chegou a tocar na taça, como se soubesse que faria o único gol da partida final contra o rival Cruzeiro. E foi assim que ele se despediu, com o que esperamos ser um até breve, do time com que mais se identificou na carreira.

Diego Tardelli
Foto: Bruno Cantini/ Clube Atlético Mineiro/Fotos Públicas

A admiração perpassa as vitórias do clube com o jogador em campo, apesar disso ser um fator importante para que um personagem do meio futebolístico se torne ídolo (GIGLIO, 2007). No caso de Tardelli, para além do bom desempenho, posto que não há uma constância de bons resultados, o jogador esteve presente em momentos marcantes que abriram caminho para tal idolatria.

(…) o jogador mantém a sua conexão com o Clube, sempre admitindo a sua torcida pela equipe e mandando mensagens de carinho em datas especiais, tais como o aniversário do Atlético.

Ao analisarmos a materialidade discursiva que resulta de um ato de enunciação, em que há encenação de um sujeito que projeta, no texto, uma determinada identidade discursiva, percebemos que a enunciadora torcedora visa produzir efeitos discursivos em que há marcas de si, mesmo quando ela se utiliza de sintagmas como “nós” ou “ele”, demonstrando seu lugar como enunciador (a) torcedor (a), que faz parte deste ato de enunciação, dessa identidade torcedora que idolatra jogadores os quais fizeram por merecer tal idolatria.

Referências 

CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CAMPOS, Julia. Dom Diego: o ídolo artilheiro do Galo. 2016. Blog Mulheres em Campo. 15 abr. 2016. Acesso em: 16 de set. 2021.

GIGLIO, Sérgio Settani. Futebol: mitos, ídolos e heróis. 2007. 162 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

MACHADO, Ida Lucia. A narrativa de vida como materialidade discursiva. Revista da Abralin, v. 14, n. 2, 10 ago. 2015. Acesso em: 16 set. 2021.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anna Gabriela Rodrigues Cardoso

Doutoranda em Estudos de Linguagens no CEFET-MG

Como citar

CARDOSO, Anna Gabriela Rodrigues. Narrativas de torcedoras sobre os seus ídolos do futebol: o caso Diego Tardelli. Ludopédio, São Paulo, v. 150, n. 24, 2021.
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