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A loucura: funcionário ganha mais que patrão

Sineimar Renato Ferreira Reis 9 de fevereiro de 2018

A chegada de Neymar ao Paris Saint-Germain já ficou marcada na história do futebol, não ainda pelos ganhos esportivos do clube com o craque brasileiro, mas pelo lado financeiro do negócio. Além disso, a equipe francesa ofereceu R$ 110 milhões por ano em salários para convencer Neymar a trocar Barcelona por Paris. Numa conta simples, isso equivaleria a mais de R$ 300 mil por dia ou a R$ 12,5 mil por hora. Um valor que poucos conseguem ganhar em uma vida inteira de trabalho.

Nos partidos políticos ou sindicatos, nos centros acadêmicos do ensino superior ou nas salas de aulas do ensino fundamental, a pergunta está sempre no ar: afinal, por que um jogador de futebol ganha mais que um professor? Quem nunca viu aquele professor de história que dirige aquele Uno Mille 2000 velho sem ar-condicionado chegando suado em sala de aula em plena segunda-feira pós-rodada do Brasileirão, indignado com a importância que os alunos dão a “22 homens correndo atrás de uma bola” e seu descaso com a aula?

Eu até gosto de futebol, mas esse tipo de esporte está virando uma “loucura” nem Pelé ganhou tanto dinheiro como agora. Por exemplo: o PSG pagou 222 milhões de euros (R$ 815 milhões) ao Barcelona para contratar o jogador, o maior valor já visto em uma transação do futebol é mais que o dobro do recorde anterior, a contratação do meio-campista Paul Pogba pelo Manchester United, da Inglaterra, por 105 milhões de euros no início deste ano. Os números parecem exorbitantes, fora de qualquer realidade.

O atacante Hulk recebe R$ 6 milhões por mês do Shanghai SIPG. Ele é o jogador mais bem pago da China e um dos mais valorizados do mundo. Já o volante brasileiro Ramires deixou o Chelsea em janeiro de 2016 para receber R$ 47 milhões por ano no Jiangsu Suning, aproximadamente o dobro do que ele recebia no clube inglês. O mesmo Jiangsu Suning pagou a quantia recorde de R$ 180 milhões para tirar o brasileiro Alex Teixeira do Shakhtar Donetsk, mas o salário dele não é o maior do time: R$ 43 milhões por ano. Isso é vergonha internacional! Quanto ganha um cientista, um médico de alto nível, um professor de uma Universidade Pública aqui no Brasil? Ou no exterior?

Press conference during Neymar Jr.'s visit as new Goodwill Ambassador for Handicap International, Palais de Nations, Geneva, Switzerland, 15 August 2016. UN Photo/Elma Okic
Neymar Jr. é Embaixador internacional de boa vontade da Handicap. Foto: UN Photo/Elma Okic.

Muitas pessoas importantes no mundo que são de extrema importância para a humanidade não recebem nem “metade da metade” do que muitos jogadores mundo afora ganham. Uma vergonha, uma ignorância do povo mundial em apoderar estes jogadores e esquecer de pessoas mais importantes. Gosto deste esporte, mas isso para mim é um absurdo.

Hoje está evidente que (o futebol) é um mercado de entretenimento. Nos Estados Unidos, é normal ver o esporte como essa indústria, mas o futebol está se consolidando nisso agora. Está virando cada vez mais espetáculo. Um ator como Brad Pitt recebe valores altíssimos para fazer um filme, o que seria proporcional à movimentação financeira que se espera da película. A lógica para o futebol hoje seria a mesma: as estrelas, como Neymar, Cristiano Ronaldo, Messi entre outros, são muito bem pagas porque são as protagonistas de um espetáculo que envolve cada vez mais dinheiro. O futebol é um dos poucos segmentos, senão o único, em que o funcionário ganha mais que o patrão. O presidente de um clube ganha menos que o jogador, isso porque sem os jogadores, sem as estrelas, não há o espetáculo que movimenta todo esse dinheiro.

O capitalismo do futebol está a solta e só aumentando cada vez mais. Só para ter uma ideia, na Inglaterra, por exemplo, o salário médio mensal de jogadores da Primeira Divisão na época da decisão da corte europeia girava em torno de R$ 40 mil. Dez anos mais tarde, já atingia a marca de R$ 195 mil. Em 2015, passava de R$ 700 mil. A mesma coisa se deu com o valor de transferências: entre 1997 e 2017, o “recorde mundial” de transações saltou de R$ 61,7 milhões para os mais de R$ 800 milhões pagos pelo PSG ao Barcelona pelos serviços de Neymar.

Adam Smith foi um dos primeiros a tentar explicar o fenômeno da valoração por meio da Teoria do Valor Trabalho. Sua teoria delimitava que todo valor partia do trabalho empregado para a produção daquele determinado bem. Foi a partir dela que Marx desenvolveu o conceito de mais-valia.

Entretanto, a Teoria do Valor Trabalho se mostrou totalmente equivocada frente à Revolução Marginalista encabeçada por Menger, Böhm-Bawerk, Jevons e Walras que teorizaram praticamente ao mesmo tempo, embora de forma separada, acerca da Teoria da Utilidade Marginal. Em contraposição à Teoria do Valor Trabalho, a Teoria da Utilidade Marginal dizia que o valor não é algo intrínseco a cada bem ou serviço no mercado, pelo contrário: o valor de um bem é algo extremamente subjetivo. Em outras palavras, a valoração de qualquer bem parte do agente de mercado (o indivíduo) para o bem em uma compilação de utilidade (a importância subjetiva que o indivíduo tem pelo bem) e sua escassez.

A Teoria da Utilidade Marginal mostrou que o valor de qualquer bem responde aos estímulos da compilação entre utilidade e escassez. Se o agente de mercado tem um critério subjetivo para uma dada quantidade de bens aos quais ele considera útil, por exemplo, ele estabelece que 1 kg de carne vale R$10, e se a quantidade desse produto no mercado aumentar, a escassez de tal bem diminui o valor daquele bem, pois se aumentou a oferta. Enquanto, se a utilidade daquele bem aumentar, por exemplo, se sair uma pesquisa em que comer uma quantidade maior de carne é melhor para a saúde, o valor, ou melhor, o preço daquele bem tenderá a aumentar já que se aumentou a procura. A Teoria da Utilidade Marginal mostra também que o trabalho em nada influência o valor final do bem produzido. É comum vermos lojas à beira da falência vender seus produtos abaixo do preço de custo. A loja tomou essa decisão baseada em seus incentivos: era mais vantajoso para ela, por exemplo, reduzir suas dívidas. Assim, a utilidade de um bem presente se mostrou maior do que vender os produtos no futuro. Já os pobres professores exercem uma profissão de baixa utilidade marginal para as pessoas. A quantidade de Neymars que existem no mundo é muito menor do que a de professores de matemática. Logo a valoração dos professores é bem menor que a dos jogadores de futebol.

Isso não acabou, outro vi uma reportagem sobre a “novela” transferência de Philippe Coutinho, que o Barcelona tinha oferta final de quase R$ 600 milhões recusada e ficaria sem Coutinho, um absurdo sem tamanho, R$ 600 milhões. A proposta oficial foi recusada pelos proprietários do Liverpool, que reafirmaram a intenção de manter seu principal jogador no elenco.

De acordo com fontes próximas aos envolvidos, o Barcelona estava disposto a pagar até 160 milhões de euros (mais de R$ 590 milhões), somadas cláusulas de desempenho, para que Coutinho fosse a principal contratação para a vaga deixada por Neymar. Aí fica o desgosto pelo futebol, muitas vezes por comodidade as figuras citadas acima tentam achar um culpado para a desvalorização da “classe”, e é aí que entra em cena o maior vilão do mundo: o capitalismo. Questionar as verdadeiras razões que fazem um jogador de futebol ganhar consideravelmente mais que o próprio patrão é desnecessário por todos, não é mesmo? Com a palavra, o leitor.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sineimar Reis

Possui graduação em História pela Instituição Educacional Cecilia Maria de Melo Barcelos Faculdade Asa de Brumadinho, Minas Gerais, (2012). Graduado licenciado em Artes Visuais pela Faculdade de Nanuque, Minas Gerais, (FANAN) 2015. Tem experiência na área de História com ênfase nos seguintes temas: Ciência política e políticas públicas sociais e educacionais, história contemporânea e do tempo presente. Arte contemporânea em relação ao público escolar, arte pública e poder público. Aborda principalmente os seguintes temas: História social da cultura, políticas públicas governamentais e educacionais, arte no espaço urbano e espaço arte. Músico tocador de flauta transversal e artista especialista em desenhos realistas. Tem vasta experiência com ensino fundamental e médio. Atua como professor da rede Estadual de ensino nas disciplinas de história e arte, atualmente leciona arte em duas escolas da rede pública na cidade de Betim e Contagem/MG na modalidade Fundamental e Médio, atualmente direciona o Instituto do Patrimônio Histórico da Cidade de Betim. Coordena e participa de grupos de pesquisa e seminários em estudos voltados para as políticas públicas desenvolvendo projetos sociais junto ao movimento dos trabalhadores que contribui com o processo de reforma agrária e por uma sociedade mais justa.

Como citar

REIS, Sineimar Renato Ferreira. A loucura: funcionário ganha mais que patrão. Ludopédio, São Paulo, v. 104, n. 9, 2018.
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