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Neymar, Ronaldinho e o “verdadeiro” futebol brasileiro

O jogo entre Flamengo e Santos vencido pelo primeiro por 5 a 4, realizado no dia 27 de julho, levou os jornalistas a falarem em “essência” e “verdadeiro” futebol brasileiro. Neymar e Ronaldinho protagonizaram lances e jogadas geniais, tornando a partida emocionante e prazerosa de se assistir. Mas o que isso teria a ver com uma suposta “essência” ou “verdade” do nosso futebol? Todas as outras partidas das 12 rodadas do campeonato fariam parte da “desnaturalização” ou da “mentira” do futebol brasileiro?

Durante a partida, tanto o narrador como o comentarista da Rede Globo de Televisão, o ex-jogador de futebol Junior, reconhecidamente um grande craque no seu tempo, faziam alusões a tal da “essência” ou da “verdade” do nosso futebol. Por que então somente uma partida das mais de 100 disputadas até então no Campeonato Brasileiro teria esta “essência” ou “verdade”? Estavam em campo, entre outros grandes jogadores, dois extraclasses de gerações distintas. De um lado o jovem Neymar, maior promessa do futebol atual, talvez ao lado de Ganso e Lucas. E de outro, Ronaldinho Gaúcho, melhor do mundo até alguns anos atrás. Ora, jogadores extraordinários produzem lances extraordinários. Os dois estavam inspirados e geraram lances espetaculares, daqueles que não vemos na rotina do futebol, seja no nosso, seja no mundial.

Ronaldinho Gaúcho dribla Edu Dracena. Foto: Wander Roberto/VIPCOMM.

Posso estar fazendo o papel do sociólogo destruidor dos mitos mais prazerosos dos brasileiros, mas não tenho como aceitar a fragilidade da sentença que atribui a uma partida ou a alguns jogadores aquilo que seria a nossa “essência”. Não seria muito mais razoável e lógico pensar que o que estamos chamando de “essência” seria a “exceção”? Do contrário estaríamos todos condenados a ver constantemente diversas partidas “mentirosas”, negando o “futebol brasileiro”. E isto por anos, às vezes décadas. Como já escrevi em artigo publicado em O Globo no dia 3 de junho de 2011, Neymar e Ganso fazem parte da galeria dos jogadores extraordinários. E estes jogadores possuem estilo semelhante: o estilo extraordinário. Ronaldinho Gaúcho idem. Desde os Ronaldos (o “Gaúcho” e o “Fenômeno”) não produzimos jogadores tão fantásticos. Antes deles tivemos Romário e um pouco antes a geração do Zico. O que me leva a concluir que estes atletas extraclasses são exceções, são gênios do futebol, independente de suas nacionalidades. Não tem a ver com “brasilidade”. Tem a ver com genialidade, com talento acima da média, que é algo que não se explica. Seus estilos são universais, raros, se unem aos maiores da história do futebol, ainda que o Brasil possa produzir mais jogadores deste nível e ainda que nos agrade pensar que fazem parte do “verdadeiro futebol brasileiro”.

Neymar (11) olha Ronaldinho Gaúcho comemorando o gol de falta. Foto: Wander Roberto/VIPCOMM.

Na partida entre Santos e Flamengo, repleta de lances geniais protagonizados principalmente por Neymar e Ronaldinho, dois mereceram a atenção destacada da imprensa. O terceiro gol do Santos marcado por Neymar e o gol de falta do Ronaldinho. Neymar mostra neste gol recursos técnicos e corporais só comparáveis aos grandes gênios do futebol. E a sutileza na falta cobrada por Ronaldinho idem. E ele já tinha cobrado de forma semelhante nos seus tempos de Barcelona. A jogada que originou a falta também é extraordinária.

12 anos separam Neymar de Ronaldinho. Quando os dois estão em campo, ainda que em lados opostos, e em noite inspirada, só podia dar no que deu: uma partida memorável, épica, que entra na galeria das partidas extraordinárias, brasileiras ou não.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Ronaldo Helal

Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Sociologia - New York University (1986) e doutorado em Sociologia - New York University (1994). É pesquisador 1-C do CNPq, Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (2006). Em 2017, realizou estágio sênior na França no Institut National du Sport, de L'Expertise et de la Performance. É professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi vice-diretor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj (2000-2004) e coordenador do projeto de implantação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj (PPGCom/Uerj), tendo sido seu primeiro coordenador (2002-2004).Foi chefe do Departamento de Teoria da Comunicação da FCS/Uerj diversas vezes e membro eleito do Consultivo da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj por duas vezes. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: futebol, mídia, identidades nacionais, idolatria e cultura brasileira. É coordenador do grupo de pesquisa Esporte e Cultura (www.comunicacaoeesporte.com) e do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte - LEME. Publicou oito livros e mais de 120 artigos em capítulos de livros e em revistas acadêmicas da área, no Brasil e no exterior.

Como citar

HELAL, Ronaldo. Neymar, Ronaldinho e o “verdadeiro” futebol brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 26, n. 5, 2011.
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